A revista Sábado publica esta quinta-feira a segunda parte do último interrogatório a José Sócrates. O ex-primeiro-ministro, segundo conta a revista, foi confrontado com três temas fundamentais na sua deslocação a Lisboa a 27 de maio: o pagamento em numerário de despesas de férias, com montantes que chegaram por vezes a mais de dez mil euros; o facto de alguns dos quadros de pintores famosos que tinha em casa terem ou não sido oferecidos pelo empresário Carlos Santos Silva e a razão porque foram encontrados em casa da empregada da mãe; e porque é que o seu computador pessoal, e duas pen, estavam também não em sua casa mas na de um vizinho.

A Sábado descreve o interrogatório levado a cabo pelo procurador do processo, Rosário Teixeira, e pelo inspetor tributário Paulo Silva na presença dos dois advogados de Sócrates, João Araújo e Pedro Delille, como muito “tenso”, com as discussões a sobreporem-se às perguntas, sendo muitas vezes Delille a tentar impor alguma ordem. Sócrates terá mesmo também intervindo para dizer “podemos não falar todos ao mesmo tempo?“. Mas na súmula que a revista faz, Sócrates responde quase sempre com novas perguntas às perguntas que lhe fazem, acusando Rosário Teixeira de perseguição.

  • O encontro terá começado com José Sócrates a acusar o procurador Rosário Teixeira. “(…) Gostava de lhe dizer uma coisa senhor procurador. Mas não sei se isto vale alguma coisa (…) E nunca me passou pela cabeça, nunca me passou pela cabeça que o sr. procurador fosse capaz, num processo destes, que tem a relevância política e social, fazer o que está a fazer. Seis meses sem acusação, seis meses sem acesso aos autos, seis meses em que o senhor procurador todos os dias lê nos jornais uma campanha de denegrimento que tem influência nas eleições (… ) um prejuízo para o meu partido (…) Durante 30 anos eu servi o meu país honestamente“.
  •  Ter-se-á seguido uma pergunta sobre o porquê de anteriormente José Sócrates não ter sido capaz de dizer qual o montante que o seu amigo e empresário Carlos Santos Silva lhe emprestara. “Quando (…) o senhor procurador me perguntou ‘mas quanto é que ele lhe emprestou’ eu tinha de ir verificar, não acha que isso é a atitude decente, decente e honesta“. Rosário Teixeira insiste se havia registo e Sócrates terá respondido, segundo a revista: “Tinha, tinha e até um registo mental. Tenho ideia de quanto lhe deve, mas se não se importa eu gostaria de discutir isso com ele, quando puder, para pagar (…)
  • Depois Rosário Teixeira e Paulo Silva terão questionado José Sócrates sobre o pagamento em numerário de despesas de férias, em Veneza, na ilha espanhola de Formentera e no Algarve, no hotel Pine Cliffs. “Ó senhor procurador está-me a perguntar se nalguns anos paguei em numerário? Eu admito que sim, sei lá (…) O senhor lembra-se como pagou todas as suas férias nos últimos dez anos?“, diz Sócrates, ao que Rosário Teixeira responde “Ó senhor engenheiro, não me lembro de ter pago nada de quatro ou cinco mil euros em numerário” e o inspetor tributário Paulo Silva acrescenta “ou 10.000 em numerário“. Sócrates finaliza: “Vocês estão-me a perguntar o que eu paguei em férias há seis anos (…), ou há sete (…) oito anos (…) Francamente“.
  • Depois vem a questão das obras de arte, os quadros, que Sócrates teria na casa de Lisboa. Sócrates terá começado ao ataque “Quanto às obras de arte (…) temos aí umas contas para ajustar (….) eu procuro esclarecer, quanto à sua motivação já não tenho a certeza, eu bem lhe disse o que pensava de si há bocado“. Rosário Teixeira fala em obras de “Uber, Lindau, Batarda, Almada Negreiros, António Ramalho, Júlio Pomar, Jorge Martins e Silva Porto”. Sócrates terá contraposto “quais é que o senhor Carlos Santos Silva comprou para me dar, faça favor de dizer quais“. Rosário Teixeira diz que “todos” e Sócrates responde “tenho de verificar (…) porque não me apanham noutra“. O procurador terá finalizado dizendo “Alguns quadros foram encontrados (…) na casa de uma senhora que é empregada da senhora sua mãe, sabe?“. Resposta de Sócrates segundo a Sábado: “Sei, sei“. “Tem ideia como é que esses quadros foram lá parar?“, pergunta Rosário Teixeira. “Não faço a mínima ideia“, diz Sócrates. Que depois terá deixado quase uma ameaça: “O senhor afirmou que eu dei orientações para retirar de minha casa, isso é mentira (…) E são esses detalhes mesquinhos que o senhor procurador invoca para me manter na prisão, um dia discutiremos isso de outra forma (…)
  • O interrogatório fala ainda do computador retirado da casa de José Sócrates antes das buscas e encontrado noutro local com duas pen. “(…) Se você me tivesse dito: ‘Olhe este computador…’ eu ter-lhe-ia dito: ‘Pá, oiça, temos aqui um problema, isto estava aqui e já não está“, terá dito Sócrates a Rosário Teixeira pondo fim a qualquer entendimento entre ambos: “Você acha que eu o vou ajudar depois de tudo o que se passou?

A divulgação deste interrogatório, por parte da Sábado e do Correio da Manhã, tem gerado muita polémica. O interrogatório foi gravado em DVD, tendo sido entregues várias cópias: ao juiz Carlos Alexandre, ao Ministério Público, à Autoridade Tributária, mas também aos advogados do ex-primeiro-ministro. A prática, não sendo a juridicamente correta, é comum: muitos advogados solicitam de imediato uma cópia para poderem recorrer e o MP fornece-a de imediato. Foi o que aconteceu também neste caso. João Araújo já afirmou contudo que não foi ele a fornecê-la aos media e acusou tudo e todos por mais uma fuga ao segredo de justiça.

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