– Era o tabaco do costume, se faz favor.

– Aqui está. Tenho uma má notícia para lhe dar: a loja encerra no final do mês.

– Vão de férias? Boas vidas…

– Antes fosse isso. O prédio vai entrar em obras e vamos fechar para sempre.

– Está a brincar comigo?

– Não, vai ser transformado em habitação de luxo. Os andares até já estão à venda.”

O diálogo aconteceu ao final da tarde da última quinta-feira, entre um cliente habitual e uma funcionária da Tabacaria Martins, de portas abertas desde 1872 no número 4 do Largo do Calhariz, em Lisboa. Umas horas antes, o jornal O Corvo publicara uma notícia dando conta do encerramento permanente da loja no final do janeiro e não faltava quem, ao balcão da dita, quisesse discutir o assunto. “Estão a estragar esta cidade. O meu senhorio fez-me o mesmo: tenho 60% de invalidez, pago 600 euros de renda por um apartamento em Santa Catarina e não me quiseram renovar o contrato para transformar em turismo de habitação”, queixava-se uma cliente. “Qualquer dia os turistas vêm a Lisboa para ver turistas”, vaticinava outro.

Nas redes sociais, a indignação afinava pelo mesmo diapasão. Compreende-se, a Martins é uma das raríssimas tabacarias clássicas da capital: conserva os anúncios de “Loterias e Jornaes” ou “Tabacos Nacionaes” gravados na fachada, tem o interior totalmente revestido a madeira e é muito frequentada por uma clientela fiel, adepta do serviço de proximidade, que inclui a reserva de revistas e jogo certo. Além disso, consta entre os 63 estabelecimentos do programa municipal “Lojas com História”, o que levou, de imediato, muita gente a questionar a sua eficácia ou, até, razão de ser.

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A Tabacaria Martins reserva as revistas de vários clientes e informa-os por e-mail da sua chegada (foto: © Tiago Pais / Observador)

No entanto, passadas 24h do alarme inicial, e já com a distribuição de folhetos à porta onde se lia o apelo “Não à expulsão e fecho da Tabacaria Martins!”, houve novos e importantes desenvolvimentos. Esta “Loja com História” pode, afinal, não passar à história. “Não estava preparada para o poder das redes sociais. Isto evoluiu de um problema entre senhorio e inquilino para um problema político” refere Ana Martins, a neta do fundador da loja, que assumiu o negócio da família há 15 anos. Minutos antes, recebera a visita de um representante dos proprietários do prédio — adquirido no verão passado por um fundo imobiliário — que lhe transmitira um súbito e inesperado interesse em manter a Martins a funcionar. “Disse-me que a loja, afinal, é para ficar. Que eu esteja tranquila e que para a semana iniciamos conversas para saber como vai ser.” Uma mudança brusca de intenções, tendo em conta todos os contactos mantidos desde o verão: “Assim que soube que o prédio foi comprado entrei em contacto com os novos proprietários, mas disseram-me logo que o contrato não era para renovar, que não estavam interessados em manter a loja”, afirma Ana.

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Para os adeptos das famosas agendas Moleskine, estas são ótimas notícias: a Martins vende-as a um preço mais acessível que noutros locais da cidade.
(foto: © Tiago Pais / Observador)

Duarte Cordeiro, vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa e responsável pelos pelouro das Estruturas de Proximidade, Higiene Urbana e Economia e Inovação, reconhece uma intervenção direta neste caso, em que, refere, a autarquia terá desempenhado o papel de mediador: “Havia desconhecimento do parte do proprietário do enquadramento desta loja. A partir do momento em que se apercebeu decidiu mudar a sua posição.” Cordeiro aproveita, também, para explicar a utilidade do programa “Lojas com História”: “Este programa permitiu criar linhas de apoio e identificar com critério uma série de lojas que possam ser abrangidas pela alteração à Lei das Rendas que está a ser discutida no Parlamento e que vai permitir protege-las da caducidade dos contratos.” Reconhece, contudo, o autarca, que “a proteção às lojas só se conseguirá quando a alteração da lei for efetiva.”, defendendo ainda a atuação da Câmara Municipal de Lisboa no que respeita ao licenciamento do projeto: “O projeto tem um ano e meio e o licenciamento inclui as três lojas que lá estão atualmente, estando especificado que uma delas é a tabacaria. Mas nós só podemos garantir a manutenção do espaço, não podemos garantir os contratos.”

*Artigo atualizado às 16h34 com uma correção relativa ao papel desempenahdo pela Câmara Municipal de Lisboa neste caso