A “menor fatia de qualquer orçamento” tem sido “sempre para a cultura”, mas, um dia, haverá “que dar lugar às coisas importantes” para “que se tornem também urgentes”, acredita o músico Júlio Pereira.

Em entrevista à Lusa, o músico, que atuou no Festival Músicas do Mundo, que terminou no sábado, em Sines, lamentou que os governos considerem “sempre que há coisas mais urgentes em relação às coisas importantes”, como é o caso da cultura.

“Acho que um dia, provavelmente, vamos ter de pensar de maneira diferente. Há que dar lugar às coisas importantes, para que as importantes se tornem também urgentes, sob perigo de ver muita coisa morrer”, alerta.

“Há até, hoje em dia, uma espécie de aproveitamento da crise, para que os músicos ainda continuem a ganhar pior”, critica, reconhecendo que “é uma coisa que já vem de muito longe”, agora agravada por “problemas” como a falência da indústria discográfica ou os direitos de autor.

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“Quem é jovem, hoje, habitua-se a ir à ‘net’, tira tudo, sem qualquer noção de que aquilo que está a ouvir e a consumir foi feito, foi trabalhado por pessoas”, lamenta.

Mas a internet não é a culpada, aliás “é uma ferramenta fantástica”, através da qual Júlio Pereira descobriu “mais de 200 grupos de cavaquinho”.

Presidente da Associação Cultural e Museu Cavaquinho, Júlio Pereira está agora “virado” para “descobrir as possibilidades” do instrumento e “a música que ele pode fazer”.

A associação está a fazer “o inventário do que existe, grupos, tocadores populares, construtores, locais de ensino”, referiu. “Ainda só inventariámos 45 grupos, mas, destes 45, já quase mil pessoas tocam cavaquinho”, destacou, comentando que, recentemente, descobriu um miúdo de 13 anos no YouTube, “que tanto toca heavy metal como música tradicional”.

É “um sinal dos tempos”, de que há “muito mais juventude interessada em todo o tipo de música, têm as antenas viradas para tudo”, considera. “Antigamente, as coisas estavam mais presas a modas, a tipos ou géneros de música, hoje sinto que a coisa está mais aberta”, compara.

Atualmente, há pessoas, incluindo jovens, “nos conservatórios a lutar pela gaita de foles, pela campaniça, pela viola toeira, instrumentos que estiveram parados durante muito tempo ou que tinham um lugar com pouco destaque”, diz, considerando que isso “quer dizer que há um gosto fantástico por uma instrumentação que é nossa”.

Porém, a comunicação social só mostra “uma música massificadora”, que não dá uma “panorâmica do país”.

Júlio Pereira trouxe ao Festival Músicas do Mundo o álbum “Cavaquinhos.pt”, que gravou cerca de trinta anos depois de ter gravado “Cavaquinho”, um dos mais conhecidos registos da sua carreira.

Ao mesmo tempo, criou a Associação Cultural e Museu Cavaquinho e um portal internacional, destinado a inventariar, dar a conhecer e pôr em contacto instrumentistas, construtores e compositores daquele instrumento.

O site (www.cavaquinhos.pt) servirá ainda para atualizar informação sobre os diferentes modelos do instrumento, a sua história e a dispersão de descendentes pelo mundo, em particular no Brasil, Cabo Verde, Estados Unidos e Indonésia.