Falar ou não de sexo? Eis a questão. Considere que o sexo é x. Vamos assumir que a resposta à pergunta “falar ou não de sexo” é sim, mas agora vamos acrescentar a palavra adolescentes à conversa sobre sexo. Os adolescentes são y. A resposta desta vez já é “não vamos falar”. Não? E não porquê? Pela dificuldade? Pela vergonha? Misturar sexo e adolescência parece às vezes uma dor de cabeça ou a fórmula matemática certa para x e y ser igual a…tabus! 

A adolescência, já sabemos, é por si só um período complicado. A palavra descoberta manda nas suas vidas. As dúvidas, os anseios e os problemas inundam a vida dos mais novos (e dos mais velhos também, é certo). Entre elas uma sobressai: sexo. Sobre a educação sexual dos jovens já se disseram muitas coisas, mas a verdade é que muitas vezes estas são desajustadas, criando mitos e propagando mensagens que não atingem os adolescentes.

As perguntas são muitas e por isso as respostas nunca são demais. Consultámos alguns especialistas na matéria, na área da psicologia e sexologia, para tentar perceber que relação é esta, entre o sexo e a adolescência, e quais são efetivamente as principais ideias que os jovens precisam de reter, ou quais as frases sobre sexo que todos deviam ouvir.

Sim! Todos! Todos os jovens, todos os pais e todos aqueles que estão dispostos a colocar a vergonha de parte. Para muitos o tema não é fácil, sendo essencial criar um elo de confiança para ser possível partilhar a dúvida.

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Falar de sexo, ainda é um tabu? Pode ser, muitas vezes. O tema é desconfortável para alguns adolescentes, jovens, adultos e até para os mais velhos. Existem exceções, certamente. Mas as dúvidas existem e se falar delas pode ajudar, então falemos desses grandes tabus, que não precisam de o ser.

Tabu 1: saber dizer “não quero”, “não me apetece”, “eu é que sei”. É possível, sim

Cristina Fonseca, com formação académica em Psicologia, Sociologia e Gestão, é mentora do projeto Famílias Felizes, um programa que percorre o país com a missão “de devolver às famílias o direito a serem felizes, da forma que quiserem e a comunicarem da melhor forma que conseguirem”, segundo palavras da própria.

Sobre o sexo e a sexualidade, a psicóloga conta-nos que ele é percebido pelas raparigas e pelos rapazes, de forma distinta e isso pode esclarecer-nos muito quanto à capacidade de dizer não.

“Afirmam que já ter tido sexo dá estatuto, que os rapazes procuram mais as raparigas que assumem já ter tido relações sexuais porque isso lhes permite viver a experiência mais cedo, que as raparigas cedem muitas vezes à conversa do ‘quero ter sexo contigo’ porque têm receio de se não o fizerem, ficar sem o namorado e que as que têm fama de ‘não deixar fazer nada’ não são tão populares”, conta Cristina Fonseca.

Dizem ainda que ‘as raparigas pensam mais na história de amor e da felicidade e que por isso cedem muitas vezes, porque sabem que se não fizerem há outras raparigas que vão fazer e acreditam que eles vão gostar mais delas por causa disso'”, acrescenta.

O medo da não aceitação ou da perda parecem serem fatores importantes no que toca às relações entre adolescentes. Não fazer sexo, deve ser a resposta às ameaças ou chantagens emocionais e esta é uma mensagem importante que os adolescentes têm de reter, porque apenas eles podem e devem escolher como desfrutar da sua sexualidade.

Ana Carvalheira, Sexóloga e Psicóloga Investigadora no ISPA- Instituto Universitário, revela que a conversa deve ser regra entre parceiros e aconselha os adolescentes a sentirem-se livres para dizer aquilo que querem ou não fazer numa relação. É assertiva: “Expressa-te e sente-te livre para expressar as tuas dúvidas.”

Dizer não parece ser um problema, que na verdade pode evitar outros tantos (problemas).

Tabu 2: o medo da “tal conversa” com os pais. Essa conversa complicada 

A conversa com os pais é uma conversa difícil, tão difícil que é quase necessário tirá-la a ferros a maioria das vezes. Ou então simplesmente…nunca chega a existir! Por culpa de quem? A maioria das vezes, por culpa de ninguém. Nestes assuntos o melhor mesmo é a culpa morrer solteira. Portanto ora aí está o primeiro erro: atribuir culpas.

As dificuldades de comunicação afetam todas as relações, se não é mais cedo é mais tarde. Não é só entre pais e filhos, mas claro, também é. Se não dá para falar com os pais então com quem o adolescente vai falar? A resposta é quase inconsciente: falará com os amigos. E podemos considerar isso uma má atitude? Não. Tudo depende da situação em que o adolescente o fará e, de facto, há algumas que até são benéficas.

A psicóloga, Cristina Fonseca, por exemplo, que desenvolve trabalhos com adolescentes, reuniu-se com três deles, entre os 14 e 17 anos, duas raparigas e um rapaz, para precisamente numa pequena conversa debaterem várias questões sobre o sexo, partilharem as suas opiniões. E conta-nos os pontos-chave da conversa.

“Numa altura em que ainda se educam as raparigas para a abstinência e os rapazes para proteção, o sexo torna-se segundo os adolescentes com quem conversei como ‘uma coisa normal a partir de certa idade’, da qual nunca vão ter à vontade para falar com os pais. Assumem mesmo que quando os pais vêm com a ‘tal conversa’ muitas vezes já é tarde demais e já aconteceram muitas coisas”, explica a psicóloga.

“Já aconteceram muitas coisas” antes da “tal conversa”. O “não estar à vontade” é a principal razão para não falarem com eles, os pais. Mas será sempre assim? Nem sempre e quem o confirma é terapeuta sexual e psicóloga, presidente da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica, Sandra Vilarinho, que esclarece que “os jovens conseguem, quando devidamente orientados nas reflexões sobre os relacionamentos, colocar-se no papel do outro, conseguindo gerar um esclarecimento necessário”.

Falar resolve problemas, antes mesmo de eles existirem. Falar ajuda na generalidade e, se os pais e educadores nas mais diversas esferas puderem fazer parte da aprendizagem, então por que não?

Encontrámos outro mal-feitor: o receio. Esse também é melhor morrer solteiro. 

Tabu 3: o esclarecimento não vale a pena. Ser jovem é não saber nada

A idade é nestas matérias inimiga da sabedoria. Será? Para “saber” é preciso aprender e é necessário que a oportunidade seja a palavra mãe nestes assuntos.

Descartar é mesmo uma ideia que pode ficar de fora se queremos formar e informar os mais novos (e os mais velhos).

Sandra Vilarinho, a propósito dos mitos e fantasmas sexuais que sobrevoam a cabeça dos jovens, realizou, em situações pontuais algumas intervenções sob a forma de sessões de esclarecimento numa escola, em que utilizou a técnica contrária para interagir com os jovens. Ao invés de colocar-lhes perguntas de forma imperativa, evitando causar desconforto, a terapeuta pediu-lhes que em grupo preenchessem um papel onde apontavam as suas questões e dúvidas. Sandra Vilarinho devolveu as respostas por temas e mostrou-se bastante surpreendida.

“Fiquei surpreendida com os jovens. Apesar de algumas ideias erradas sobre alguns assuntos, que são naturais, também geraram questões que são elas próprias surpreendentes para os adultos e suscitam reflexão”, revela.

Relativamente às questões de educação sexual, muitas vezes apenas centradas na divulgação das doenças sexualmente transmissíveis e na prevenção da gravidez indesejada, a terapeuta acredita que é necessário ir mais longe na relação com os jovens e suscitar-lhes outras reflexões importantes, evitando uma atitude negativa e restritiva.

“Os jovens são sempre tratados como mentecaptos, mas devem ser tratados como pessoas que podem ser fantásticas no seu auto-esclarecimento”, explica. “É de evitar uma atitude castigadora e punitiva”, acrescenta.

Sandra acredita que os jovens se sentem constrangidos por estarem integrados numa sociedade bastantes vezes conservadora, e que isso suscita dificuldades na abordagem a estas temáticas que é feita amiúde de forma castradora.

É importante refletir sobre uma sexualidade mais aberta, não no sentido de incentivar relações precoces, mas para explicar que tudo acontece na altura certa e sob várias formas.

“É importante explicar aos adolescentes que a sexualidade não se consagra no encontro que tem de ser necessariamente genital, mas que também se inicia no namoro, no desenvolvimento das questões emocionais”, afirma a terapeuta sexual.

Tabu 4: o corpo é meu inimigo. E isso atrapalha

Tudo começa nas coisas… mais simples! Uma má relação com o corpo não só atrapalha, atrapalha e muito.

Estar à vontade com o corpo e não fazer dele um inimigo é também um dos primeiros passos para a aceitação natural da sexualidade. Para Ana Carvalheira “sentir-se bem com o corpo é uma questão central”, já que “uma boa relação com o corpo evita sofrimento”, acrescenta. A psicóloga considera que os problemas com a imagem corporal dificultam vários aspetos da nossa vida e dão origem a problemas alimentares, sexuais, de auto-estima e humor-deprimido.

Muitos do complexos que surgem associados ao sexo têm a sua origem numa má relação com o corpo e por isso a psicóloga acredita que “aceitar e gostar de si próprio é fundamental para a auto-estima e para uma vivência positiva do sexo”, um alerta que a psicóloga lança.

Ana Carvalheira, dirige-se aos adolescentes e relembra-os que ” a forma como vês o teu corpo, não é o teu corpo, nem a forma como os outros o veem”, explica. Para a psicóloga, a maioria do jovens não percebe que o seu olhar não é justo, já que é feito sempre através de uma lentes escuras e negativas. Vai mais longe e lança outra mensagem positiva para os jovens: “Onde tu vês deformação, os outros veem uma atração!”

Tabu 5: a orientação sexual. O assunto que fica de fora muitas vezes

A orientação ou desejo sexual suscitam dúvidas desde cedo. Sinto-me atraído por quem? Ou porquê? São perguntas que podem reprimir muitas outras respostas face à pressão da família ou à pressão social. Ana Carvalheira é incisiva neste aspeto:

” O que tu gostas não tem de ser igual ao que a maioria gosta. A grande característica da sexualidade é a diversidade e devemos aceitá-la”.

As questões de orientação sexual levantam várias questões aos adolescentes. Sandra Vilarinho conta que no trabalho desenvolvido com os jovens eles colocaram várias dúvidas: como é que as pessoas que estão numa relação homossexual vivem a sua sexualidade ou ainda a diferença entre homossexualidade e transexualidade, foram algumas das questões, que também suscitam curiosidade por falta de esclarecimentos, acredita.

Portanto, mais um erro: jogar ao faz de conta. Se as dúvidas existem é preciso falar delas e se a diversidade é a mãe da sexualidade então não há assuntos proibidos.

Tabu 6: o sexo tem riscos físicos e emocionais. Ignorá-los é o mais fácil 

Relativamente ao desenvolvimento sexual dos adolescentes, a terapeuta Sandra Vilarinho afirma que existe hoje uma grande pressão e revela que “os jovens estão cada vez mais focados na performance, em objetualizar a sexualidade através de uma projeção de números, como o número de orgasmos possível ou o número de ejaculações”. Ou seja, os jovens encaram a sexualidade como um elemento essencialmente mais físico e pouco emocional.

A psicóloga Cristina Fonseca conta-nos a opinião dos jovens:

“Dizem que ‘foram para a cama com a X’ e não utilizam a expressão ‘fazer amor’ até porque segundo eles amor e sexo são palavras que só andam juntas quando já há uma relação longa em que as pessoas conhecem primeiro tudo um do outro, ‘quando as pessoas começam pelo sexo, depois já não há amor, porque já não há muito a conhecer e a descobrir do outro’.”

Questionada sobre aquilo que todos os adolescentes deviam saber sobre sexo, a psicóloga Cristina Fonseca é clara: “Que têm o direito a ter sexo, a ir para a cama ou a fazer amor, desde que saibam em consciência gerir os riscos. Os físicos e os emocionais. Ter as coisas certas e fazer pelos motivos certos”.

A sexóloga e psicóloga Ana Carvalheira, sobre as relações sexuais e os riscos associados, deixa uma pergunta aos adolescentes. “Se tens tanta informação sobre preservativos porque não os usas?” e responde dirigindo-se, mais uma vez a eles: “Não usas porque só estás no presente a viver o momento, mas aqui é preciso deitar o olho ao futuro, porque apanhar o papiloma vírus é uma chatice”, relembra. Um facto: 75% das mulheres apanham o vírus, uma das maiores causas do cancro do colo do útero.

Ignorar pode ser o caminho mais fácil, mas é também o mais arriscado. Para a psicóloga, esta é também uma mensagem que serve para todos:

“Torna-se urgente educarmos para o amor, para o afecto, para a capacidade de construir relação em cumplicidade e partilha e para a edificação de uma noção humanizada de valor o mais dissociada possível do ‘já não ser virgem’ e esse é sem dúvida um trabalho que começa em casa com muitas ‘tais conversas’.  Mais do que ‘falar de sexo’ com os adolescentes o importante é que a noção de corpo, de intimidade e de respeito pelas reações fisiológicas estejam presentes no dia a dia da família”.

Tabu 7: existe uma idade para perder a virgindade e o sexo oral não tem riscos. Ideias comuns, mas erradas

A iniciação sexual gera muitas dúvidas, como revela a terapeuta Sandra Vilarinho, sobretudo sobre o que é ser virgem, ou sobre qual será a idade ideal para deixar de o ser. “Alguns adolescentes consideram que existe uma idade até à qual devem perder a virgindade, acreditando que os 18 anos são o limite. Outros ainda colocam questões como “Tenho 22 anos e ainda sou virgem?”, quando na verdade não existe nenhuma idade normativa e que tudo depende da maturidade, acrescenta.

Ainda sobre as doenças sexualmente transmissíveis, Sandra Vilarinho considera que a falta de informação, apesar de aparentemente abundante, é evidente, já que existem muitos jovens convencidos, por exemplo, de que o sexo oral não é perigoso e é uma prática segura, quando na verdade não podia ser maior o mito.

As especialistas concordam que o mais importante é educar os jovens para um melhor e maior conhecimento da sua sexualidade, não alinhando em práticas punitivas , relembrando aos adolescentes que a sexualidade mais do que uma fonte de prazer é um direito. “Direito a uma sexualidade plena mas consciente, assente na capacidade de conhecer o seu corpo e na coragem de expor os seus gostos e as suas vontades”, acrescenta a psicóloga Cristina Fonseca.