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Sim, os números de novos casos estão a aumentar e têm arrastado com eles uma subida de doentes internados. Há mais dúvidas do que certezas sobre os próximos tempos e a chegada do inverno, quando a gripe vier baralhar as coisas. Mas nem todas as notícias sobre a pandemia de Covid-19 têm sido más: há novidades animadoras sobre os ensaios clínicos das vacinas, histórias de superação e gráficos de esperança. Descobrimos dez que podem ajudar a enfrentar os dados mais desanimadores. Dez provas de que as coisas podem mesmo ainda ficar bem.
Agência do Medicamento está a avaliar vacina de Oxford
A Agência Europeia do Medicamento começou esta quinta-feira, dia 1, a avaliar a vacina que a AstraZeneca e a Universidade de Oxford têm vindo a desenvolver contra a Covid-19. A decisão surgiu depois de os “resultados preliminares de estudos não-clínicos e clínicos iniciais sugerirem que a vacina desencadeia a produção de anticorpos e células T”.
A agência explicou que esta revisão “é um dos instrumentos regulamentares que utiliza para acelerar a avaliação de um medicamento ou vacina promissora durante uma emergência de saúde pública”. A avaliação será contínua e “continuará até estarem disponíveis provas suficientes para apoiar um pedido formal de autorização de comercialização” — tal como aconteceu quando foi autorizada a utilização de Remdesivir no tratamento da Covid-19.
Isto não significa que a vacina da AstraZeneca/Universidade de Oxford já tenha sido aprovada ou sequer que já foi comprovada a sua segurança e eficácia. “Muitas das provas ainda estão por apresentar ao comité”, disse a agência. Mas esta será a primeira vacina a ser revista por aquela instituição — um sinal de esperança na busca por soluções para travar a pandemia. Será provavelmente assim a primeira a chegar ao mercado.
Vacina da Moderna parece funcionar nos mais velhos
Os ensaios clínicos de fase 1 da vacina mRNA-1273, que está a ser desenvolvida pela farmacêutica norte-americana Moderna, demonstraram que desencadeou uma resposta imune forte em adultos com mais de 55 anos. Os resultados foram publicados esta terça-feira, 29, na publicação científica New England Journal of Medicine e abrem uma esperança para os adultos mais velhos, tendencialmente mais vulneráveis a uma infeção pelo novo coronavírus.
Esta fase dos testes laboratoriais começou em março deste ano, mas foi expandida ao fim de um mês para adicionar mais 40 voluntários — metade com entre 56 e 70 anos e outra metade com 71 anos ou mais. Em cada uma destas faixas etárias, dez voluntários receberam duas doses mais pequenas da vacina (25 micrómetros), administradas com um mês de diferença; e outros dez receberam doses mais altas, também elas tomadas num mês (100 micrómetros). A Moderna concluiu que a vacina “pode gerar anticorpos neutralizantes em adultos mais velhos e idosos em níveis comparáveis aos dos adultos mais jovens”.
Alguns dos voluntários reportaram febre e uma sensação de fadiga como efeitos secundários, mas mesmo estes exibiram uma boa resposta imunológica à vacina. Para a empresa norte-americana, “dada a maior letalidade da Covid-19 nos adultos mais velhos e idosos, estes dados dão otimismo para demonstrar a proteção do mRNA-1273 nesta população”.
OMS vai distribuir testes rápidos em países mais pobres
É uma boa notícia sobretudo para os países em desenvolvimento. A Organização Mundial de Saúde (OMS) prepara-se para distribuir globalmente um tipo de testes que fornece resultados sobre uma infeção pelo novo coronavírus em 15 a 30 minutos. É semelhante a um teste de gravidez, custa pouco mais que quatro euros no máximo e deteta as proteínas que compõem o vírus, como os espigões que o SARS-CoV-2 tem à superfície.
Há duas marcas destes testes de antigénio: uma que já recebeu uma autorização de emergência da OMS para iniciar a produção; outra que deve receber essa mesma autorização em breve. Mas ambas funcionam da mesma maneira — se o teste for positivo e a pessoa estiver infetada, surgem duas linhas azuis na janela de leitura. Ambas as marcas estão a reservar 20% do stock para os países em desenvolvimento.
Há outras alternativas em investigação, como os testes com base em saliva que estão a ser desenvolvidos no Reino Unido. Mas os testes de antigénio aprovados pela OMS serão mais rápidos, mais baratos e mais fáceis de utilizar. A ideia é usá-los numa estratégia de testagem massiva dos profissionais de saúde nos países mais pobres, assim como nas escolas e locais de trabalho dessas regiões.
A taxa de letalidade mundial da Covid-19 baixou
Há cada vez mais pessoas que, após serem infetadas pelo novo coronavírus, sobrevivem à Covid-19. É o que revelam os dados mais recentes da plataforma Our World in Data, da Universidade de Oxford, alimentada pelas informações publicadas diariamente pelo Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC).
O rácio entre o número de mortes atribuídas à Covid-19 e o número de casos de infeção pelo novo coronavírus contabilizados em todo o mundo chegou a um pico entre meados de abril e o início de maio, após uma subida em flecha desde meados de março. Nessa altura, por cada 100 pessoas diagnosticadas com uma infeção pelo SARS-CoV-2, sete morriam.
Mas desde aí que a taxa de letalidade mundial da Covid-19 tem diminuído sem parar. Os dados reportados na terça-feira, 29 de setembro, às autoridades de saúde mundiais, dizem que a taxa de pessoas infetadas que morre de Covid-19 é agora de 3%, ou seja, menos de metade do registado há quatro meses.
Esta tendência também está a ser verificada em Portugal. Por cá, a taxa de letalidade ultrapassou os 4% no pico da epidemia, mas desde o início de junho que continua a baixar. Na última terça-feira, o rácio português era de 2,6% — ou seja, por cada 100 portugueses infetados, só entre dois a três morrem por Covid-19. Portugal continua assim abaixo das contas mundiais.
Vacina intra-nasal funcionou em furões na Austrália
A vacina que está a ser desenvolvida pela Ena Respiratory, uma biotecnológica australiana, parece ter diminuído significativamente a carga viral de SARS-CoV-2 num ensaio laboratorial conduzido em furões. INNA-051, assim se chama o medicamento, pode ser pulverizado no nariz pelo próprio utilizador uma a duas vezes por semana. E, de acordo com os dados anunciados numa pré-publicação colocada na plataforma bioRxiv, terá diminuído a quantidade de vírus em 96% no nariz dos animais.
Com os resultados promissores anunciados na segunda-feira, que indicam uma resposta imune forte contra o vírus, a Ena Respiratory espera iniciar os ensaios clínicos em humanos nos próximos quatro meses. “Ao aumentar a resposta imune natural dos furões com o nosso tratamento, vimos uma rápida erradicação do vírus. Se os humanos responderem de maneira semelhante, os benefícios do tratamento são imensos“, anunciou a empresa.
São boas notícias que também podem trazer esperanças a Portugal. É que há uma empresa em Cantanhede — a Immunethep — que está a desenvolver uma vacina intra-nasal composta pelo SARS-CoV-2 inativado e que tem por função proteger o sistema respiratório, o mais afetado por uma infeção pelo novo coronavírus. A Immunethep vai começar em outubro os ensaios clínicos em ratos.
Tratamento com plasma mostra potencial
O Trinity Health Of New England, uma rede de hospitais e centros de saúde britânica, anunciou na terça-feira que o tratamento com o plasma doado pelos recuperados da Covid-19 parece resultar se for administrado muito cedo aos novos infetados. “Os resultados sugerem que o plasma convalescente é seguro e tem potencial para um impacto positivo nos resultados clínicos, incluindo recuperação e sobrevida, se administrado a pacientes no início da Covid-19”, anunciou.
O plasma é a parte líquida do sangue e, no caso dos doentes recuperados da Covid-19, contém não só proteínas, hormonas, minerais e nutrientes, como também os anticorpos contra o novo coronavírus. Por isso, ao transferir o plasma dos convalescentes para os doentes de Covid-19, transferem-se também os anticorpos, que reconhecem as moléculas na superfície do vírus, revestem-nas e impedem a sua entrada nas células.
Esta é, pelo menos, a teoria, mas estes são os primeiros ensaios a testá-la na prática. De acordo com o Trinity Health Of New England, que experimentou esta estratégia em 38 pessoas, quem recebe o plasma convalescente no início da progressão da doença parece ter menos probabilidade de morrer e necessitar de menos tempo de intermanento hospitalar, quando comparado com quem recebe o tratamento numa fase posterior da doença.
Medidas contra Covid-19 podem contribuir para menor incidência de gripe
As autoridades de saúde portuguesas anteciparam o início do programa de vacinação contra a gripe, que arrancou esta segunda-feira para os idosos, trabalhadores em residências para idosos, profissionais de saúde e grávidas. Com mais uma epidemia prestes a entrar em Portugal, o Sistema Nacional de Saúde começou mais cedo a preparar-se para o impacto, de modo a poupar os hospitais e centros de saúde.
A boa notícia é que muitas das medidas que foram implementadas para controlar a disseminação do novo coronavírus — como o distanciamento social, a limitação nos ajuntamentos, a utilização de máscaras e o cuidado com a etiqueta respiratória — também podem ajudar a diminuir a transmissão do vírus da gripe sazonal.
Aliás, ao Observador, Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública e membro do gabinete de crise da Ordem dos Médicos, explicou que se espera “uma menor incidência da gripe” este ano, precisamente por causa dessas novas regras. “Foi isso que vimos no hemisfério sul”, recorda o médico. Isso pode simbolizar uma maior disponibilidade de recursos para gerir os casos de Covid-19 que necessitam de acompanhamento hospitalar, ainda que os hospitais tenham neste momento áreas conjuntas para Covid e doenças respiratórias, uma das decisões tomadas com o plano outono-inverno.
Mais: de acordo com um estudo do Centro de Cardiologia Monzino, em Itália, as regiões com uma maior cobertura vacinal da gripe sazonal no passado parecem registar uma menor taxa de letalidade por Covid-19 nas pessoas com 65 anos ou mais. “A prevalência de infeções por SARS-CoV-2, internamentos em hospitais com sintomas atribuíveis à Covid-19, internamentos em cuidados intensivos e mortes foram maiores onde a vacinação tinha sido inferior”, indica o estudo noticiado pelo La Repubblica.
Os motivos não são completamente claros, mas é possível que “as vacinas tenham levado à imunidade cruzada mesmo contra outras patologias infecciosas”, explicou Mauro Amato, o investigador que liderou esta análise. Ou seja, como as vacinas podem promover uma resposta imune generalizada (não apenas contra o agente patogénico para que foram programadas), isso pode ter fortalecido o organismo de algumas pessoas contra o SARS-CoV-2.
O número diário de recuperados da Covid-19 é cada vez maior
Tem sofrido muitos altos e baixos, mas sempre com tendência a crescer: o número global de pessoas que todos os dias são dadas como recuperadas da Covid-19 é cada vez maior. Os dados mais recentes referem-se à última segunda-feira, dia em que 266.413 pessoas foram registadas como livres do novo coronavírus. As métricas tinham chegado a um novo pico a 18 de setembro, quando se contabilizaram 298.473 novos recuperados em 24 horas.
Nunca estes números foram tão altos como agora. A percentagem de pessoas infetadas que foram dadas como recuperadas da Covid-19 em todo o mundo chegou a ultrapassar os 94% no início de março, mas já tinha baixado drasticamente para os 77% no início de abril. Desde essa altura que voltou a subir a pique, e depois mais paulatinamente a partir do verão. Agora, a taxa de recuperação já vai nos 96,13%, ou seja, por cada 100 casos fechados de infeção pelo novo coronavírus, 96 recuperaram da Covid-19.
Em Portugal, e já contando com os dados tornados públicos esta quarta-feira pela Direção-Geral da Saúde (DGS), já são 48.530 os infetados pelo novo coronavírus que recuperaram da Covid-19. Embora o país tenha agora o maior número de casos ativos desde o início da epidemia, a esmagadora maioria (97,3%) desenvolveu uma doença leve ou moderada que pode ser tratada em casa, anunciou a ministra da saúde, Marta Temido. Apenas 2,3% dos doentes atuais precisam de assistência em enfermaria e 0,4% estão nos cuidados intensivos.
Quem já esteve exposto a outros coronavírus pode estar mais imune
É uma das teorias para explicar como é que algumas pessoas que nunca contactaram com o SARS-CoV-2 pareçam ter linfócitos T específicos para o combate a este vírus. Segundo o relato que surge no estudo publicado na Nature, 85% dos casos analisados entre os infetados tinham estas células, mas 35% das pessoas que nunca estiveram infetadas também.
Os investigadores ainda não conseguiram perceber nem a origem destas células, nem quão capazes são de enfrentar o vírus da Covid-19. No entanto, especulam que estes linfócitos T podem ter sido criados a partir do contacto com outros coronavírus, nomeadamente aqueles que provocam as constipações: “As células T de indivíduos saudáveis reagem ao SARS-CoV-2 porque estiveram já expostas previamente aos coronavírus endémicos do resfriado comum”, descreveu Claudia Giesecke-Thiel, uma das autoras.
“Uma das características das células T é que não são apenas ativadas por um patógeno com um ajuste exato, mas também patógenos semelhantes”, prosseguiu a investigadora. A este mecanismo os cientistas chamam imunidade cruzada — o mesmo fenómeno que pode estar na origem da menor incidência de letalidade por Covid-19 nas zonas com mais cobertura vacinal em Itália. Mas ainda não há certezas sobre este tema e os cientistas continuam a investigar.
Há quem esteja imune ao novo coronavírus sem nunca ter tido Covid-19
Há centenários a sobreviver à Covid-19
O novo coronavírus é especialmente cruel para os mais velhos, mas têm sido reportados casos de sobrevivência entre doentes centenários que se tornaram símbolos de esperança. “P”, um italiano de 101 anos, é um deles: nasceu durante a Gripe Espanhola, sobreviveu ao vírus que vitimou milhões de pessoas em todo o mundo e agora também escapou à Covid-19. Lina, também ela italiana, é outro exemplo: veio ao mundo durante a I Guerra Mundial, assistiu à II Guerra Mundial, Guerra Fria, Guerra do Vietname e a todos os grandes conflitos do século XX. Aos 102 anos, sobreviveu à Covid-19.
Em Espanha, Máxima, uma centenária de Albacete, teve alta do hospital após duas semanas de internamento. Após muita atenção dos profissionais de saúde, medicamentos e uma série de exames, livrou-se do novo coronavírus e regressou a casa para junto do filho. “Acho que aguentou com o coronavírus por causa do mau feitio que tem”, justificou ele em entrevista a um jornal regional.
Do outro lado do Atlântico, William Lapschies, um norte-americano veterano da II Guerra Mundial, sobreviveu à Covid-19 aos 104 anos. O idoso foi das primeiras pessoas em Oregon a desenvolver a doença e viu-se obrigado a celebrar o aniversário em confinamento na Residência para Veteranos Edward C. Allworth — os funcionários penduraram balões à porta do lar e deixaram a família cantar os parabéns à distância. Depois recuperou: “O vírus simplesmente foi-se embora”, garantiu ele a um jornal local.
No Brasil, Maria José Bastos, 100 anos, também sobreviveu ao novo coronavírus. Em maio, queixou-se de cansaço e de dificuldade em respirar. O teste à Covid-19 veio positivo. Maria José teve de ser internada durante duas semanas para receber oxigénio, mas nunca chegou a necessitar de ventilador. O estado de saúde foi melhorando de dia para dia até que, a 4 de julho, foi dada como recuperada. À saída do hospital, foi recebida com aplausos.
“P”, Máxima e Lina nasceram em plena Gripe Espanhola. Agora sobreviveram à COVID-19