O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou esta quinta-feira mais uma reclamação sobre um incidente de recusa de juiz apresentada pela defesa de José Sócrates no processo Operação Marquês, em linha com as decisões sobre as dezenas de incidentes deste tipo já suscitados pela defesa do ex-primeiro-ministro, e aplicou o artigo 670.º do Código do Processo Civil para forçar a tramitação do processo.
Recorde-se que o art. 670.º é um instrumento legal contra as manobras dilatórias previsto no Código de Processo Civil que tem aplicação subsidiária no processo penal.
Desta feita, o visado da recusa de Sócrates era o juiz desembargador Francisco Henriques (e a desembargadora Adelina Barradas de Oliveira), que assumiu a titularidade dos autos na Relação de Lisboa em junho, pelo que, caso o Supremo tivesse dado razão à pretensão de Sócrates, todas as decisões tomadas desde então seriam anuladas – um cenário que os conselheiros Celso Manata (relator e antigo diretor-geral dos serviços prisionais nos governos de António Guterres e António Costa), Agostinho Torres e Vasques Osório afastaram com este acórdão.
“O Supremo Tribunal de Justiça indeferiu hoje a reclamação apresentada pelo arguido José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa”, lê-se no comunicado do STJ.
“Por se ter considerado que com os diversos requerimentos apresentados neste processo o arguido pretende atrasar o mais possível o cumprimento da decisão proferida a 20 de junho de 2024 e, assim, obviar igualmente a que o processo que corre termos no Tribunal da Relação de Lisboa – no qual o incidente de recusa que deu origem ao presente processo foi apresentado — prossiga os seus termos normais, o STJ decidiu ainda que (nos termos do artigo 670º do Código de Processo Civil, aplicável por força do art. 4º do Código de Processo Penal) o processo baixe ao Tribunal da Relação para ser imediatamente executado”.
Na origem deste pedido da defesa de Sócrates estava o argumento de que o desembargador Francisco Henriques estaria impedido de se pronunciar no processo, por já ter tido uma intervenção anterior associada ao caso, mais concretamente, por ter julgado e condenado o ex-presidente do BES Ricardo Salgado a seis anos de prisão (condenação agravada em 2023 na Relação de Lisboa para oito anos) no processo separado da Operação Marquês, a 7 de março de 2022.
O incidente de recusa de juiz era a última questão pendente no STJ, mas ainda não é desta que o processo vai descer à primeira instância para se marcar data para o julgamento da Operação Marquês. Embora o julgamento não esteja em causa, face à pronúncia de 25 de janeiro de 2024 de Sócrates e outros arguidos por 118 crimes, a descida do processo foi adiada com a decisão do Supremo conhecida na quarta-feira relativamente a uma reclamação da defesa do primo do ex-primeiro-ministro, na qual se obrigou a Relação de Lisboa a admitir um recurso de José Paulo Pinto de Sousa.
O juiz desembargador Francisco Henriques tinha proferido um despacho no dia 24 de junho a não admitir a entrada do recurso do primo de Sócrates relativamente ao acórdão de 2 de maio, no qual tinham sido indeferidas as arguições de nulidades e irregularidades sobre a decisão de pronúncia de 25 de janeiro, tomada pelas desembargadoras Raquel Lima, Madalena Caldeira e Micaela Rodrigues. Ou seja, o Supremo quer que esse recurso dê entrada para poder analisar uma alegada “ilegalidade da composição do tribunal coletivo que pronunciou o arguido pelos dois crimes de branqueamento de que vinha acusado”. Assim, esse recurso terá de ser admitido, resta saber se terá efeito devolutivo ou suspensivo sobre o processo.
A validação do juiz que pôs travão ao “carrossel de recursos” de Sócrates
Ao recusar afastar o juiz do processo, o acórdão do STJ validou, por inerência, todas as decisões tomadas pelo desembargador Francisco Henriques desde junho no processo, nomeadamente o acórdão de 20 de novembro em que aplicou o artigo 670.º do Código do Processo Civil para forçar o arranque do julgamento da Operação Marquês, assim que estivessem resolvidas as questões pendentes no Supremo. Nesse acórdão, conforme o Observador adiantou então, o desembargador decidiu colocar um travão no “carrossel de recursos” do ex-primeiro-ministro e aplicou a norma contra as manobras dilatórias, acusando Sócrates de estar a “protelar de forma manifestamente abusiva e ostensiva a sua submissão a julgamento”.
O juiz desembargador sublinhou ser “legalmente inadmissível fazer do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável” com o “fim de conseguir um objetivo ilegal, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado”, “impondo-se” por isso o “recurso ao mecanismo regulado no artigo do 670.º do Código de Processo Civil”.
Ou seja, a partir de agora “todos os requerimentos” que “se relacionem com questões já definitivamente decididas no âmbito do acórdão neste tribunal, das quais se pretenda interpor recurso/aclaração/reclamação/nulidade ou incidente afim, serão processados em separado, extraindo-se traslado”. Esta decisão visa tratar estes incidentes em processo à parte, com efeito devolutivo e sem parar a marcha do processo principal.
Assim, a descida do processo Operação Marquês à primeira instância está pendente da análise do recurso da defesa do primo de Sócrates sobre a alegada irregularidade do coletivo formado pelas desembargadoras Raquel Lima, Madalena Caldeira e Micaela Rodrigues, que pronunciou José Sócrates e mais 21 arguidos por 118 crimes. Em causa está a passagem de duas destas magistradas para outros Tribunais da Relação quando o acórdão de 25 de janeiro foi proferido, uma questão que já foi descartada anteriormente pelo Conselho Superior da Magistratura, que havia determinado que as juízas só assumiriam serviço nessas instâncias depois de concluída a sua intervenção sobre o recurso de não pronúncia da decisão instrutória de 9 de abril de 2021 na Operação Marquês.
(artigo atualizado às 17:59)