Uma menina da Serra Leoa foi resgatada na madrugada de quarta-feira ao largo de Lampedusa após três dias em alto mar com um simples colete salva-vidas e um par de pneus a servir de jangada.

Jacinta, de 11 anos, estava em aparente estado de hipotermia quando membros da “Compass Collective”, Organização Não Governamental (ONG) alemã de apoio a refugiados, a tiraram do Mediterrâneo por volta das 3h20. O veleiro Tatrumar III ia a caminho de uma outra missão quando ouviram os gritos da criança na escuridão. Já a bordo, embrulhada numa manta térmica, contou aos ativistas que estava há três dias no mar, depois de o barco onde viajava com o irmão mais velho e mais de 40 pessoas ter naufragado.

“Foi uma coincidência incrível termos ouvido a voz da criança, apesar de o motor estar a trabalhar”, disse o capitão do Trotamar III, Matthias Wiedenlübber, no comunicado à imprensa da ONG. “E, claro, procurámos logo outros sobreviventes. Mas depois da tempestade de um dia inteiro, com mais de 23 nós e ondas de 2,5 metros de altura, não havia esperança”, explicou.

Já a bordo do veleiro, e devidamente embrulhada numa manta térmica, Jacinta contou que embarcou na cidade tunisina de Sfax num barco metálico sobrecarregado com 45 migrantes, refere a nota à imprensa. A certo ponto durante a viagem, a embarcação não resistiu a uma forte tempestade que durou dias e naufragou. Ainda esteve acompanhada de outros dois sobreviventes mas estes acabaram por desaparecer dois dias antes de ser resgatada.

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O “Compass Collective”, que não encontrou mais sobreviventes, considera no comunicado que a menina foi “provavelmente a única das 45 pessoas a bordo a sobreviver à tempestade no Mediterrâneo Central, que durou vários dias”.

Dez migrantes resgatados na Canárias são únicos sobreviventes de naufrágio que matou 48

De acordo com agência noticiosa italiana Ansa, na última quarta-feira, a guarda costeira e a polícia italiana ainda estavam à procura de sobreviventes ou de qualquer indício que apontasse para o naufrágio, em vão. Esse é, aliás, um argumento das autoridades italianas para dizer que nem tudo está claro neste relato. Sublinham que, até à data, não há vestígios de roupas, sapatos, depósitos de gasóleo ou outros destroços a cerca de 11 milhas da costa de Lampedusa, onde se terá afundado o barco.

Por outro lado, as declarações do médico também deixam dúvidas quanto à precisão do relato de Jacinta, que três horas depois de ter saído do mar foi atendida numa clínica em Lampedusa, onde o diretor médico rejeitou que estivesse hipotérmica. “A criança não estava em estado de hipotermia, mas em boas condições. Estava um pouco desidratada, mas quatro horas depois deixou o hospital”, explicou o diretor médico Francesco D’Arca, citado pela Rai.

A ONG tinha dito que a criança estava “congelada”. Mas aequipa liderada pela procuradoria-geral de Agrigento que está a investigar o caso, tem dúvidas, porque naquelas condições, o mar estaria a 18 graus e durante uma tempestade, Jacinta não teria sobrevivido três dias. Alguns médicos levantam, igualmente dúvidas ao publicado pela ONG, afirmando que o estado de choque em que a criança se encontrava a pode ter levado a alguma confusão temporal nas descrições dos acontecimentos e que seria impossível a criança ter sobrevivido três dias em alto mar durante uma tempestade e estar nas condições em que se encontrava. No máximo “teria sobrevivido 15 horas”, disseram à Rai.

Em resposta, o Compass Colective diz que as autoridades italianas “queriam uma descrição de como foi encontrada a menina e de como foi o momento do resgate” e que a ONG se limitou a relatar a história como ela foi contada por Jacinta.

A rota de migração entre o Norte de África e as costa maltesas e italiana é considerada das mais inseguras do mundo. O jornal The Guardian relata que mais de 24.300 pessoas desapareceram a tentar fazer esta travessia só na última década. Segundo as Nações Unidas, 63 mil migrantes chegaram a Itália através desta rota.

Em reação ao resgate de Jacinta, Nicola Dell Arciprete, diretora da Unicef Itália fez um apelo à proteção das crianças migrantes e refugiadas.