O Conselho Europeu de Investigação (ERC) atribuiu duas bolsas Consolidator no valor de quase dois milhões de euros cada a duas investigadoras portuguesas do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

“É um privilégio criar uma equipa que envolve tanto cientistas sociais [sociologia, psicologia, etc.] como geneticistas forenses”, diz ao Observador uma das contempladas, Helena Machado, que estuda as questões sociais da utilização de dados genéticos. “[Este tipo de investigação] tem sido feito sobretudo por investigadores individuais. Esta é uma boa oportunidade de consolidar uma área [de investigação] bastante fragmentada em toda a Europa.”

O prémio agora atribuído pelo ERC, para estudar a herança colonial nas sociedades europeias, traz a Margarida Calafate Ribeiro, a outra premiada, mais tranquilidade. “Os investigadores passam 60% do tempo à procura de financiamento e apenas 40% realmente dedicados à investigação que desenvolvem.” Com este prémio poderá formar uma equipa estável, realizar um trabalho de campo de qualidade e fazer divulgação do trabalho realizado, tanto no meio académico como para o público em geral, sem se preocupar com o financiamento.

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Dedicando-se às questões do colonialismo e à influência que esse período ainda tem na Europa contemporânea, Margarida Ribeiro propõe-se perceber de que forma as memórias dos pais afetam os “filhos do Império” – filhos de retornados, de ex-combatentes e de emigrantes que viveram o colonialismo na primeira pessoa. O conceito de “pós-memória” pretende analisar como é condicionada a identidade de quem não vivem numa colónia, mas ouviu a história de vida dos pais.

“Os europeus são historicamente responsáveis pelo multiculturalismo”, diz a investigadora, que espera conseguir “sensibilizar os stakeholders, tanto da esfera política como académica, para a questão colonial – uma questão não resolvida”. Margarida Ribeiro refere que as pessoas que vieram das colónias assim como os filhos continuam a estar numa posição de subalternos, o que, entre outros problemas, traz dificuldades de integração.

O estudo será conduzido em três países que tiveram colónias em África – Portugal, França e Bélgica – e contará com memórias privadas, através das entrevistas aos “filhos do Império”, e memórias públicas, como as expressões artísticas e literárias, as comemorações e os debates relacionados com o tema.

 

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O projeto Exchange coordenado por Helena Machado tem como objetivo perceber de que forma é feita a partilha de informação genética entre os países da União Europeia, assim como os riscos associados a essa partilha e a forma diferenciada como cada país a faz. Para isso, o projeto terá duas fases: uma de entrevistas a geneticistas forenses, outra em que são comparados quatro países com perfis muito diferentes (Portugal, Reino Unido, Holanda e Polónia).

A investigação tem por base o Tratado de Prüm que “regula o intercâmbio de informações sobre ADN, impressões digitais, registo de veículos e dados pessoais e não pessoais no âmbito da cooperação policial transfronteiriça entre as partes contratantes” nos países subscritores dentro da União Europeia. O objetivo é a “cooperação entre os Estados-membros no domínio da luta contra o terrorismo, a criminalidade transfronteiras e a imigração ilegal”, lê-se no documento de trabalho.

Apesar de estar em vigor desde 2006, países como Portugal têm dificuldade em realizar esta partilha. Por um lado, existem em Portugal muito pouco registos – quatro mil – porque só se efetua a recolha de dados genéticos por ordem judicial. “Muitos magistrados nem sequer têm conhecimento [deste tratado]”, refere a investigadora. Por outro, a legislação para a partilha é bastante restritiva e há poucos recursos técnicos para o fazer.

Com este projeto, a investigadora pretende comparar o caso português com outros três países: Holanda, porque coordena grupos de trabalho para melhorar a partilha de informação; Polónia, porque é um dos países que aderiu à menos tempo à União Europeia; e Reino Unido, porque apesar de ter a mais antiga e maior base de dados genéticos da Europa – dez milhões de registos – não aderiu ao Tratado de Prüm.

Enquanto cientista social, Helena Machado também se preocupa com outras questões sociais e éticas. Por um lado, como os dados genéticos são recolhidos sobretudo entre pessoas condenadas por crimes, há uma “sobre-representação de minorias étnicas, que não representativa da população em geral”, aumentando “as práticas discriminatórias e as desigualdades sociais”. Por outro, o risco de utilização de dados pessoais por terceiros não envolvidos na investigação criminal.