O jamaicano Germaine Mason era rápido, muito rápido, mas preferiu ir para as disciplinas técnicas e começou a brilhar nos Mundiais Juniores de 2000, onde conseguiu a medalha de prata no salto em altura. Seguiram-se outros resultados de relevo, como o ouro nos Jogos Pan-Americanos de 2003 ou os bronzes nos Mundiais Juniores de 2002 ou nos Mundiais Seniores de Pista Coberta de 2004. A partir de 2006, passou a competir pela Grã-Bretanha, por ter um pai nascido em Londres. E conseguiu uma prata nos Jogos Olímpicos de 2008, apenas superado pelo russo Andrey Silnov. Em abril, com 34 anos, perdeu a vida num acidente de viação. O campeão olímpico e mundial foi um dos primeiros a chegar ao local do acidente. Tinham estado juntos numa festa de soca em Kingstom. Chorou, chorou e chorou.

Tantos anos depois, Glen Mills, o treinador de sempre de Usain Bolt, enfrentava o maior desafio de sempre: como colocar de novo o seu discípulo a trabalhar? O jamaicano foi uma das pessoas que cavou a campa de Mason, carregou o seu caixão, chorou como um menino na cerimónia. Estava abalado, dizimado. Colocou tudo em causa porque tinha perdido um dos melhores amigos de uma forma trágica. “Foi muito complicado para mim ao início. Foi um choque que surpreendeu. Mentalmente, não tive capacidade para treinar durante duas semanas e meias, onde me afastei e tentei refazer-me”, admitiu o jamaicano em declarações ao The Guardian.

“Tive de trabalhar muito para chegar onde estava, mas estava confiante em mim e no meu treinador para atingir esse ponto, porque fazemos isso há anos e anos e agora não foi diferente. Foi difícil, mas tive de focar-me naquilo que havia a fazer. Sei que o meu amigo gostaria que fosse para as pistas, desse o meu melhor, continuasse forte e estivesse focado naquilo que há para fazer”, explicou Usain Bolt

Aos 67 anos, Mills já viveu muito. E deu todo o espaço do mundo para Bolt recuperar. Quando ambos sentiram que estava preparado, regressou aos treinos para apanhar o comboio da preparação. “Tive de trabalhar muito para chegar onde estava, mas estava confiante em mim e no meu treinador para atingir esse ponto, porque fazemos isso há anos e anos e agora não foi diferente. Foi difícil, mas tive de focar-me naquilo que havia a fazer. Sei que o meu amigo gostaria que fosse para as pistas, desse o meu melhor, continuasse forte e estivesse focado naquilo que há para fazer”, explicou ao The Gleaner. E o treinador ajudou a alcançar esse objetivo.

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Glen Mills ainda começou a correr, mas não demorou até passar a treinador. Todo aquele mundo do trabalho diário fascinava-o e, além de uma natural sabedoria para a posição, foi conseguindo formar-se numa série de áreas como o desenvolvimento da parte mecânica e a agilidade. É conhecido por gostar de pensar fora da caixa e foi assim que conseguiu transformar a Jamaica no maior viveiro de velocistas, contribuindo para mais 70 medalhas em Mundiais e de 30 em Jogos Olímpicos. Com um à cabeça de todos, claro.

Mas, afinal, quais são os segredos desta figura castiça com uma cara simpática e uma barriguinha nada habitual no mundo do atletismo que também trabalhou com Kim Collins ou Yohan Blake? Vários. Glen Mills é obcecado pelos detalhes e passa horas a fio a ver vídeos com os seus atletas para corrigir pequenos pormenores no arranque ou na parte final das provas, por exemplo. Apologista de conciliar o treino da resistência com o de explosão, entende que é desse equilíbrio que vem a harmonia para o sucesso. Depois, e tão ou mais importante, incute nos atletas uma força mental enorme para vingar. Não quer construir máquinas de corrida mas sim homens que se fazem campeões como se fossem máquinas.

Com Usain Bolt, a relação foi sempre especial. Chegarem a ter divergências, como as que se apresentaram em 2007, quando um queria focar-se nos 100 metros mas o outro obrigou-o a bater o recorde nacional dos 200 metros primeiro. Mas Mills foi uma espécie de segundo pai de Bolt, que quando apareceu era um atleta com todas as condições físicas mas sem as mínimas noções a nível técnico. Desengonçado era o mais simpático que lhe chamava. Mas conseguiu colocá-lo como campeão olímpico e mundial, além de ícone do desporto. “Máxima liberdade, máxima responsabilidade”, é o lema do técnico para o velocista jamaicano, acreditando que há tempo para tudo.

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Treinador da equipa olímpica da Jamaica entre 1987 e 2009, passou depois a concentrar-se apenas no Racers Track Club para trabalhar com figuras como Usain Bolt ou Yohan Blake. Antes, começara como técnico numa escola, de onde passaria depois para a Associação de Atletas Amadores da Jamaica.

O principal discípulo tinha razão quando contrariou o mestre e garantiu que seria muito melhor a trabalhar 100 e 200 metros do que 200 e 400 metros, como Mills queria. Mas o mestre também tinha razão quando garantiu ao principal discípulo que perder é a melhor solução para se aprender a ganhar. E desde que perdeu para Tyson Gay na final dos 200 metros dos Mundiais de 2007, em Osaka, o único adversário que teve até Londres, onde ficou atrás dos americanos Justin Gatlin e Christian Coleman, foi ele próprio, quando caiu numa falsa partida nos Mundiais de 2011, em Daegu.

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Agora, Glen Mills terá o desafio de encontrar um digno sucessor para Usain Bolt num contexto complicado em que a Jamaica perdeu o domínio da velocidade nos setores masculino e feminino. Mas no seu dicionário, a palavra “nunca” não existe ao contrário de “sempre”: ele arranjará sempre uma solução. Nem que tenha de ir outra vez em buscar de um novo Relâmpago pelo país inteiro.