Os resultados dos últimos 10 anos da privatização da ANA, concretizada em 2013, foram “bons para a empresa concessionária e os seus acionistas” (o grupo Vinci), mas também para o “tráfego aéreo e de passageiros” e para o “país e a coesão territorial”, defende Vítor Gaspar. Numa resposta enviada à comissão de economia e obras públicas, o ex-ministro das Finanças, que foi o principal responsável político pela venda da concessionária dos aeroportos, considera que a operação beneficiou o turismo, a atividade económica e o emprego, tendo gerado “receitas acrescidas de impostos diretos e indiretos”.
Nas respostas dadas a perguntas do grupo parlamentar do PS, o ex-ministro do Governo de Passos Coelho defende sobretudo o resultado financeiro para o Estado no período em que a operação foi feita quando estava em vigor o memorando da troika. Vítor Gaspar indica que o encaixe obtido — mais de três mil milhões de euros brutos —excedeu as melhores expectativas e “contribuiu de forma muito significativa para a redução da dívida pública e dos hiatos de financiamento do setor público”.
Mais. Vítor Gaspar assume que houve uma opção de adiamento da partilha de lucros com o Estado em favor do encaixe no curto prazo. “A nossa convicção era de que a taxa de desconto dos investidores privados era demasiado elevada. O adiamento da partilha de lucros permitiu nessas condições maximizar o encaixe, ao mesmo tempo que, no longo prazo, a partilha de resultados (entre a ANA e o Estado) estava assegurada. E o longo prazo chega: neste caso é já para o ano”.
Para o antigo ministro, o contexto em que foi realizada a venda é “relevante”. O encaixe desta operação “constituía uma importante fonte de liquidez num momento de extrema necessidade financeira. O valor da liquidez em tais circunstâncias é muito superior à atribuída em períodos de tranquilidade dos mercados”, comentou a propósito do calendário da operação.
A prioridade dada ao encaixe já tinha sido assumida pelo ex-secretário de Estado, Sérgio Monteiro, quando foi ouvido na mesma comissão parlamentar em setembro.
As explicações do agora diretor do departamento de finanças públicas do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre a venda da ANA surgem no contexto de uma iniciativa do PCP que tentou, sem sucesso, criar uma comissão parlamentar de inquérito depois de conhecida uma auditoria do Tribunal de Contas que questionou os resultados da transação. O contrato de concessão dos aeroportos com a empresa detida pelo grupo francês Vinci também está na agenda política por causa da decisão de construção do novo aeroporto e das negociações entre a concessionária e o Estado sobre o financiamento e o projeto, tendo a ANA entregue o primeiro relatório ao Governo esta semana.
Vítor Gaspar foi questionado sobre a opção de dar (por 50 anos) à Vinci o monopólio da rede aeroportuária, incluindo o futuro aeroporto de Lisboa, e se foi avaliado o impacto dessa opção na concorrência e no interesse público.
Agradecendo “em especial” a pergunta, o ex-ministro das Finanças diz que o modelo regulamentar “procurou alinhar os interesses da gestão privada com o interesse público”. Destacando que os aeroportos têm sempre um “elemento de monopólio”, Gaspar cita um trabalho com quase 100 anos de um matemático para justificar que é a essa a realidade de monopólio que serve de base à necessidade de regulação e regulamentação.
Argumenta que o encaixe até seria maior se o Governo do qual fez parte tivesse privatizado apenas o aeroporto de Lisboa. Nesse caso, a concorrência dos outros aeroportos não chegaria para contrariar as vantagens competitivas que Lisboa teria da ligação a uma rede de infraestruturas internacionais, daí a abordagem de privatizar todos os aeroportos de forma a “equilibrar a competitividade global com a coesão social e territorial”, uma aposta que, afirma, se “revelou extremamente vantajosa para o país”, dado o forte crescimento do número de passageiros e “a repartição equilibrada” pelo conjunto dos aeroportos.
O antigo ministro das Finanças defende também o modelo de regulação que tem conduzido a “aumentos significativos” — expressão do PS — das taxas aeroportuárias sem intervenção do regulador. E contrapõe que a regulação parece ter sido bem sucedida, o que fundamenta com o “aumento substancial quer do volume de passageiros, quer da oferta de destinos. Parece difícil refutar que a evolução foi positiva para passageiros e companhias aéreas”.
Sobre a ausência de cláusulas penalizadoras da concessionária que dariam ao Estado o direito de intervir em casos de incumprimento, Vítor Gaspar diz que foram seguidos os princípios da regulação europeia e que se “procurou alinhar os interesses privados com os interesses públicos através do desenho de um sistema de incentivos”. E volta a apontar os resultados acumulados dos últimos dez anos que a seu ver “comprovam cabalmente a validade da opção tomada”.
O inquérito parlamentar à venda da ANA não avançou — PS e PSD foram contra — mas foram aprovadas uma série de audições a ex-governantes, incluindo antigos ministros e até primeiros-ministros, sobre o tema. E algumas destas audições na comissão de economia e obras públicas, a pedido dos visados, foram substituídas por respostas escritas. Vítor Gaspar foi o primeiro a responder, sendo que apenas o grupo parlamentar do PS colocou questões. Maria Luís Albuquerque, que à data da privatização era secretária de Estado do Tesouro, também optou por dar respostas por escrito. O mesmo fez o ex-ministro socialista das Infraestruturas, João Galamba.