Realizado nos EUA pela atriz e cineasta holandesa Halina Reijn (autora do curioso Instinto, e de um medíocre filme de terror para a geração do TikTok, Corpos, Corpos, Corpos), Babygirl começa e acaba com dois grandes planos da personagem interpretada por Nicole Kidman a ter um orgasmo. Entre estes dois momentos de êxtase sexual que balizam o filme, decorrem quase duas horas de um dos piores, mais frouxos e presunçosos thrillers pseudo-eróticos de que temos memória, que quase nos dá vontade de reavaliar a filmografia de um Zalman King, e de considerar Adrian Lyne como um auteur dentro deste subgénero.
[Veja o “trailer” de “Babygirl”:]
Kidman dá corpo a Romy, uma mulher que parece ter tudo e estar realizada em todos os aspetos: profissional, familiar e íntimo. Manda numa empresa de robótica inovadora, lucrativa e valiosa, é casada com um famoso encenador de teatro, Jacob (Antonio Banderas), tem duas filhas, vive num enorme apartamento em Manhattan e possui uma belíssima casa de férias numa propriedade no Connecticut. O que ninguém sabe é que Romy precisa de pornografia para a satisfação sexual que não consegue ter com o marido, e mais do que isso é, secretamente, uma submissa sadomasoquista. Para ela, o grande afrodisíaco não é o poder, mas sim o ser mandada e humilhada.
[Veja uma entrevista com a realizadora, Halina Reijn, Nicole Kidman e Harris Dickinson:]
Entra então em cena Samuel (Harris Dickinson), um dos novos estagiários da empresa de Romy, que percebe rapidamente que esta “gosta que lhe deem ordens”. Cedo o casal tem um encontro num quarto de hotel, e Romy passa a cumprir todas as ordens de Samuel, o que inclui, por exemplo, pôr-se de quatro no chão e beber leite de um pires. Este é apenas um de vários momentos involuntariamente risíveis da fita, que se quer “erótica” mas é tão excitante quanto ver tinta a secar, e que pretende apresentar-se como “transgressora” (Samuel é muito mais novo que Romy e hierarquicamente seu inferior), mas que pouco mais faz que violar as regras dos Recursos Humanos da empresa.
[Veja uma sequência do filme:]
Tudo em Babygirl soa tão falso como os orgasmos da protagonista, parece postiço, sabe a forçado ou é claramente inverosímil. A começar na relação entre Romy e Samuel, que cai do céu aos trambolhões sem que a realizadora consiga sequer convencer-nos da química especial ou da identificação libidinosa que existe entre eles, ou de como é que ele “adivinha” as preferências sexuais dela, e a acabar na conclusão “positiva” para Romy, cuja experiência, em vez de a destruir, torna-a mais confiante e mais forte, e reconstitui a ordem em seu redor; passando pela escassa ou nula perigosidade das situações em que eles se envolvem durante os seus jogos de mando e obediência, que até procuram racionalizar e codificar – o que retira risco, “picante” e imprevisibilidade à relação.
Halina Reijn pensa que é escabrosa mas não consegue mais do que ser soft; julga ser ousada quando está a jogar pelo seguro com maquilhagem de arrojo; em vez de indispor ou chocar o espectador, fá-lo ou rir, ou olhar para o relógio; não é capaz de levantar fervura de tensão, suspense ou incómodo, e usa e abusa da câmara ambulante. Harris Dickinson é um Samuel apenas sensaborão e insolente, nunca tórrido e ameaçador, Antonio Banderas anda a apanhar bonés e Nicole Kidman (premiada no Festival de Veneza por este papel) poderá pensar que foi muito corajosa por personificar uma mulher sexualmente desviante e “complexa” como Romy. Mas deu um passo em falso. Se Babygirl é tão erótico como um duche frio, Kidman demonstra toda a audácia do trapezista que faz o seu número a poucos metros do chão e com uma rede por baixo.
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