12 de agosto de 2017. Este ficará para sempre como o dia em que o atletismo mundial se despediu de duas das maiores figuras de sempre: Mo Farah e Usain Bolt. E logo no Estádio, na pista e perante os adeptos que os adotaram desde os Jogos de 2012 como as duas maiores personalidades desportivas da atualidade. Não terminou com a chave de ouro, longe disso, mas acabou com a inevitável saída pela porta grande. A maior de todas. Tão grande que está restrita apenas aos melhores dos melhores. Este sábado foi o dia em que Londres parou durante 90 minutos. E não foi só por boas razões.

Bastava olhar-se para as bancadas do Estádio Olímpico de manhã para se perceber a dimensão das figuras em causa. Neste caso, de Usain Bolt. O jamaicano que esta semana fechou o acordo para abrir na capital inglesa 15 restaurantes da marca Usain Bolt’s Track & Records participou nas eliminatórias de qualificação para a final dos 4×100 metros e a moldura humana mais parecia uma sessão vespertina de finais. A equipa que detém o recorde mundial passou sem dificuldades à corrida decisiva, mas valeu a pena acordar mais cedo só para ver o Relâmpago. Que, como sempre, espalhou simpatia pelas bancadas.

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Depois houve o arranque da Premier League. Um bocadinho de futebol, que também já estava parado há muito. E milhares e milhares de pessoas passaram pela District Line, rumo a Stamford Bridge. Voltou a haver uma chuva de golos sem precedentes (como já se tinha visto no 4-3 entre Arsenal e Leicester de sexta-feira) e uma derrota do campeão Chelsea em casa, frente ao modesto Burnley, por 3-2, após ter estado a perder por 3-0 e entretanto ficar reduzido a nove unidades. Mas as atenções estavam mesmo centradas era na Central Line, mais concretamente na estação de Stratford, a mais próxima do Estádio Olímpico.

Mo Farah foi o primeiro a correr, tentando a 11.ª vitória consecutiva entre Jogos e Campeonatos do Mundo nos 5.000 e nos 10.000 metros desde os Mundiais de Daegu. Na antecâmara da final dos 5.000 metros, a Eurosport fez um pequeno vídeo com alguns “conselhos” de como conseguir o impossível. Não se sabe ao certo se os atletas etíopes viram este pequeno guia de como derrotar o britânico, mas a verdade é que cumpriram muitas das sugestões, atacando em equipa nos últimos 400 metros. Farah despediu-se com uma medalha de prata. Ficou no chão, ao chorar. Tal como o próprio Estádio, que sonhava com mais um conto de fadas. Até o vencedor Muktar Edris fez o célebre gesto do campeão olímpico agradecendo a carreira que teve.

Ainda assim, Mo Farah bateu mais um registo histórico: passou a contar com oito medalhas em Mundiais nos 5.000 e nos 10.000 metros (seis de ouro e duas de prata entre 2011 e 2017), à frente das sete do etíope Haile Gebrselassie (quatro ouros, duas pratas e um bronze entre 1993 e 2001) e das seis do seu compatriota Kenenisa Bekele (seis ouros e um bronze entre 2003 e 2009). Paul Chelimo, o queniano naturalizado americano que teve um gesto para Farah na partida que foi brindado com um coro de assobios, ficou com o bronze.

Seguiam-se as estafetas. Enquanto a conta oficial da prova mostrava vídeos de Usain Bolt na brincadeira com a mascote a caminho da chamada dos atletas, as oito equipas femininas já tinham entrado na pista para a final dos 4×100 metros. Que, mais uma vez, caiu para os Estados Unidos, com Tori Bowie a fazer um último percurso fortíssimo e a garantir mais uma medalha de ouro para o país na velocidade destes Mundiais (a equipa jamaicana, com Jura Levy, Natasha Morrison, Simone Facey e Sashalee Forbes, ficou em terceiro atrás da Grã-Bretanha). E outro dado curioso: Allyson Felix passava para a frente de Bolt e Merlene Ottey como a atleta com mais medalhas conquistadas em Campeonatos do Mundo (15).

Já depois da enorme ovação para Mo Farah na cerimónia de entrega de medalhas da final dos 5.000 metros, vinha aí a final dos 4×100 metros masculinos. A Jamaica chegava à corrida decisiva sem Asafa Powell e Nesta Carter e com o barreirista Omar McLeod a fazer o primeiro percurso, mas não passava pela cabeça de ninguém Bolt terminar a carreira sem uma medalha. Não passava, era impossível.

Na entrada das equipas, os jamaicanos tinham uma pequena coreografia preparada (chega a ser impressionante a forma como Bolt está a poucos minutos de fazer a despedida e logo numa final mas a comportar-se como se fosse realizar apenas mais uma corrida entre amigos), os americanos tinham a coreografia do costume à espera (assobios, claro). Tudo preparado para o tiro de partida. E o impossível aconteceu: numa altura em que estava lançado para as medalhas, a 13.ª passada do recordista mundial trouxe uma lesão muscular na coxa. Cambaleou mais um bocado, foi tentando aguentar, mas caiu. Caiu redondo no chão. E o Estádio Olímpico ficou em choque, que só não foi maior porque a Grã-Bretanha acabou por conseguir surpreender os Estados Unidos em cima da meta.

Ao contrário do que é normal, Usain Bolt não interagiu tanto com o público, não deu uma volta olímpica, não ficou minutos sem fim a tirar fotografias com fãs: já depois de ter sido consultado pela equipa médica, saiu descalço e com um andar pesado para os balneários. Pior final era impossível. Mas ele continua a ser o melhor. E o maior.