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"Tony", episódios 3 e 4: uma canção de embalar fãs

A primeira metade deixou dúvidas, mas depois de assistidos os 4 episódios da série, a pergunta que trazíamos no caderno — "Quem é Tony Carreira?” — fica definitivamente sem resposta.

Esta poderia ser uma uma história de vida, mas é uma série biográfica que acaba por ser a versão photoshopada de uma narrativa real
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Esta poderia ser uma uma história de vida, mas é uma série biográfica que acaba por ser a versão photoshopada de uma narrativa real

Esta poderia ser uma uma história de vida, mas é uma série biográfica que acaba por ser a versão photoshopada de uma narrativa real

Pois que, no passado dia 7 de dezembro, estreou-se na TVI o primeiro episódio do série biográfica Tony. Nesse mesmo dia, ficou disponível na Prime Video na sua totalidade. E eu como sou doente, obstinada e me pagam para isso, já virei a metade que me faltava. No artigo em que me debrucei sobre o episódio 1, “Sonhos de Menino”, e o episódio 2, “A minha guitarra”, confessei que a série me pareceu prematura e me soube a poucochinho. No entanto, deixei em aberto a possibilidade de estar a tirar conclusões prematuras, uma vez que ainda havia outro tanto para ver. Tenho imensos defeitos, quase tantos como as platinas de Tony Carreira (58, segundo o site da Editora Espacial), mas tento ser justa (a menos que envolva o meu Sporting. Nesse caso, a imparcialidade vai de vela). Vistos que estão os restantes episódios, será que fiquei com a mesmíssima sensação?

O terceiro episódio intitulado “Uma noite a teu lado” vai alternando entre a década de 80 e o dia em que Tony Carreira se apresentou pela primeira vez no Pavilhão Atlântico, no ano da graça de 2003. Sala que já encheu 25 vezes. Para os pequenitos, o Pavilhão Atlântico era o nome da Meo Arena, que depois mudou para Altice Arena e agora é Meo Arena outra vez e amanhã sabe Deus como se chamará. Zé, o irmão-agente surpreende Tony com uma limusine e uma motorista-modelo, chamada Valentina, vestida “assim como nos filmes”, e que foi encarregada de o levar para o concerto. Tony que é o mais humilde dos seres humanos, ideia que é incessantemente enfiada pela goela do telespectador ao longo da série, acha tudo aquilo desnecessário, mas lá faz a vontade ao irmão. No caminho, o motor da limusine dá o berro, a boa da Valentina fica agarrada e o irmão Zé tem de ir buscar um Tony que continua impávido e sereno, sem ponta de irritação ou um fio de cabelo despenteado (desculpem, não resisti), porque é a mais compreensiva e humana das criaturas. À chegada ao Pavilhão Atlântico, faz questão de sair do carro para ir cumprimentar as fãs porque “elas merecem”. Não sei se perceberam, mas ele é humilde, é humano, é compreensivo, é empático, é grato e só não foi canonizado porque, entre tantos concertos, não deve ser fácil arranjar agenda.

[o trailer de “Tony”:]

Lá por França, muita coisa se passou nos anos 80. Aliás, se me queixei de algum preenchimento de enchidos na primeira metade da série, desta feita isso não sucedeu, talvez porque Tony se despede da fábrica lá para o fim do episódio (desculpem, não resisti outra vez). Mas recuando um pouco: reencontramos o nosso jovem António em Dourdan. Ele recebe um convite para fazer parte de uma banda e leva o irmão Zé de arrasto. O primeiro concerto dos Irmãos Cinco (o nome foi ideia do Tony, inspirado nos Jackson 5) é um flop, mas o nosso herói faz das dele: aumenta o volume das colunas, põe a banda a usar camisas questionáveis e, não contente com estes atos absolutamente revolucionários, ainda usa o call to action irrecusável “essas mãozinhas aí” para puxar à palma. Resultado: plateias rendidas e dinheiro a entrar nos bolsos. E Tony a mostrar a tudo o que era belle portugaise que o que é nacional é bom.

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Andava Tony entretido a debulhar fãs, até que Fernanda aparece num desses bailes. E dá-se um momento de pura magia e destino e karma e tudo. Ele viu-a, ela viu-o, o sistema de som vai de vela. O nosso pinga-amor e profissional de mão cheia chega-se à frente e decide cantar Pó de Arroz versão unplugged. E enquanto o eletricista foi dar um jeitinho ao quadro, o cupido fez das dele. No intervalo do bailarico, António vai ter com Fernanda, diz-lhe que ela tem um nome muito bonito (vale tudo, né?)… Afirma também que vai ser o maior cantor português, que vão namorar e casar. Poderiam dizer que é arrogância, mas é resiliência, o espírito de luta de um português trabalhador. Tanto que convence os colegas a reinvestir parte do cachet na gravação de um disco. Que, como dizer isto, foi um fracasso. Mas o que não nos mata torna-nos mais fortes e António, visionário, guerreiro, um autêntico rouxinol gladiador, diz aos colegas de banda que está na hora de começarem a apostar exclusivamente em originais. Os colegas apoiaram a ideia… E despediram-no para ele se poder dedicar a esse projecto a full-time. É neste estado de coisas que Zé sugere tornar-se seu agente e promete levá-lo “até ao topo do Mundo”. Nesta fase, há dois momentos que abalam o nosso protagonista: a chamada do dono de uma editora, José Oliveira (decorem este nome), que depois de ouvir o seu primeiro single a solo Uma noite a teu lado lhe diz, por outras palavras, que ele tem uma boa voz para escrever à maquina. Duro. Logo de seguida, recebe um presente do irmão-agente que se revela envenenado: Zé inscreve-o no Festival da Figueira da Foz, que lhe dá acesso ao Festival da Canção e que resulta num penúltimo lugar e num camadão de nervos. Mas qual fénix renascida, ele despede-se da fábrica, aposta tudo no seu sonho com a ajuda de um produtor francês e escolhe o nome artístico “Tony Carreira”.

No quarto episódio continuamos no Pavilhão Atlântico, no dia do já referido primeiro concerto nesta sala. Tony está no camarim e chega um jornalista com cara de poucos amigos para o entrevistar. No caderno, uma pergunta: “Quem é o Tony Carreira?”. Tudo aquilo que este jornalista testemunha nos bastidores é um atestado do ser humano elevado que é António Antunes: porque dá a mesma atenção ao jornalista que à maquilhadora, porque trata toda a equipa como uma grande família, porque sabe que sem as fãs não é nada e nunca se esquece disso, nem de onde vem, nem como lá chegou… Só falta uma coisa a este homem: um andor.

Voltemos ao flashback em França. Depois de tanto batalhar, sempre com um sorriso nos lábios e uma conduta irrepreensível, testemunhamos finalmente a escalada de sucesso de Tony, a constante busca por dar um espectáculo melhor ao seu público, às vezes com o seu prejuízo pessoal. Fernanda receia a instabilidade financeira e ressente-se da sua ausência. Os filhos sentem a falta dele. As vendas dos discos teimam em manter-se baixas, apesar da agenda recheada. Até que entra em cena Francisco Carvalho, dono da Espacial, ex-marido de Ágata, a quem a cantora dedicou o hino Comunhão de Bens. Francisco oferece um contrato de 3500 contos ao Tony, mas para ele o que importa é a música, os fãs, o espetáculo. Não há pinga de ganância no corpo do ídolo a quem fãs mandam cuecas perfumadas. Sendo que é Fernanda que recebe esse correio… Pois é. Como diria o Hélder Fráguas, o juiz d’A Sentença, também na TVI: “Depois, não se queixe”.

Mas voltando ao negócio com a Espacial: Tony recusa o dinheiro, mas pede a Francisco que lhe dê os meios para fazer um grande álbum e para oferecer ao público concertos dignos de estádios. Isto deve ter falado ao coração do empresário que foi presidente do Chaves. O investimento em Tony compensou e o nosso vagabundo foi disco de ouro. Entretanto, Francisco põe Tony nas mãos de uma promotora de imagem para chegar “a outros públicos”. Uma promotora que lhe põe um pullover aos ombros e lhe pede para ele não usar o seu infalível “ponham essas mãozinhas aí”, por “não cair muito bem neste segmento de público”. Mas Tony é fiel à sua essência, sacou palmas aos finórios e eles acharam a maior das graças. No final do concerto, ainda sentiu o doce sabor da justiça quando é abordado por José Oliveira (eu disse para decorarem o nome) que o quer roubar à Espacial e Tony tem o prazer de lhe dizer que aquele António Antunes que ele aconselhou a desistir da música é ele. Tau! Mas Tony não o fez por vingança, que ele não tem esses sentimentos mesquinhos, caso ainda não tivessem percebido. Ainda há tempo para ele ir à campa do avô buscar forças outra vez, gravar o videoclip de Sonhos de Menino com Mickael e David (aconselho o visionamento do mesmo no YouTube, não se vão arrepender). E esta linha temporal termina com Fernanda e Tony a chegar a casa após o nascimento de Sara. Os irmãos ficam encantados com a bebé e Tony garante que eles são a vida dele. É o momento mais subtil e mais comovente da série.

A dada altura nos bastidores do concerto de 2003, o primo Ramiro a quem Tony deu uma oportunidade e que faz parte da sua equipa técnica diz ao jornalista “A história está ali. No Tony e nas fãs, elas é que permitem isto tudo”. O facto do primeiro episódio da série biográfica Tony ter sido o programa mais visto do dia, com 8,2% de rating e 17,9% de share parece confirmá-lo. A minha questão fundamental com esta série é: depois de assistidos os 4 episódios, a pergunta que o jornalista trazia no caderno — “Quem é Tony Carreira?” — ficou sem resposta. E atenção, cinismo e sarcasmo à parte, até acredito que o cantor seja um homem bom, mas esta versão photoshopada da sua vida e do seu carácter transforma uma série biográfica, que deveria ser uma história de vida, numa canção de embalar fãs.

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