Há uma frase clássica que há muito serve de escapatória: “Hoje não posso, vou jantar aos meus pais, mas a ver se jantamos para a semana”. O “hoje” pode virar duas semanas, um mês, um ano. No caso dos D’Alva, virou quatro anos. #batequebate, disco de estreia do grupo de Alex D’Alva Teixeira e de Ben Monteiro, foi editado em 2014 e na voracidade destes tempos quase apetece estranhar, quase apetece perguntar: “Como é que uma banda nova demora quatro anos até editar outro disco?”. A resposta, dada por Ben Monteiro, é só sinceridade: “Por um lado não demos conta, porque estivemos sempre ocupados. Quando começámos a perceber que estavam a passar três anos… aí dissemos que tínhamos de fazer alguma coisa. Mas não sei, houve vezes em que tentámos e não sei, não tínhamos nada para dizer”, confessa.
Mas depois do tal jantar que foi sendo adiado, depois dos desencontros gerados por falta de tempo ou disposição para ter tempo, lá aconteceu. Aliás, começaram a jantar dia sim, dia sim, até que chegaram a Maus Êxitos, segundo disco dos D’Alva, com data de edição marcada para esta sexta-feira, 12 de outubro, e do qual já se conhecem os singles “Verdade Sem Consequência” e “P’ódio”.
[“Verdade sem Consequência”:]
Convém, no entanto, não desatarmos a queimar etapas. Até porque quatro anos ainda são quatro anos, ainda são um batalhão de concertos, uma série de produções para outros artistas, uma série de canções escritas para outros artistas, enfim, nem deram conta.
“Apareceu aqui uma carreira que não estava planeada em que nos começaram a chamar para fazer hits de pop muito mainstream. ‘Só Eu Sei’, com o Virgul, por exemplo, foi platina e tudo mais, correu muito bem. Também fizemos um single para o David Carreira, coisa que nunca imaginámos. Há colegas nossos que se especializam num certo som em particular, refinam-no, tu pensas em Linda Martini e pensas num som, pensas no Tigerman e pensas num som… no nosso caso acho que temos uma espécie de plasticidade, conseguimos derreter e ganhar outra forma se for preciso”, enquadra Ben Monteiro.
Ainda se lembra do tal jantar, caro leitor? Pois bem, qual jantar, qual quê: o que os D’Alva fizeram, aquilo de que os D’Alva precisavam para parar de deixar o tempo andar, para pararem de não dar conta, era uma residência artística: “Chamámos uma amiga para liderar uma mini residência artística, três dias intensivos, foi como preparar uma performance em que acabámos por cansar o corpo, explorámos outras formas de linguagem que não a oral e no meio disso começou a sair uma coisa em comum, esse foi o momento chave para sincronizar este disco”, explica Ben.
E a partir daqui já podemos começar a ficar mais perto do conceito do disco. Melhor dizendo do segundo disco, esse peso que é o que vem a seguir ao primeiro. Depois de carimbado o cartão de cidadão, vamos lá ver quem são estas pessoas. E quando as próprias pessoas sabem disso, ora, pois claro que há pressão. Aliás, a pressão, por aqui, apareceu até na residência artística, num momento sem público, de gente próxima, onde as expectativas deviam contar menos. Ora este Maus Êxitos percorre, seguramente, esse trilho, como nos afiança Alex D’Alva Teixeira:
“Tem tudo a ver. A história do nome do disco acontece mesmo na residência, estávamos a fazer um exercício e aquilo consistia num quadro em branco onde as pessoas iam escrever qualquer coisa. Havia um termo gritante que era o ‘medo de falhar’, mesmo durante aqueles exercícios eu já tinha medo de falhar. Eram tarefas simples e estava a pensar demasiado. Quando fomos ver ao dicionário o significado da palavra ‘falhanço’, um dos significados era ‘mau êxito’. Depois começou a existir aquela coisa de que se é para falhar, então vamos falhar bem”.
Como que a dizer que se é para ir desta para melhor, então que seja com estilo. Se é para ir, não vamos agora estar com cara de quem não queria ter vindo. “A ideia era estar confortável nesse espaço [da pressão]. Cada vez que a humanidade avançou foi um erro, foi um acaso, isso faz parte de quem somos, temos este medo da dor e de falhar, não há como fugir dessas cenas, portanto foi do género ‘vamos entrar nesse espaço e vamos preenchê-lo, encher os pulmões e ver se a gente se afoga’. Se der para afogar morremos; se não, vamos descobrir que não nos afogamos. Acho que não nos afogámos”, afirma Ben.
A prova disso, de que usaram as braçadeiras ideais, o tamanho certo, é “P’ódio”, canção de uma eletrónica pop inundada pelo groove que reconhecemos nos D’Alva, que aponta uma série de farpas para aquelas pessoas que “só querem é glória” e para aquela gente “que fala muito e não diz nada”.
[“Pódio”:]
E é também a certeza de que este é um disco muito mais preocupado com as canções, com as palavras nelas inseridas, com aquilo que está a ser dito, do que propriamente com as vestes que as envolvem, como assegura Ben Monteiro:
“Para já acho que escrevemos melhor agora. O ‘#batequebate’ acabou por ser uma espécie de um statement, sobretudo estético. Se a canção for boa, se a canção funcionar, o resto é um bocado acessório. E decidimos investir mais tempo nisso, porque o resto fazemos rápido. Acho que mantemos a nossa sonoridade, mas há mais profundidade no que estamos a dizer.”
Oiça-se, por exemplo “Egoísta”, tema menos agitado, que sugere uma visão menos comum do amor: “Quando comecei a escrever essa música estava a pensar naquela coisa de estar com alguém. E para eu estar feliz nesse relacionamento é preciso que essa pessoa também esteja feliz. Então há uma espécie de conspiração para provocar essa felicidade, estás a conspirar para o bem da outra pessoa, mas no final do dia estás é a pensar em ti. Na altura estava numa má fase, era tudo negativo, agora percebo que não há mal nenhum, depois de escrever a canção percebi que não era má pessoa por fazer isto, que é assim que as relações funcionam”, esclarece Alex.
Maus Êxitos parece o segundo andar dos D’Alva, o degrau de cima, se soar melhor. É isso, degrau, é melhor. Até porque basta olharmos para a capa do disco para se entender que os D’Alva não vão dormir pior se a subida não for assim tão grande, ou se demorar mais tempo que o previsto. Ali estão eles, no terceiro lugar do pódio, como a canção sugere. No primeiro lugar há picos, armadilhas. Portanto, ficam bem por ali, no terceiro? “Sim, tranquilo”, respondem. Tranquilo.