A recusa em pagar a contribuição extraordinária sobre a energia é uma escalada na guerra de palavras que tem oposto a Galp e o ministro do Ambiente, Jorge Moreira da Silva, mas as relações já eram, antes disso, tensas e pontuadas por vários conflitos. O que está em causa bate sempre nos mesmos pontos: o Governo quer convencer ou obrigar a companhia a pagar mais ao Estado e, ao mesmo tempo, a cobrar menos aos consumidores.
Dificilmente um ministro com a fama de ambientalista poderia ter uma relação harmoniosa com uma companhia petrolífera. Mas a chegada de Jorge Moreira da Silva à pasta da Energia e Ambiente, promovida a ministério, acabou por dar uma maior projeção a conflitos que já existiam, mas que estavam confinados a uma secretaria de Estado, da Energia, ocupada por Artur Trindade. Na nova pasta, o discurso contra as rendas excessivas da eletricidade, popularizado na era da troika, deixou de estar centrado na EDP e alastrou a toda a energia, apanhando a Galp.
A contribuição que passou de elétrica a energética
O primeiro passo foi a extensão da contribuição sobre o setor da energia, inicialmente anunciada apenas para setor elétrico, aos ativos de gás e petróleo. A medida permitiu aliviar a fatura sobre a EDP, penalizando a REN (Redes Energéticas Nacionais) e a Galp. Desde logo, as duas empresas admitiram questionar a legalidade da medida, enquanto a elétrica liderada por António Mexia deixava os protestos para os acionistas chineses.
O presidente da Galp, Manuel Ferreira da Oliveira, ficou especialmente irritado com a aplicação da taxa ao setor refinador. Puxando dos galões de maior exportador nacional, a Galp sublinhou que realizou um mega investimento na refinaria que tem sido difícil de rentabilizar pela queda do consumo em Portugal e pela descida das margens internacionais. A refinaria está exposta à concorrência internacional. Se pagar uma taxa fica menos competitivo. E no primeiro semestre uma paragem para manutenção da refinaria de Sines mostra a força do argumento. A economia que estava a crescer trava por causa da queda das exportações de combustíveis.
A empresa argumenta ainda que a troika nunca falou em rendas excessivas nos combustíveis e pergunta: porque deverá ser a Galp a pagar o défice tarifário criado no setor elétrico? Na verdade apenas um terço da receita com esta contribuição irá beneficiar os clientes de eletricidade. O grosso, 100 milhões de euros, ira engrossar as receitas fiscais do Estado.
O Governo realça a necessidade de partilhar os sacrifícios orçamentais com as grandes empresas. E os lucros mais avultados estão no setor da energia. Mas a taxa que deveria ser uma medida extraordinária para 2014, acabou por ser estendida ao ano seguinte. Os 150 milhões passaram a 300 milhões de euros.
Terá sido o prolongamento da contribuição para 2015, que levou a Galp a endurecer a oposição e avançar com a impugnação da contribuição. Primeiro recusando fazer a liquidação voluntária nas empresas de gás, na refinação o prazo só termina em dezembro, e depois preparando-se para a contestar em tribunal. Em causa estão 70 milhões de euros em dois anos, com base num impacto estimado pela própria empresa de 35 milhões de euros anuais. Entre os acionistas da Galp encontra-se Américo Amorim e, indiretamente, a Sonangol e Isabel dos Santos.
Com um discurso menos duro, a REN (Redes Energéticas Nacionais) foi a primeira empresa a desafiar o Governo, anunciando ao mercado que não tinha feito a liquidação da taxa. Em causa estão 25 milhões de euros, que passam a 50 milhões de euros, com dois anos de taxa. A empresa liderada por Rui Vilar deixou de ter capital público em junho deste ano, depois de uma última fase de privatização que foi já afetada pelo anúncio da taxa. A gestora de redes está sob alta pressão para garantir a remuneração dos seus ativos e é, em termos relativos, a mais afetada pela contribuição.
A guerra do gás
Em junho, o ministério de Moreira da Silva abre uma nova frente no conflito com a Galp. O preço do gás natural tem sofrido aumentos consecutivos que atingiram 17% em quatro anos. Este agravamento, que não inclui o IVA, deve-se a uma combinação fatal: aumento dos preços internacionais e uma queda acentuada no consumo do mercado nacional, por causa da recessão, mas sobretudo porque as centrais a gás natural estão paradas.
Apesar de vender menos gás em Portugal, a Galp não tem perdas. Pelo contrário, regista ganhos significativos a vender gás natural no mercado internacional. O desenvolvimento do negócio do trading começa quando a petrolífera tem de escoar o gás que não consegue vender em Portugal, mas que é obrigada a comprar à Argélia e à Nigéria, por força dos contratos de ‘take or pay’.
A empresa argumenta que ao colocar este gás no mercado internacional está aliviar a fatura que recai sobre os consumidores portugueses, porque a legislação lhe dava o direito de preferência no abastecimento do mercado português. No entanto, a Galp está ganhar muito mais ao vender o gás no mercado internacional, onde os preços dispararam depois do acidente nuclear de Fukoshima. A empresa faz mais-valias porque recebe mais pelo gás que vende do que paga aos fornecedores. E há uma pessoa no Governo que conhece bem a situação.
O secretário de Estado da Energia, Artur Trindade, estava na ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos) quando o regulador apresentou uma proposta para que os ganhos da Galp no trading de gás natural fossem partilhados com os consumidores, permitindo baixar os preços. Esta sugestão ficou de fora da legislação. Mas agora o Executivo quer recuperar a ideia e impor uma partilha de lucros à Galp com efeitos retroativos.
Jorge Moreira da Silva anuncia que a redistribuição dos ganhos com estes contratos permitirá baixar os preços do gás natural até 5% em 2015. O Governo admite negociar, mas não descarta impor a medida através de legislação. A Galp questiona a legitimidade da iniciativa, argumentando que os contratos de aprovisionamento de gás não são uma concessão do Estado, mas são sua titularidade. Mas quando lhe perguntam se há negociações, Ferreira de Oliveira, começou por responder que aguarda propostas. Agora, já não diz nada.
A guerra dos combustíveis
A guerra sobre o preço dos combustíveis é a que dura há mais tempo. Na verdade nem sequer começou neste Governo. Desde os tempos em que Manuel Pinho ocupava a pasta da Energia, que o Governo atribui as responsabilidades pelos aumentos de preço à petrolífera que tem o monopólio da refinação. Portugal é um mercado pequeno e periférico onde o consumo está em queda há anos. O aumento do preço do petróleo, mas também a subida dos impostos cobrados pelo Estado, têm complicado a vida a automobilistas e empresas.
Ainda na tutela de Álvaro Santos Pereira, a atual maioria lançou a ideia de obrigar as petrolíferas a criar uma rede de combustíveis low-cost (de baixo custo). O projeto ainda não passou do papel, mas há alguma coisa mudou no mercado nacional onde a proliferação da política de descontos e promoções fez baixar os preços antes de impostos, tornando Portugal um pais mais competitivo na comparação com o resto da Europa. E descida do petróleo, também estava a ajudar.
Tudo parecia bem quando surgiu a proposta de Orçamento do Estado para 2015, que trazia não um mas dois aumentos do imposto sobre os produtos petrolíferos: um para financiar as estradas e outro por causa da taxa do carbono. Jorge Moreira da Silva é o ministro que tem de dar a cara pela reforma da fiscalidade verde e desvalorizou o impacto no preço, lembrando que são apenas mais 1,5 cêntimos por litro.
Mas o presidente da Galp aproveitou os resultados do terceiro trimestre para apresentar contas diferentes. O impacto de medidas fiscais e ambientais vai provocar um aumento de 5,3 cêntimos no gasóleo e de 6,4 cêntimos na gasolina no próximo ano, disse. O ministro desmente, pondo em causa o impacto que a Galp atribui à obrigação de incorporar mais biocombustíveis, dizendo que o preço real é inferior ao calculado pela petrolífera. Moreira da Silva acaba por reconhecer que o agravamento da fiscalidade vai pesar quatro cêntimos no preço final. A discussão resume-se afinal a uma diferença de um a dois cêntimos.