A Câmara Municipal de Loures vai demolir várias construções “precárias e clandestinas” na rua das Marinhas do Tejo, em Santa Iria de Azóia, onde estão a viver dezenas de pessoas. O aviso da Câmara Municipal de Loures para a demolição das habitações foi feito com 48 horas de antecedência, denunciaram na manhã desta quinta-feira vários moradores ao Observador.
Horas depois de o caso ter sido noticiado, os serviços camarários explicaram que a decisão foi tomada após terem recebido uma denúncia sobre as condições de habitabilidade em diversas construções ilegais a 5 de dezembro, tendo-se deslocado ao local com assistentes sociais e agentes de autoridade. Em comunicado, a câmara de Loures acrescenta que foi detetada uma “situação evidente de risco para a saúde pública”, identificando 99 pessoas que vivem “sem eletricidade própria ou água potável, com lixo acumulado onde proliferam roedores”.
Para evitar que este núcleo de casas continuasse “a crescer” , o município notificou os moradores de que “estas construções [seriam] demolidas e que [estes deveriam] procurar alternativas”. Segundo a autarquia, liderada por Ricardo Leão, os moradores procuraram ser ouvidos na última terça-feira e foram recebidos no gabinete da vice-Presidente Sónia Paixão, responsável pelos pelouros da Habitação e Desenvolvimento Pessoal.
O aviso colocado esta semana nas portas
Apesar de terem conhecimento da intenção da autarquia, os moradores foram surpreendidos esta semana com um aviso, dando conta de que dentro de 48 horas as demolições poderiam arrancar: “Avisam-se os utilizadores/ocupantes da presente construção que em virtude de se tratar de uma construção precária e clandestina, insuscetível de legalização urbanística, foi determinado por Despacho da Sra. Vice-Presidente, datando de 9/12/2024, que a Câmara Municipal de Loures dará início ao processo de demolição no prazo de 48 horas”, pode ler-se num aviso datado de 10 de dezembro e afixado em várias construções.
“Deste modo, deverá a construção encontrar-se livre de pessoas e bens, não se responsabilizando a Câmara Municipal de Loures por quaisquer bens que, na data da demolição, se encontrem no seu interior”, lê-se ainda. Foi por isso que muitos dos moradores ouvidos esta manhã pelo Observador já retiraram os seus pertences das habitações, tendo guardado os bens debaixo de um viaduto próximo. Algumas pessoas já passaram a última noite a dormir na rua.
Esta demolição surge semanas depois da polémica, no final do mês de outubro, que envolve o presidente da Câmara Municipal de Loures por ter defendido o despejo “sem dó nem piedade” de inquilinos de habitações municipais que tivessem participado nos distúrbios que ocorreram na Área Metropolitana de Lisboa que se seguiram à morte do cabo-verdiano Odair Moniz por disparo de um agente da PSP.
O movimento Vida Justa já tinha denunciado através das redes sociais que a demolição estava prevista para esta manhã. Numa publicação no X (antigo Twitter), na quarta-feira, o movimento afirmou que a câmara estaria a deixar na rua cerca de 100 moradores — incluindo 21 crianças, quatro pessoas doentes e uma mulher grávida — “sem averiguar a situação social ou garantir qualquer alternativa habitacional viável.”
O Vida Justa tomou conhecimento que a CM Loures vai despejar cerca de 100 pessoas, entre elas 21 crianças, 4 pessoas doentes e uma mulher grávida, a viver precariamente na Rua das Marinhas do Tejo e junto à fábrica da Sidul Açúcares, na Estrada Nacional 10, Santa Iria da Azóia. pic.twitter.com/tYfrnYXiMR
— Vida Justa (@VidajustaPt) December 11, 2024
O movimento teve conhecimento da demolição após ter sido contactado pelos moradores. Em declarações à Rádio Observador, Tiago Sequeira, do Vida Justa, explica que no terreno, que tem cerca de 50 anos, havia algumas construções que estavam abandonadas. “As pessoas, uma vez que não tinham condições de pagar uma renda face aos preços atuais do mercado, que são absolutamente proibitivos, encontraram esta solução, de ocupar uma destas casas, que estava cheia de entulho, lixo, partida”, refere. “Eles fizeram reparações, investiram de certa forma neste espaço e ofereceram-se, inclusivamente, para pagar renda e ficar aqui de forma regular”, acrescenta.
Ao Observador, alguns moradores confirmaram que na quinta-feira passada um funcionário da Câmara de Loures esteve no local e revelou que as habitações seriam demolidas. Em resposta, vários residentes deslocaram-se até à câmara para pedir explicações. Só na terça-feira foram afixados os avisos a confirmar a decisão.
A rádio Observador tentou contactar diretamente Ricardo Leão, presidente da Câmara de Loures, a propósito da demolição, mas até agora não recebeu resposta. Leão foi recentemente alvo de várias críticas, inclusivamente do próprio partido, depois das suas declarações sobre o despejo de inquilinos que tivessem participado nos distúrbios na Área Metropolitana de Lisboa.
O ex-primeiro-ministro António Costa, o deputado e membro da Comissão Política Concelhia de Lisboa, José Leitão, e o ex-eurodeputado Pedro Silva Pereira, criticaram, num artigo no Público, as declarações do autarca de Loures, considerando que despejos arrendatários de habitações municipais como “sanções acessórias” complementares de “sanções criminais” ofendem os valores, cultura e identidade do partido.
O autarca acabaria por reconhecer que foi um “momento menos feliz”. Acabou por pedir a demissão da presidência da Federação de Lisboa do PS para evitar que o partido fosse prejudicado pela polémica.
Vereadores dizem ter sido “surpreendidos”: “Ricardo Leão tem de mudar de ideias”
No local da demolição esteve esta manhã uma vereadora do Bloco de Esquerda, que acusou o PS de “não querer saber das pessoas”. Rita Sarrico disse que “o executivo ainda não falou com as pessoas”.
“Eu acho que enquanto estiver cá o aparato [mediático] eles não vêm cá”, apontou. “As pessoas estão a ser mandadas literalmente para debaixo da ponte”, criticou.
O vereador da CDU Gonçalo Caroço também esteve no local. “Nós estamos aqui, mas são vocês que têm de se organizar. Isso é que é decisivo”, disse aos moradores. “Mostrarem à câmara de Loures e quem lá está que esta situação é desumana. Podem contar com a nossa solidariedade, mas contem com vocês. Vocês é que vão ser decisivos para conseguir defender aquilo que é a vossa habitação. Não é bonita, não é boa, não é a melhor, mas é a vossa casa, da vossa família”, afirmou.
Gonçalo Caroço disse que, como a população, ficaram surpreendidos pela decisão de demolir as habitações, acrescentando que só souberam do que se estava a passar pelos moradores, que esta semana se deslocaram até à câmara. “Ricardo Leão tem de mudar de ideias. Ninguém quer ficar colado a uma decisão destas”, sublinhou.