Os deputados Couto dos Santos, do PSD, e José Lello, do PS, retiraram hoje a proposta que repunha as subvenções de ex-titulares de cargos políticos acima de 2000 euros e dizem que o fizeram “em nome do bom senso”, mas só o fizeram já depois de a proposta ser aprovada ontem na especialidade. No Parlamento, só o PS defendeu a sua posição.
O segundo dia de discussão na especialidade da proposta de Orçamento do Estado para 2015 começou com novo reboliço e em torno do mesmo tema: a reposição das subvenções vitalícias acima de 2000 euros para os ex-titulares de cargos políticos.
A proposta foi aprovada ontem pelo PSD e pelo PS, depois de vários avanços e recuos em torno do tema. A justificação para uma ameaça de adiamento da votação foi explicada por Hugo Velosa, do PSD, com a necessidade de avaliar se a estas subvenções não teriam um tratamento favorável face às restantes pensões.
No entanto, o Bloco de Esquerda avocou a proposta para ser votada novamente hoje, uma prerrogativa dos grupos parlamentares (o número de propostas que podem ser avocadas depende do número de deputados). E aqui, a história mudou novamente: ainda antes de ser votada, Couto dos Santos e José Lello retiram a proposta.
“Em nome do bom senso os propoentes da proposta pedem para que seja retirada”, disse Couto dos Santos, com fortes aplausos das bancadas do PS e do PSD.
Justificação do PSD muda
A justificação do PSD seguiu-se, já diferente da dada ontem por Hugo Velosa a pedido do partido, com o líder parlamentar, Luís Montenegro, a dizer que a proposta foi aprovada mas contra a vontade dos deputados do PSD.
“Queria cumprimentar os autores da proposta de alteração 524c pela circunstância de a terem retirado. Queria dizer que a vontade política dos deputados do grupo parlamentar do PSD não era aprovar a proposta. A votação ontem efetuada na Comissão de Orçamento não refletiu essa vontade, quero aqui assumir integralmente como líder parlamentar do PSD quer pela votação ontem, quer pela retirada da proposta”, disse.
O deputado disse que “jamais poderia aceitar que uma proposta relevante como era esta pudesse ser aprovada sem ser de facto transposta para essa aprovação a vontade política dos representantes” da bancada do PSD.
PS mantém posição
O PS foi esta quinta-feira o primeiro partido a defender a proposta dos dois deputados. Primeiro por Isabel Moreira, que defendeu que a atual suspensão acima dos 2000 euros viola a Constituição e de seguida por Vieira da Silva, que tinha garantido que não inviabilizaria a proposta. Hoje, o PS manteve que iria honrar a proposta, ao contrário do novo recuo do PSD.
O partido explicou que defenderia a proposta porque entende que a atual suspensão atinge retroativamente os ex-titulares de cargo políticos e defende-se dizendo que foi num Governo do PS que foram feitas alterações para restringir o acesso a estas subvenções.
“O PS tem orgulho da sua história, quando foi num Governo do Partido Socialista que, no âmbito de uma revisão do sistema de pensões foram mudadas as regras no acesso às subvenções socialistas e a outras formas de apoio e de prestações a titulares de cargos públicos. Fizemo-lo no Governo e fizemo-lo d forma justa, de forma progressiva, de forma equilibrada. É essa justiça e equilíbrio que foram quebrados no ano passado. Essa não é a prioridade do Partido Socialista, mas honramos a justiça e honramos aquilo que deve ser o critério de um estado de Direito, que é não atingir retroativamente as pessoas, sejam elas quem forem. Não é a nossa prioridade, mas é a nossa posição. Não foi a nossa proposta, mas iriamos honrá-la”, disse.
CDS-PP fala pela primeira vez…para se afastar da votação
O único partido que falou durante o plenário, na altura em que estas propostas eram discutidas foi o Bloco de Esquerda. Mas durante o dia os restantes partidos foram dando a sua posição. Com exceção do CDS-PP.
Hoje, após todos os outros falarem, o líder parlamentar dos centristas, Nuno Magalhães falou finalmente para dizer que o partido “sempre teve noção que não é altura para reposições” e que “tem em conta o momento do país”, mas que não votou, nem negociou a proposta.
Na votação na especialidade, o CDS-PP absteve-se. Ainda assim, Nuno Magalhães aproveitou a linha do PSD para dizer que essas pensões estão suspensas atualmente devido à atual maioria de coligação PSD/CDS-PP: “Foi pela maioria que as pensões foram suspensas, e será também pela maioria que elas não serão repostas”.
“Foi uma vergonha”, diz o Bloco de Esquerda
Mariana Mortágua tinha sido a única a criticar na discussão de quinta-feira a proposta e foi também o partido que pediu novamente a votação da proposta para esta sexta-feira. Já depois de Couto dos Santos anunciar a retirada da proposta, a deputada do BE voltou a dizer que a votação no Parlamento “foi uma vergonha”, sob muitos protestos dos deputados do PSD e do PS que fizeram com que as palavras iniciais da deputada mal se ouvissem no plenário.
A presidente da Assembleia da República, Assunção Esteves, teve de intervir, mas para pedir antes à deputada bloquista “que evite as palavras mais radicais que criem mau estar”, como teria sido falado.
Mariana Mortágua abanou a cabeça e seguiu a dizer o mesmo: “Foi uma vergonha, porque se o Bloco de Esquerda não tivesse pedido a avocação desta proposta a plenário esta proposta tinha passado pelos pingos da chuva. Ainda bem que o Bloco de Esquerda obrigou os senhores deputados a dar a cara pela proposta, porque não o conseguiram fazer. Não foi um ato de bom senso, foi um ato de má consciência”.
PCP quer abolir por completo as subvenções
“As subvenções vitalícias nunca deveriam ter sido criadas e agora há que acabar com elas”, afirmou o líder parlamentar do PCP, João Oliveira.
O partido votou contra, na quinta-feira, e anunciou antes disso (embora já depois da discussão) que não só estava contra a proposta, como queria abolir por completo as subvenções.
No entanto, a proposta do PCP, que já tinha sido apresentada há quinze dias, foi rejeitada pelo PSD, CDS-PP e PS. O Bloco votou a favor.
Revolta na quinta-feira
“É um insulto”, um “erro político” e criou “revolta na bancada” do PSD. É assim que vários deputados social-democratas descreveram a aprovação esta quarta-feira da medida proposta por um deputado do PSD e outro do PS, que levanta a suspensão do pagamento de subvenções vitalícias a ex-titulares de cargos políticos que recebam rendimentos superiores a 2.000 euros.
As reações começaram a surgir logo na tarde de quinta. No Facebook, o vice-presidente do PSD, Carlos Carreiras, escreveu um longo texto a criticar o voto favorável do partido e, ao que o Observador apurou, o mal-estar no partido alargou-se a outros dirigentes e às distritais. Escreveu Carlos Carreiras que a proposta é “imoral” e vai mais longe: “Considero mesmo uma vergonha. Simboliza muito do que tem afastado os portugueses do sistema partidário. É um erro colossal é uma péssima decisão”.
Também o deputado Duarte Marques, que enquanto líder da JSD tinha apoiado esta suspensão, em 2013, disse estar revoltado com esta decisão. No Facebook escreveu: “Há decisões que nos revoltam, que ninguém compreende e que parecem dar razão a quem nos critica. Nem com jurisprudência do TC me convencem que é o mais acertado. Política e eticamente inaceitável”. E conclui dizendo que “isto não vai ficar assim porque ainda a votação vai no adro”.
O deputado Cristóvão Norte, eleito pelo círculo de Faro, foi dos que se opôs à medida sugerindo um recurso para o Tribunal Constitucional. “É um erro crasso. Se o argumento é o de que a suspensão é inconstitucional, nada mais simples do que retirar a proposta e requerer ao Tribunal Constitucional a fiscalização da suspensão do pagamento das subvenções. Se o TC entender que é inconstitucional, pague-se”, escreveu.
Ao Observador, alguns deputados do PSD disseram que esta aprovação é “um insulto aos portugueses” e que, além disso é um “erro político” e que, por isso acreditam que a maioria dos parlamentares votaria contra a medida caso fosse dada liberdade de voto. “A partir do momento em que Montenegro aceite a liberdade de voto, a medida estará derrotada”, acredita um deputado.
A medida foi proposta por dois deputados que pertencem ao Conselho de Administração da Assembleia da República, Couto dos Santos do PSD e José Lello do PS, que acordaram a proposta depois de terem recebido várias queixas de antigos parlamentares.