O juiz relator do acórdão do Tribunal Constitucional (TC) sobre o Orçamento do Estado (OE) desde ano é o mesmo juiz que escreveu o acórdão até hoje mais duro para Passos Coelho, Carlos Cadilha – apurou o Observador junto de várias fontes. A escolha do relator é, habitualmente, indicativa da tendência de voto que existe sobre um assunto em análise no TC: na primeira ronda de apreciação, fica como redator um dos juízes que ‘votou’ com a maioria.

Este magistrado de carreira foi o autor do texto que, em abril de 2013, provocou um rombo de cerca de 1.326 milhões de euros, ao chumbar, com base na violação do princípio da igualdade, o corte de parte ou totalidade do subsídio de férias dos funcionários públicos e reformados (entre outras medidas). O Governo criticou, nessa altura, de forma vigorosa a decisão do TC e a resposta acabou por ser o “enorme aumento de impostos” de Vítor Gaspar, que abalou os portugueses mas também o líder do segundo partido da coligação, Paulo Portas, provocando a maior crise política de sempre no seio do Executivo.

Nesse acórdão, Carlos Cadilha, que foi indicado pelo PS para o TC a 4 de Abril de 2007, faz uma série de considerações sobre o período de excecionalidade do país e o corte dos salários. Esta é precisamente a matéria que volta agora a ser apreciada no Palácio Ratton e que faz tremer o Governo dado o seu impacto nas contas deste ano (1.700 milhões de euros). Diz o juiz que “uma redução dos salários do setor público, a pretexto da excecionalidade da situação económica, devia ser acompanhada de soluções alternativas de redução da despesa pública”. Cadilha considerava que não era admissível que este corte fosse, pela segunda vez, a grande opção com “efeitos seguros e imediatos na redução do défice para garantir a prossecução do objetivo traçado”.

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“O decurso do tempo implica um acréscimo de exigência ao legislador no sentido de encontrar alternativas que evitem que, com o prolongamento, o tratamento diferenciado se torne claramente excessivo para quem o suporta, e exige ao legislador um ónus de fundamentação em termos de valores previsíveis para as diversas alternativas possíveis de aumento de receita ou redução de despesa”.

Além dos argumentos jurídicos, aquele texto deixa claro o pensamento do relator acerca do esforço do Governo de Passos Coelho sobre como cortar a despesa pública, invocando também o aumento dos impostos ou, como se lê, “um forte agravamento fiscal aplicável generalizadamente aos rendimentos do trabalho”.

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A ter em conta aquilo que foi escrito e se o entendimento seguido for decalcado daquele acórdão, o Governo, que há dias se congratulou pela saída limpa do resgate da troika, tem razões para se preocupar. “Quando entramos no terceiro exercício orçamental consecutivo, que visa dar cumprimento ao programa de assistência financeira, o argumento da eficácia imediata das medidas de suspensão de subsídio não tem agora consistência valorativa suficiente para justificar o agravamento dos níveis remuneratórios dos sujeitos que auferem por verbas públicas”, dizia o acórdão de 2013. Este acórdão de Cadilha teve nove declarações de voto (de juízes que discordaram das inconstitucionalidades apontadas ou que discordaram dos fundamentos invocados).

 

Cadilha queria mais chumbos

Em Setembro do ano passado, com novo chumbo do TC, desta vez a alterações ao Código do Trabalho, Cadilha, de 66 anos, apresentou uma declaração de voto individual sustentando que havia mais normas inconstitucionais no Código do Trabalho do que aquelas que foram, por maioria, detetadas, argumentando com “a regra da irredutabilidade dos direitos adquiridos”.

Ao longo dos cinco acórdãos que o TC produziu sobre medidas do Governo (dezenas de alterações se se somar cada um dos diplomas), Cadilha só não se opôs a um número reduzido de cortes do Governo, como a Contribuição Extraordinária de Solidariedade, redução de escalões de IRS, deduções à coleta e sobretaxa de IRS e os cortes salariais no Estado de 5% – que vêm desde o último ano do Governo de Sócrates.

Natural de Viana do Castelo, estudou Direito em Coimbra e ingressou no Ministério Público logo que acabou o curso. Já passou pelo Supremo Tribunal Administrativo e pelo Supremo Tribunal de Justiça. Dada a idade, é natural que se reforme quando terminar funções no TC.