Foram pelo menos 12 as vezes que o nome de José Sócrates apareceu no debate. Só de referências feitas por Passos Coelho. José Sócrates foi o presente ausente no debate decisivo das eleições legislativas. Não se falou do caso judicial que envolve o ex-primeiro-ministro, mas a estratégia de Passos Coelho nem precisava disso: bastava fazer a colagem de Costa à política do ex-governante e ao Syriza. E fê-la, chegando mesmo a dizer que o líder do PS “não era muito diferente” de Sócrates. António Costa resistiu, mas acabou por responder e dizer a Passos que se tinha tantas saudades podia “ir lá a casa debater com ele”. Foi a desmarcação depois de pressionado até porque a tática que tinha levado para o debate era outra: mostrar a colagem do Governo à troika e às promessas falhadas. Cada um atirou ao outro um fantasma do passado.

Foi Passos Coelho quem arrancou a discussão e logo na primeira linha deixava a descoberto qual era a sua estratégia: “Não seguimos nenhuma política austeritária apenas por vontade ou gosto – a austeridade foi trazida pela crise e pela troika”. E quem trouxe a troika? O PS, dizia Passos. E quem a mandou embora? O PSD.

A narrativa estava escolhida e, a partir daí, independentemente das perguntas feitas pelos jornalistas, as respostas iam dar ao mesmo sítio. Contrariando a ideia de que, desta vez, o programa do PS não tinha promessas de “obras faraónicas”, Passos afirmou que os programas socialistas continuavam “muito parecidos” devido às ideias de estímulo à procura e ao consumo (baixar o IVA, subir ordenados). Esse é o “desastre da herança” e o “drama e o problema de António Costa” para a campanha eleitoral.

Aliado ao trunfo Sócrates, Passos tinha outra ideia na manga: colar Sócrates à “abordagem Syriza” e, por a+b, colar Costa aos dois. E que abordagem é essa? É uma abordagem de “resistência à realidade”, disse, lembrando que Sócrates, antes da chamada da troika e da saída do Governo, já estava a ver-se obrigado a reduzir salários e a aumentar impostos.

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“O senhor representa o regresso ao passado, esse é o seu drama, esse é o seu problema”, insistiu.

Os três jornalistas esforçaram-se por pedir menos passado e mais futuro na conversa, mas Passos não largava. O nome de José Sócrates, que até hoje estava envolto num certo tabu devido às implicações judiciais, foi repetido pelo primeiro-ministro mais de uma dezena de vezes. Mas Costa não reagia às provocações. Não até ao momento em que Passos critica o modelo do PS para o futuro como sendo o “milagre das rosas” – achar que não precisa de mais dinheiro e que vai dar mais serviços e rendimentos aos portugueses, “como por magia”.

E foi depois de Passos Coelho referir várias vezes a política do passado que António Costa saiu dos eixos e respondeu. Foi, aliás, a única vez que o fez. “O engenheiro José Sócrates está agora em melhores condições para debater consigo. Porque é que não vai lá a casa debater com ele? Tem tantas saudades”, atirou Costa. E ficou a repetir “tantas saudades”, “tantas saudades”.

Costa resistiu a falar do ex-governante. A resistência começou logo à primeira pergunta, quando lhe perguntaram se assumia ou não o legado do anterior governo. Mas lá respondeu que sim. Que o assumia com todas as letras e todos os nomes: “O PS assume toda as suas responsabilidades, desde Mário Soares até ao último dia do Governo de José Sócrates. Assumimos a história por inteiro, assumimos os erros, assumimos tudo”. Mas isso não quer dizer que vá trazer Sócrates para campanha, até porque não tem “definido” ir visitá-lo para lhe agradecer pessoalmente o apoio.

Mais não falou. Não era a estratégia de debate que levava desenhada nos papéis, nos gráficos, nas declarações escolhidas para atirar ao ex-primeiro-ministro. O primeiro foi a de uma herança que este deixa para futuro: “É o único primeiro-ministro que entrega o país com menos riqueza do que recebeu”, acusou ao mesmo tempo que mostrava um gráfico. Além desta ideia, Costa tinha mais duas na manga: a de insistir que Passos Coelho tinha prometido coisas em campanha e depois fez o contrário; e a de o colar à troika. Ou melhor, para lhe dizer que o Governo foi “além da troika”. Mas já lá iremos.

O segundo fantasma do passado: a troika

O segundo papel que Costa mostrou aos telespetadores foi o trunfo para a segunda estratégia: dizer que o Governo não é a troika, é mais do que a troika. Leu declarações do próprio, de Eduardo Catroga e ainda lembrou Vítor Gaspar. “É altura de parar com a mistificação com a troika. O senhor quis a troika”, disse Costa. O líder socialista tinha uma intenção, dizer que o Passos deu as boas vindas ao resgate para assim fazer o seu programa de destruição do Estado social. “Ninguém desejou que a troika viesse, a não ser quem quis usar a troika”, disse.  Foi isso que disse no debate socorrendo-se a uma ideia que foi esgrimida muitas vezes por socialistas ao longo dos últimos anos. “Gostou tanto da troika que quis ir além da troika”, lembrando ainda os tempos em que o Governo “gostava de se gabar quando iam além da troika”.

O fantasma da troika, e do “ir para além da troika”, foi um dos argumentos de Costa contra Passos. Mas o primeiro-ministro não quis ficar colado a ele e indignou-se com a tentativa. “Mistificação? O senhor fala em mistificação? Diz que o programa foi negociado pelo PSD? O senhor sabe quem chamou a troika a Portugal? Foi o ministro das Finanças, do PS. E na altura Teixeira dos Santos disse que o fez porque o país não podia ficar sem financiamento”. “Isto são factos”, atirou, lembrando que o PSD esteve “apenas uma hora” reunido com a troika aquando das negociações do memorando. O pedido foi para Costa “não inverter as coisas”.

A esse propósito, Passos recordou mesmo os dias em que chegou ao Executivo, dizendo que uma das suas primeiras tarefas em São Bento foi “explicar à troika como é que a despesa tinha derrapado mais de um ponto percentual do PIB quando ainda nem tínhamos começado”. O argumento era claro: dizer que tudo o que o Governo fez ao nível do apertar da austeridade, não o fez por gosto – “não tenho nenhuma espécie de gosto perverso de aplicar austeridade ao país” -, mas sim por obrigação.

As “aventuras” na Segurança Social

Se de um lado as acusações são de radicalismo nas propostas, do outro lado não é diferente. Costa repetiu por várias vezes a palavra “aventura” para qualificar a proposta da coligação PSD/CDS de plafonamento da Segurança Social e chegou mesmo a fazer a comparação entre o que o Governo quer fazer na Segurança Social e que fez no BES. Foi aliás das poucas vezes em que se falou das propostas em concreto dos programas. Por partes.

Corte nos 600 milhões na Segurança Social – António Costa recusou negociar a redução de 600 milhões de euros com pensões com Passos Coelho. “Não aceitamos qualquer corte nas pensões e não achamos que a sustentabilidade dependa desse corte”, disse Costa. Já Passos Coelho referiu a necessidade de reformar o sistema de pensões, dizendo que neste momento o défice se resolve com transferências do Orçamento do Estado, e admite que foi estabelecida a meta dos 600 milhões para solucionar o problema de sustentabilidade, mas não disse como vai conseguir esse dinheiro. E recusou tratar-se de um corte nas pensões: “Nós não vamos fazer nenhum corte de 600 milhões”.  “Não, não está isso escrito no programa de estabilidade”.

Descida da TSU – A medida do PS foi levada ao debate por Passos Coelho que considerou que a proposta socialista é ela um “plafonamento que o PS não assume”, uma “política à José Sócrates” que “custa no seu programa mais de 5,4 mil milhões de euros”. Costa respondeu que “não é de todo” um plafonamento e aproveitou o momento para referir que propõe uma diversificação do financiamento do sistema de pensões, por exemplo com parte do IRS. Ficou o slogan: “Segurança na Segurança Social é no programa que nós temos, sem cortes nas pensões e com diversificação das fontes de financiamento”.

Plafonamento da Segurança Social – Foi levada para o debate pelo líder socialista que se referiu à medida que consta no programa da coligação como “a maior aventura financeira para o futuro da Segurança Social”. Costa referiu-o por diversas vezes, mas fez mais do que isso: comparou a medida ao problema dos lesados do BES. Confuso? Passos ainda lhe disse que estava a misturar as coisas, mas Costa queria, também através desta proposta mostrar que a coligação quer apostar o dinheiro da Segurança Social nos mercados financeiros. Ou seja, disse Costa que Passos estava a pedir confiança numa proposta tal como prometeu confiança aos agora “lesados do BES” antes de o Grupo Espírito Santo ter colapsado. “O que lhes está a dizer é para as pessoas embarcarem na aventura dos lesados do BES”, ora muitos dos “lesados do BES” estavam na parte de fora do estúdio e obrigaram mesmo Passos a entrar por uma porta diferente da prevista.

Na Saúde, Costa prometeu mais

A saúde foi, de resto, um tema onde o líder do PS, procurou ganhar terreno pela ligação histórica ao PS. O Serviço Nacional de Saúde “é um dos maiores ganhos da nossa democracia”, começou por dizer, recordando que, nem a propósito, António Arnault, pai do SNS, é o mandatário da candidatura do PS às legislativas. Depois, Costa pormenorizou as suas propostas: “diminuir a pressão sobre os hospitais”, “diminuir as taxas moderadoras”, “criar novas unidades de saúde familiar” e apostar nos “cuidados continuados para que os hospitais não sejam o centro”.

Passos defendeu-se dizendo que tem havido “melhorias”, “mais enfermeiros”, “mais consultas”, ainda que tenha admitido que o número de médicos tem de continuar a aumentar. Mas Costa não perdoou: “Tem criado muitos postos de trabalho para enfermeiros mas é no Reino Unido, não é cá”. Também neste caso Passos lembrou a herança socialista e a dívida a fornecedores que tinha o Ministério da Saúde no início do mandato.

Tanto Passos como Costa rejeitaram “aventuras”, mas não se referiram ao mesmo. Cada um com a sua narrativa, cada um com os seus fantasmas. Passos insistiu no passado, esquecendo-se por vezes do futuro, o que fez com que Costa acabasse por sair melhor. O segundo round é no próximo dia 17, nas três rádios.