O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) representa a cúpula do poder judicial em Portugal. Não só é a segunda instância de recurso em diversas jurisdições, como também zela pelo prestígio e a coerência da jurisprudência dos tribunais judiciais. Mas, no espaço de um ano, arrisca ficar sem juízes suficientes para cumprir a sua missão. Há 87,7% de juízes conselheiros que podem deixar o STJ no espaço de apenas um ano.
Segundo os dados oficiais avançados ao Observador pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM), o STJ tem atualmente em funções um total de 57 juízes conselheiros, repartidos pelas diferentes secções, num quadro global de 60 magistrados previstos.
Ou seja, há já um défice de 5% no preenchimento das vagas. Contudo, as jubilações já existentes, as que já foram pedidas e aquelas que estão na iminência de se materializarem vão agudizar consideravelmente o panorama do tribunal presidido pelo conselheiro João Cura Mariano.
Nove conselheiros já jubilados (mas a trabalhar). Mais nove que já pediram jubilação…
Neste momento, há já nove juízes conselheiros jubilados a trabalhar no Supremo, sendo que somente um está em efetividade de funções e incluído nas tabelas de distribuição de novos processos. Os outros oito estão apenas a concluir os processos que já tinham a seu cargo antes do pedido de jubilação.
A juntar a estes nove conselheiros jubilados há ainda outros nove magistrados do STJ “que já submeteram pedidos de jubilação com efeitos a 2025”, elevando assim para 18 conselheiros prestes a cessarem funções. Este peso traduz-se em cerca de 31,5% do lote atual de magistrados ou, dito de forma mais linear, praticamente um em cada três juízes conselheiros está de saída.
… e mais 32 conselheiros que poderão pedir a jubilação ao longo de 2025
No entanto, o CSM esclarece que o problema de permanência dos juízes conselheiros no STJ é bem maior. “Há ainda 32 juízes conselheiros que reunirão condições para pedir a jubilação ou aposentação ao longo do ano de 2025”, assegura fonte oficial do órgão de gestão da magistratura judicial.
Portanto, de acordo com o órgão de gestão e disciplina dos juízes, mais de metade do universo atual de conselheiros do STJ pode pedir para cessar funções e deixar a atividade na magistratura no próximo ano.
Somando os anteriores 18 conselheiros jubilados ou com pedido de jubilação apresentado com estes 32 juízes em condições de acederem à jubilação no próximo ano, chegamos a um total de 50 juízes conselheiros com saída à vista no espaço de apenas um ano.
Assim, há 87,7% de juízes conselheiros que podem deixar o STJ no espaço de apenas um ano. O que significa, do ponto de vista prático, nove em cada 10 magistrados.
Desembargadores também já estão prontos para a jubilação
A solução para estas saídas passa, inevitavelmente, pela ascensão de juízes desembargadores dos tribunais da Relação, procuradores-gerais adjuntos ou juristas de mérito que preencham os requisitos necessários para a graduação como conselheiros do STJ.
Contudo, nem este cenário irá resolver o problema, segundo os dados do CSM, a menos que existam alterações estruturais no modelo de acesso à mais alta instância judicial do país. Pelas mesmas razões.
“Deve ainda considerar-se que há 16 juízes desembargadores que estão graduados para preencher as vagas abertas e que reúnem, todos eles, condições para se jubilarem” em 2025, enfatiza fonte oficial do CSM.
Presidente do Supremo já analisou problema com Luís Montenegro
Os alertas sucedem-se há anos e foram repetidos pelo atual presidente do STJ (e presidente do CSM por inerência do cargo), João Cura Mariano, bem como pelo seu antecessor, Henrique Araújo.
Em entrevista ao Observador, Cura Mariano preconizou a descida da média de idade dos juízes à entrada para o Supremo, dos 65 para os 60 anos, com vista à manutenção dos conselheiros naquela instância por, pelo menos, cinco anos.
“As pessoas chegam aqui com a idade em que se podem reformar. Isto é, já houve pessoas que chegaram aqui e no próprio dia se reformaram. O que é que isso implica? Que as pessoas estão aqui muito pouco tempo ou então não têm o tempo suficiente para criarmos uma jurisprudência uniforme. Já não sei quem é que me disse uma vez que o Supremo Tribunal de Justiça se arriscava a ser uma fábrica de contradições, porque as pessoas acabavam por não trabalhar umas com as outras”, alertou.
Na mesma entrevista, Cura Mariano alertou que a reforma do acesso ao STJ “tem de ser feita de imediato”, acrescentando: “Foi outro dos assuntos que falei com o sr. primeiro-ministro [Luís Montenegro] e com a sra. ministra da Justiça [Rita Alarcão Júdice].”
Governo promete proposta para janeiro de 2025
O Ministério da Justiça assegurou ao Observador que “tem estado a trabalhar numa proposta de alteração” das regras de acesso ao STJ e que vai implicar mudanças no Estatuto dos Magistrados Judiciais e na Lei da Organização do Sistema Judiciário, prevendo a apresentação do diploma para janeiro.
“Os trabalhos encontram-se numa fase avançada, e a proposta deverá estar em condições de ser submetida ao procedimento legislativo do Governo já em janeiro do próximo ano. Uma vez que o projeto se materializa numa proposta de lei, após aprovação em Conselho de Ministros, será ainda remetido à Assembleia da República para a necessária discussão e aprovação”, indicou fonte oficial do Ministério da Justiça.
Ministra da Justiça alarga recrutamento de magistrados e anuncia mais 60 vagas
O gabinete do Ministério tutelado por Rita Alarcão Júdice reiterou o objetivo de “rejuvenescimento do corpo de juízes conselheiros” e explicou que a solução passa, essencialmente por uma “ampliação do universo dos concorrentes necessários no concurso de acesso ao STJ, viabilizando-o a magistrados mais jovens”.
Por outro lado, o Ministério da Justiça esclareceu que eventuais mexidas nas regras de admissão de recursos para o STJ, como Cura Mariano defendeu com vista à sua redução, vão, por agora, ficar de fora da proposta do Governo. “As alterações não estão contempladas neste projeto, que se pretende aprovar no curto prazo, encontrando-se a questão em análise para uma possível alteração futura”, acrescentou o gabinete da ministra.
Supremo e Conselho Superior da Magistratura unem esforços por alteração
O Conselho Superior da Magistratura e o Supremo Tribunal de Justiça avançaram em conjunto para tentar encontrar respostas para este problema.
Fonte oficial do Conselho Superior de Magistratura adiantou ao Observador que o organismo “tem acompanhado esta questão com atenção e preocupação” e que o presidente do STJ e CSM, João Cura Mariano, submeteu uma proposta de alteração ao Estatuto dos Magistrados Judiciais “para reduzir a elevada rotatividade” nesta instância.
“Esta proposta prevê o chamamento ao concurso curricular de acesso a juízes desembargadores mais jovens, procurando reduzir a média de idades dos juízes conselheiros e prolongar o tempo de serviço no STJ. Adicionalmente, o CSM defende o reforço do quadro de assessoria por profissionais não juízes, assegurando uma abordagem mais abrangente nos processos”, referiu o CSM, esclarecendo não ter recebido ainda o texto de proposta de alteração por parte do Ministério da Justiça.