O coletivo de juízas do Juízo Central Criminal de Lisboa que terá a seu cargo o julgamento do processo Operação Marquês já está em regime de exclusividade para se dedicar unicamente a este caso.
A exclusividade das juízas Susana Seca (presidente), Rita Seabra e Alexandra Pereira (adjuntas) foi confirmada por fonte oficial do Conselho Superior da Magistratura (CSM) ao Observador, adiantando que o plenário do organismo “já determinou a suspensão total da distribuição de processos aos três membros do coletivo designado para este julgamento”.
A decisão do plenário segue o parecer dado também nesse sentido pela Comarca de Lisboa.
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A data para o início do julgamento do ex-primeiro-ministro José Sócrates e dos restantes 21 arguidos pela alegada prática de 118 crimes, na sequência da descida em dezembro dos autos para execução da pronúncia do Tribunal da Relação de Lisboa de 25 de janeiro de 2024, ainda não foi definida.
Primeiro, o coletivo presidido pela magistrada Susana Seca deverá estabelecer o prazo para as defesas dos arguidos apresentarem as respetivas contestações e só então definirá uma data para o arranque das sessões.
As defesas dos arguidos (18 arguidos individuais e quatro arguidos coletivos) têm normalmente um prazo de 60 dias para apresentarem as respetivas contestações. Contudo, face à complexidade e à dimensão dos autos, é possível que os advogados tentem prorrogar esse prazo e que o coletivo de juízas aceda a esse pedido, podendo conceder 90 ou mesmo 120 dias para essa situação — que foi o prazo que o juiz Ivo Rosa deu para a apresentação dos requerimentos de abertura de instrução.
Julgamento de Sócrates deve começar até junho — no máximo, setembro. Algo o pode ainda adiar?
Tal como o Observador já adiantou, é difícil estabelecer um prazo para o julgamento começar efetivamente, sendo que uma previsão conservadora apontará sempre para uma data entre março e setembro, sendo mais provável que as primeiras sessões do julgamento se iniciem até junho. Caso existam mais obstáculos, o julgamento só deverá começar depois das férias judiciais, em setembro.
Contudo, o coletivo já dispõe de um apoio importante para o desenvolvimento dos trabalhos do julgamento, com a digitalização das provas pela estrutura de Apoio Logístico à Tramitação de Elevada Complexidade (ALTEC). Esta unidade foi criada pelo CSM em dezembro de 2023, no seio do Grupo de Apoio à Tramitação Eletrónica de Processos (GATEP), e esteve envolvida, por exemplo, na preparação do julgamento do processo principal do Universo Espírito Santo — o Caso BES.
“A equipa ALTEC já concluiu a digitalização de todos os elementos relevantes para a prova a apreciar em julgamento”, esclareceu a mesma fonte.
Julgamento ainda sem local definido
Igualmente por definir continua a localização daquele que será o julgamento mais importante da história da democracia portuguesa, no qual um ex-primeiro-ministro é o principal arguido do processo e responde por crimes praticados ainda durante o período em que exerceu funções na chefia do governo. A tese da acusação indica mesmo que José Sócrates terá sido alegadamente corrompido desde o primeiro dia em que entrou na residência oficial de São Bento.
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Ao que o Observador apurou, ainda decorrem conversações entre a Direção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ), o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ) e a Comarca de Lisboa sobre as visitas técnicas ao Tribunal de Monsanto e ao Campus da Justiça.
“O Conselho acompanha a situação em articulação com as entidades responsáveis, mas não dispõe, neste momento, de informações concretas sobre este tema”, frisou o organismo de gestão e disciplina dos juízes.
Por um lado, o tribunal de Monsanto foi apontado pela Comarca de Lisboa como a melhor opção para um julgamento da dimensão de um processo como a Operação Marquês, numa altura em que o Campus da Justiça já acumula a realização de julgamentos de alguns grandes processos, com o Caso BES à cabeça. Todavia, essa será uma solução que deverá acarretar a realização de obras, conforme já reconheceu em dezembro passado o CSM.
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Por outro lado, o Ministério da Justiça já deixou transparecer a sua preferência pelo Campus da Justiça e assegura que “nada foi pedido” pela Comarca de Lisboa à DGAJ. “Não foi reportado nenhum problema de falta de sala e a DGAJ assegura que não será por falta de sala que não se faz o julgamento. Há salas no Campus da Justiça que servem para o julgamento”, referiu fonte do Ministério da Justiça ao Observador.
A disponibilidade de salas do Campus da Justiça será avaliada in loco “em visitas técnicas a decorrer muito brevemente”, sendo que este processo está a ser tratado pessoalmente pela nova diretora da DGAJ, Filipa Caldas.
“Seria inadmissível haver obstáculos logísticos para a realização de qualquer julgamento, incluindo este”, acrescentou a mesma fonte.
Plenário adia discussão sobre pedido de Sócrates
A criação, em novembro, pelo CSM de um grupo de trabalho com três elementos para acompanhar de forma próxima a tramitação da Operação Marquês, avançada em primeira mão pelo Observador, foi colocada em causa por José Sócrates.
O antigo governante contestou há cerca de um mês a legalidade da decisão e descreveu-a como “um descarado abuso de poder“, anunciando então a apresentação de um recurso para o plenário do organismo.
“Esta decisão tem uma óbvia motivação política: o grupo de trabalho representa a fratura exposta de uma sistema judicial que está politicamente viciado. Esta semana mesmo entreguei um recurso para o plenário; é o primeiro passo para impugnar esta decisão. Quero conhecer a opinião de todos os membros do Conselho; obtida a resposta, estudaremos os próximos passos”, referiu Sócrates, no dia 7 de dezembro, numa conferência de imprensa realizada num hotel da Ericeira.
No entanto, o plenário do CSM realizado na terça-feira adiou para fevereiro uma decisão sobre esta matéria: “O CSM confirma que este ponto foi adiado e será apreciado no próximo plenário“.
Recurso do primo de Sócrates ainda está por subir ao STJ
O recurso de José Paulo Pinto de Sousa, primo de José Sócrates, já foi admitido há um mês pelo juiz desembargador Francisco Henriques, do Tribunal da Relação de Lisboa, para subir ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), com efeito devolutivo e separado dos autos do processo principal. Todavia, um mês depois, o recurso “não subiu ainda”, segundo revelou fonte oficial do STJ.
Ao que o Observador apurou, a explicação reside na resposta do Ministério Público ao recurso de José Paulo Pinto de Sousa. O procurador-geral adjunto na Relação de Lisboa tinha um prazo de 30 dias para tomar uma posição sobre o recurso. Devido às férias judiciais do natal, a resposta só deu entrada esta quarta-feira nos autos — mesmo assim, mais de uma semana antes do final do prazo.
Em causa neste recurso está a composição do coletivo da 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa que apreciou o recurso do Ministério Público sobre a não pronúncia decidida em abril de 2021 pelo juiz Ivo Rosa e decidiu dar razão a boa parte dos argumentos dos procuradores Rosário Teixeira e Vítor Pinto, em janeiro de 2024.
O advogado do primo de Sócrates, João Costa Andrade, alega ainda que José Paulo Pinto de Sousa tinha de ser notificado pessoalmente da decisão de pronúncia da Relação de Lisboa de 25 de janeiro e não foi. Logo, existe uma nulidade que tem de ser reconhecida, na ótica de Costa Andrade.
Julgamento de Sócrates deve começar até junho — no máximo, setembro. Algo o pode ainda adiar?
José Sócrates, de 67 anos e primeiro-ministro entre 2005 a 2011, responde no processo principal da Operação Marquês por 22 crimes: três de corrupção, seis de fraude fiscal e 13 de branqueamento de capitais.
A acusação elaborada pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) do Ministério Público para a Operação Marquês já foi conhecida em outubro de 2017 e a decisão instrutória foi proferida pelo então juiz de instrução Ivo Rosa em abril de 2021. Quase 12 anos depois da abertura do inquérito, em julho de 2013, o processo chegará finalmente a julgamento em 2025.
Acrescentada informação às 20h46 sobre a resposta do Ministério Público ao recurso de José Paulo Pinto de Sousa.