A Caixa Geral de Depósitos (CGD) tem estado no centro de várias polémicas nos últimos anos, sobrevivendo entre nomeações controversas, acusações de governamentalização e discussões em torno da privatização no período de resgate financeiro.

Criado em 1876, no reinado de D. Luís, o banco público tem uma história longa e que não tem sido imune a polémicas, nos últimos anos muitas vezes relacionadas com nomeações para a sua administração.

Em 2004, era presidente do banco António de Sousa (antigo governador do Banco de Portugal e secretário de Estado das Finanças de Cavaco Silva), nomeado pelo governo socialista de António Guterres, quando foi para a administração Luís Mira Amaral (ex-ministro de Cavaco Silva), vindo do BPI, o que provocou problemas na estrutura de comando do banco.

António de Sousa fica na presidência do Conselho de Administração e Mira Amaral, escolhido pela ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite, na liderança executiva. Mas os dois não se entendem e o modelo bicéfalo de gestão do banco termina passado poucos meses, em setembro.

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Para acabar com o conflito, o governo, já liderado por Santana Lopes, intervém e o novo ministro das Finanças, Bagão Félix, escolhe para presidente da CGD Victor Martins, ex-secretário de Estado dos Assuntos Europeus de Cavaco Silva, substituindo António de Sousa e Mira Amaral. A CGD passa assim a ter um único presidente, que acumula também as funções executivas. Então surgiu na imprensa uma polémica relacionada com a pensão que Mira Amaral iria receber, apesar dos poucos meses na administração do banco.

Em setembro de 2004, provoca controvérsia a ida da ex-ministra da Justiça e então deputada do CSD-PP, Celeste Cardona, para administradora não executiva da CGD.

Em 2005, já com o governo PS de José Sócrates no poder, a presidência da CGD é assumida por Carlos Santos Ferreira, numa administração que integra Armando Vara, que tinha pertencido ao executivo de António Guterres. A polémica não demorou a espoletar, tendo sido recordado que a única experiência de Vara na banca era como trabalhador de um balcão da agência da CGD em Mogadouro.

No início de 2008, Santos Ferreira sai da CGD e, numa mudança polémica, vai para o BCP. Uns anos depois, no âmbito de processos em tribunal, a defesa do fundador do BCP, Jardim Gonçalves, consideraria que o que então aconteceu foi um “assalto do poder” no banco, através de dois “comissários políticos”: Santos Ferreira e Armando Vara.

Quanto à CGD, a presidência do banco público é então assumida por Fernando Faria de Oliveira, que era anteriormente vice-presidente da administração de Santos Ferreira e que já tinha sido ministro do Comércio e Turismo de governos de Cavaco Silva.

Em 2011, com o governo PSD/CDS-PP, volta a liderança bicéfala à CGD, ficando Faria de Oliveira como presidente do Conselho de Administração (não executivo, ‘chairman’) e José de Matos, uma figura então praticamente desconhecida vinda do Banco de Portugal, como presidente executivo. Mas o então primeiro-ministro, Passos Coelho, não se livra de algumas críticas dos partidos da esquerda sobre a “partidarização” do banco público devido a nomeações de vogais ligados aos partidos do governo, nomeadamente Nuno Fernandes Thomaz e António Nogueira Leite, o que o chefe de Governo rejeitou totalmente, afirmando não existir no país qualquer nomeação que o executivo tenha feito “em razão de cartões partidários”.

Em 2013, Faria de Oliveira sai do banco público (passando a estar em exclusivo na presidência da Associação Portuguesa de Bancos) e o professor universitário Álvaro do Nascimento sobe de vogal a presidente do Conselho de Administração, mantendo-se José de Matos como presidente executivo, ainda que sendo conhecido que na última fase do governo de Passos Coelho as relações entre a administração do banco e o executivo não foram as melhores.

Apesar de desde cedo também se saber que o governo socialista de António Costa queria mudar a administração da CGD e de o mandato da equipa de José de Matos ter terminado no final de 2015, a equipa ficou no banco até final de agosto, apesar do desconforto evidente com essa situação, enquanto era esperada ‘luz verde’ do Banco Central Europeu à nova gestão, liderada por António Domingues.

Este fim de semana, a história do banco público teve mais um capítulo, com o anúncio por parte do Governo da renúncia ao cargo de presidente do Conselho de Administração apresentada por António Domingues, devido à polémica relacionada com a recusa em entregar declarações de rendimentos e património no Tribunal Constitucional. António Domingues, que assumiu a presidência da CGD em 31 de agosto, ficará no banco até ao final do ano, naquela que será provavelmente uma das lideranças mais breves de sempre.

A discussão da privatização e a comissão de inquérito

A importância da CGD em Portugal e, em especial, no sistema financeiro — em que é o principal banco –, motivou nos anos do último resgate financeiro a Portugal, entre 2011 e 2014, uma intensa discussão sobre a sua eventual privatização, ainda que parcial. Mas o tema foi um ‘tabu’. Essa intenção foi sempre rejeitada publicamente pelo governo, apesar de entretanto já se ter sabido que o assunto foi abordado pelas instituições da ‘troika’ (Comissão Europeia, Fundo Monetário Internacional e Banco Central Europeu) em conversas com as autoridades portuguesas.

O banco motivou ainda este ano uma comissão de inquérito no parlamento para avaliar a gestão entre 2000 e 2015, período durante o qual passaram pela administração António de Sousa, Luís Mira Amaral, Vítor Martins, Carlos Santos Ferreira, Armando Vara, Fernando Faria de Oliveira e José de Matos. Os trabalhos estão de momento suspensos, depois de a assembleia da República ter recorrido ao Tribunal da Relação para garantir a entrega de documentação por parte do banco público e do Banco de Portugal, que alegam que essa informação é sensível.

Depois de anos de elevados lucros, desde 2011 que a CGD apresenta consecutivamente prejuízos. Nos primeiros nove meses deste ano, teve resultados negativos de 189,3 milhões de euros. Nos últimos anos, o banco tem estado num processo de reestruturação, com emagrecimento a estrutura e saídas de centenas trabalhadores, que vai continuar.