O governo ruandês disse hoje que o adiamento da cimeira tripartida de Luanda sobre a paz na República Democrática do Congo se deveu a “questões críticas por resolver” e acusou as autoridades congolesas de ameaças.
Num comunicado divulgado na rede social X, o ministério ruandês dos Negócios Estrangeiros e Cooperação Internacional sublinha que não foi alcançado um acordo entre os dois países na reunião ministerial em Luanda na véspera da cimeira tripartida, que deveria juntar os Presidentes do Ruanda, Paul Kagame, da República Democrática do Congo (RD Congo), Félix Tshisekedi e de Angola, João Lourenço, na qualidade de mediador do conflito.
A cimeira acabou por não acontecer já que apenas Tshisekedi compareceu este domingo em Luanda.
Em causa, segundo o comunicado do governo ruandês, estão conversações diretas com o grupo armado M23, alegadamente apoiado por Kigali, para alcançar uma solução política para o conflito no leste da RD Congo, ponto sobre o qual não houve consenso na reunião de sábado.
“Por isso, a cimeira não teria resultado num acordo, em particular num contexto de ameaças continuas por parte das autoridades congolesas, incluindo o Presidente, para alcançar uma mudança de regime no Ruanda, bem como da coligação de forças que atuam no Leste da RD Congo juntamente com as forças armadas congolesas, incluindo mercenários europeus, militares do Burundi, Wazalendo e as FDLR [milícias que combatem o M23]”, refere o comunicado.
A diplomacia ruandesa sublinha que “tem de haver ações sérias para lidar com as FDLR (Forças Democráticas para a Libertação do Ruanda] para além dos jogos que estão a ser jogados em torno deste problema.
Segundo o comunicado, o adiamento da cimeira permite tempo para o diálogo proposto pelo Presidente angolano João Lourenço (na qualidade de facilitador do processo de Luanda) e do ex-Presidente do Quénia Uhuru Kenyatta (na qualidade de facilitador do processo de Nairobi), entre o M23 e a RDCongo.
O governo ruandês destaca que existem ações que a RD Congo pode e deve tomar “sem usar continuamente o Ruanda como pretexto para não fazer nada” e que o Ruanda esta disponível para participar numa cimeira que adote “um caminho concreto e sério para resolver as questões pendentes de uma vez por todas”.
Em declarações aos jornalistas, o chefe da diplomacia angolana adiantou que o acordo apresentado por João Lourenço para negociação entre RDCongo e Ruanda está negociado “a 99%” e envolve três questões, a primeira das quais, relativa ao desengajamento das forças, a segunda sobre a neutralização das Forças Democráticas pela Libertação do Ruanda (FDLR) e a terceira sobre o M23, grupo armado que atua no leste da RD Congo e que Kinshasa diz ser apoiado por Kigali, que “tem sido objeto de divergência entre as partes”.
Segundo Téte Antonio o último parágrafo foi negociado a nível ministerial no sábado “até muito tarde”, não tendo sido possível chegar “a uma convergência de pontos de vista”.
A presidência congolesa responsabilizou os ruandeses pelo fracasso da cimeira, dizendo que a anulação se deveu à recusa da delegação ruandesa de participar no encontro que tem como objetivo acabar com as hostilidades no leste da RD Congo, “retirando as tropas do Ruanda das zonas congolesas”.
No mês passado, a RD Congo e o Ruanda tinham chegado a um acordo sobre um plano para neutralizar o grupo rebelde FDLR.
Trata-se de um passo fundamental no caminho para a paz no leste da RD Congo, onde operam dezenas de grupos rebeldes, já que o fim das FDLR é uma exigência do Governo ruandês, que colabora com o Movimento 23 de Março (M23), que está em conflito com o exército regular congolês.
Por sua vez, o Ruanda e o M23 acusam o exército congolês de cooperar com os rebeldes das FDLR, fundadas em 2000 por líderes do genocídio de 1994 e por outros ruandeses (hutus) exilados na RD Congo, para recuperar o poder político no seu país, colaboração também confirmada pela ONU.
A atividade armada do M23 foi reativada em 2022 após anos de relativa calma e, desde então, o grupo avançou em várias frentes para se posicionar perto da cidade de Goma, nas margens do lago Kivu, que ocupou durante dez dias em 2012.
Desde 1998, o leste da RD Congo está mergulhado num conflito alimentado por milícias rebeldes e pelo exército, apesar da presença da missão de paz da ONU no país.