Primeiro, um choque com a realidade em forma de goleada em Alvalade frente ao Ajax. A seguir, as dores de crescimento com algumas lições aprendidas na derrota na Alemanha com o B. Dortmund. O regresso do Sporting à Liga dos Campeões quatro anos depois seria obrigatoriamente o subir de uma escada quase no escuro, degrau a degrau, com um plantel quase sem experiência na principal competição europeia mas que recolocou o clube no topo com a quebra de um jejum de quase duas décadas sem vitórias no Campeonato. Agora, pela primeira vez à terceira tentativa, Rúben Amorim queria ver algo mais. Uma luz. A luz.

Sporting goleia Besiktas com bis de Coates e soma primeira vitória na Champions

“Queremos ser mais fortes defensivamente do que fomos com o Ajax e mais fortes ofensivamente do que fomos contra o B. Dortmund. A vontade de vencer é muito importante e as sensações da inexperiência já melhoraram. Já fizemos dois jogos e algumas coisas já aprendemos neste espaço de tempo”, admitira o técnico do conjunto verde e branco, elevando assim a fasquia no encontro diante do adversário que ainda não tinha somado qualquer ponto tal como os leões. Elevando e olhando para algo mais para o que restava.

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“As equipas com três derrotas nos primeiros três jogos raramente passam. Por isso, queremos ganhar e não estar a pensar na Liga Europa. A equipa está com bastante entusiasmo. Acredito que vamos fazer um grande jogo e sermos melhor do que nos dois jogos anteriores”, realçara, passando por cima dos números que apontam para apenas oito equipas que conseguiram a qualificação para a fase a eliminar da Champions depois de duas derrotas a abrir e olhando para uma segunda volta partindo com três pontos e tendo dois jogos seguidos em casa (Besiktas e B. Dortmund) antes da deslocação a Amesterdão para defrontar o Ajax.

A partida na Turquia podia ter um Sporting com mais ou menos bola, como o próprio Amorim explicara, um Sporting com maior ou menor capacidade de controlar o adversário mas precisaria de um Sporting com outra capacidade de “ferir” o adversário, fosse em ataque organizado, fosse em transições como foi tantas vezes referido por antigos jogadores leoninos ou atletas portugueses que conhecem a realidade da liga turca e do Besiktas. Era aqui que, com ou sem aposta inicial, entrava Pedro Gonçalves, recuperado após uma longa paragem que retirou vários jogos ao internacional e vários golos à equipa, como foi possível ver na análise comparativa em termos ofensivos com e sem a presença do (agora) avançado em campo.

“Está claramente em condições de ser utilizado de inicio, é um rapaz robusto. A lesão foi no pé, não foi nada muscular. Contra o Belenenses disse que podia jogar mais tempo mas nós temos tudo preparado, isso é algo que não passa só por mim. Fizemos o que tínhamos a fazer como ele e pode ser opção. Não sei se jogará o jogo todo”, referira Amorim. “Há uma sensação de ansiedade. Espero viver o momento e aproveitá-lo ao máximo porque nunca se sabe o dia de amanhã. Tenho de estar mentalizado que vou dar o melhor e será um momento de muita alegria porque sempre sonhei com isto”, confessara Pote, entre explicações do caminho que o levou de uma posição mais central no meio-campo a um lugar mais nas alas no ataque.

Esta noite, Pedro Gonçalves fez mesmo a estreia na Liga dos Campeões e esta noite não será esquecida por vários motivos: o Sporting conseguiu a primeira vitória nesta fase de grupos, ganhou pela primeira vez na Turquia e sobretudo teve a tal exibição de Champions que culminou numa goleada frente ao Besiktas que poderia ter conhecido outros números (4-1). Quase quatro anos depois, os leões voltaram a somar um triunfo na principal competição europeia de clubes com El Comandante Coates a bisar, o general Palhinha a encher o campo e Rúben Amorim a traçar uma estratégia que muitas vezes pareceu tirada do livro “A Arte da Guerra” de Sun Tzu, sobretudo na ideia de manter o adversário sob tensão para cansá-lo. Foi isso que aconteceu. E foi também por isso que o histórico triunfo podia acabar com números mais dilatados num ambiente quase bélico no Besiktas Park que foi esfriando com a forma como os leões geriram a vantagem.

Ficha de jogo

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Besiktas-Sporting, 1-4

3.ª jornada do grupo C da Liga dos Campeões

Besiktas Park, em Istambul

Árbitro: Slavko Vincic (Eslovénia)

Besiktas: Ersin; Rosier, Vida, Welinton, N’Sakala; Pjanic, Souza, Alex Teixeira (Karaman, 80′); Ghezzal, Larin (Gokhan Töre, 73′) e Batshuayi

Suplentes não utilizados: Gunok, Yılmaz, Montero, Serdar Saatçi, Umut Meraş, Salih Uçan, Oguzhan Ozyakup, Bozdoğan e Necip Uysal

Treinador: Sergen Yalçin

Sporting: Adán; Gonçalo Inácio, Coates, Feddal (Neto, 90+2′); Pedro Porro, João Palhinha, Matheus Nunes (Daniel Bragança, 90+2′), Matheus Reis (Ricardo Esgaio, 73′); Sarabia (Tiago Tomás, 84′), Pedro Gonçalves (Nuno Santos, 90+2′) e Paulinho

Suplentes não utilizados: André Paulo, João Virgínia, Rúben Vinagre, Ugarte e Jovane Cabral

Treinador: Rúben Amorim

Golos: Coates (15′ e 27′), Larin (24′), Sarabia (44′, g.p.) e Paulinho (89′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Vida (43′), Alex Teixeira (47′), Ghezzal (58′), Gonçalo Inácio (72′), Feddal (76′) e Pjanic (90+3′)

Com os alas trocados em relação ao que se pensava inicialmente, começando com Pedro Gonçalves mais à direita e Sarabia na esquerda, o Sporting teve uma entrada que ficou próxima de ser perfeita com pouco mais de um minuto jogado depois de Sarabia conseguir lançar Paulinho na profundidade para o avançado, já pressionado por Vida, atirar já em queda para defesa de Destanoglu (2′). No entanto, essa seria a imagem mais enganadora em relação ao resumo do quarto de hora inicial: entre dois remates de Ghezzal, um deles a rasar o poste da baliza de Adán (4′ e 6′), e um livre de Pjanic em boa posição por cima (8′), a formação da Turquia foi conseguindo abafar por completo a saída a partir de trás e a primeira fase de construção dos leões, que somavam perdas de bola no primeiro terço e não conseguiam fazer uma série de três passes.

A profundidade, a tal profundidade, era a resposta para os problemas do Sporting. Era quase uma questão matemática, como aquela que os treinadores de basquetebol ensinam sempre que há um 2×1 num jogador: se a bola rodar, alguém estará sozinho. E foi assim que os leões voltaram a causar perigo junto da baliza dos visitados, com Sarabia a aparecer ao primeiro poste para desviar para defesa de Destanoglu (14′). O aviso estava deixado, o golo viria a seguir: pontapé de canto na direita marcado por Pedro Gonçalves, desvio de Gonçalo Inácio ao primeiro poste e toque de Coates no coração da área para o 1-0 (15′). E a conta poderia não ter ficado por aí, com Pedro Gonçalves a aproveitar também o espaço deixado pelo Besiktas quando tentava pressionar alto para ganhar vantagem, travar e rematar para defesa apertada (23′).

Os leões caminhavam para a sua zona de conforto no jogo, que chegaria até ao intervalo em três momentos chave que fizeram toda a diferença: Larin, na sequência de um canto na esquerda, cabeceou ao segundo poste para o 1-1 num lance onde pareceu ter ficado uma falta por assinalar sobre Matheus Reis, impedido de saltar e disputar a bola (24′), mas Coates fez quase de seguida o 2-1, num lance a papel químico do golo inaugural mas com Paulinho a assistir (27′); Batshuayi ganhou a Gonçalo Inácio numa das poucas bolas em que apareceu numa situação de 1×1, ganhou espaço para atirar de pé esquerdo ao poste (40′); e Sarabia, de grande penalidade vista pelo VAR após um corte com o braço de Vida na área após um novo cabeceamento de Coates num canto, aumentou para 3-1 numa fase em que o Sporting estava melhor no jogo (44′).

Ainda antes do intervalo, e numa fase em que não poderia sofrer golos para manter os dois golos de avanço para o segundo tempo, Alex Teixeira fez uma autêntica obra prima num remate acrobático de primeira ao ângulo mas o lance nos descontos acabou por ser invalidado pelo VAR por fora de jogo (45+2′). De forma quase inevitável, os 45 minutos finais seriam diferentes com todas as correções que ambos os treinadores iriam fazer no descanso mas com essa necessidade leonina de não deixar adormecer em demasia a partida sob pena de poder sofrer um golo que fizesse explodir de novo os ânimos como aconteceu no 1-1.

Ao longo de 20 minutos, apesar do reforço da posse do Besiktas, apenas por uma vez os turcos conseguiram criar perigo junto da baliza de Adán, com Larin a encher o pé para uma intervenção de recurso do guardião espanhol para a frente (60′). Antes e depois, foi o Sporting a conseguir colocar o encontro mais a seu jeito, a ganhar vantagem nas saídas e em algumas situações a parecer quase surpreendido com a facilidade com que conseguia chegar ao último terço com capacidade para “ferir” o adversário. Pelo meio, claro, o habitual MVP crónico em todos os jogos da formação verde e branca, João Palhinha. Com ele, também com Matheus Nunes mas sobretudo com ele, um meio-campo de dois parece ter três – e isso faz a diferença.

O Besiktas começava a perder esperança num resultado diferente, tentando flanquear o jogo sem sucesso e continuando a apostar nas bolas nas costas da defesa leonina que foram encontrando sempre um inimigo chamado fora de jogo. E foi o Sporting a andar sempre mais perto do quarto golo, com Paulinho a fazer mais um prolongamento daquilo que se está a tornar uma autêntica sina nos leões: primeiro acertou no poste, isolado após grande investida de Pedro Porro pela direita (68′), depois atirou com estrondo à trave num lance em que teve tempo na área para fintar, preparar o rematar, ajeitar a bola mas ainda assim falhar (72′). Tudo parecia acontecer ao avançado mas o melhor estava ainda para vir, com o avançado a aproveitar uma bola perdida fora da área para fazer de pé esquerdo o melhor golo (90′) antes de Tiago Tomás, após assistência de Nuno Santos da esquerda, ficar perto de uma goleada mais expressiva (90+5′).