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Luísa Ferreira

Luísa Ferreira

20 anos de Lux Frágil, o lugar que nunca foi uma discoteca

Na moda, na música, nas artes plásticas, no design, na performance e no vídeo – em tudo isto, o Lux Frágil faz 20 anos. A exposição inaugura a 12 de setembro. A festa, essa, pode esperar.

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Há 20 anos, Lisboa descobria um admirável mundo novo. A Expo ’98 mudava radicalmente a paisagem da cidade a Oriente, o Metropolitano de Lisboa estendia um novo e grande braço com a inauguração das seis estações que compunham a Linha Vermelha, José Saramago discursava perante a academia sueca, depois de ter recebido o Prémio Nobel da Literatura, Pina Bausch estreava no Centro Cultural de Belém um espetáculo inédito, inspirado na capital portuguesa, João Soares era presidente da câmara. Em Santa Apolónia, entre expectativas e certezas absolutas, abria o Lux Frágil.

Não era uma completa novidade, pelo menos para a legião de amigos e habitués reunida ao longo de 16 anos de Frágil, na Rua da Atalaia, Bairro Alto. A promessa era a mesma, mas com mais espaço e janelas a rasgarem a vista para o rio. Na primeira noite, a 29 de setembro de 1998, o velho edifício do Cais do Trigo, quase centenário na verdade, encheu. A multidão mal coube dentro das quatro paredes, transbordou e ocupou a área exterior. O fascínio foi o denominador comum. O espaço, outrora uma oficina de automóveis, apresentava-se renovado pelas mãos, mas sobretudo pelo génio, de Manuel Reis. E eram dele os móveis que o decoravam. “Pareciam móveis de casa, havia qualquer coisa de caseiro ali”, conta ao Observador o artista plástico João Pedro Vale.

Antes do Lux, no edifício de 1910, funcionava uma oficina de automóveis © Divulgação

Divulgação

“Foi como se estivesse a ir a uma festa que ia durar para sempre”, continua. “Liberdade”, “identificação” e “identidade”, “novo”, “especial” e “único”, “segurança”, “experimentação”, “individualidade”, “desafio” e “família” — as palavras são frequentes nas histórias de quem descreve o clube, emblema de Lisboa, na primeira, na segunda e nas muitas outras noites que se seguiram. Durante as últimas duas décadas, a mesma casa trabalhou em dois compassos diferentes: uma programação regular de concertos e de DJs residentes e convidados que reuniu, semana após semana, centenas de aficionados da noite, forasteiros de passagem pela cidade, estreantes e amigos de longa data, e uma sucessão de festas temáticas que marcaram uma era. Os cenários eram irrepetíveis, a atmosfera nem se fala.

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As encenações, para as quais eram convocados figurinos, instalações de arte, performers, playlists, instrumentos de comunicação, luzes e vídeos inéditos, tornaram-se paradigmas da noite lisboeta. Saias, fetiches sexuais, mestres do cinema e ícones da cultura pop — tudo serviu de rastilho às noites épicas do Cais de Santa Apolónia. Quando ficava demasiado pequeno, o Lux vinha para a rua, armava a tenda, subia pelas paredes e abria as pernas. A melhor discoteca do país? Elogio simplista e redutor para um lugar onde sempre confluíram todas as expressões artísticas. Mais do que dançantes, as madrugadas e matinés eram de um hedonismo refinado.

As histórias que o Lux conta #1: João Pedro Vale

Tinha 20 anos e estava a acabar o curso na Faculdade de Belas-Artes, em Lisboa, quando entrou na Loja da Atalaia, no Bairro Alto. Sabia que ia abrir um novo clube junto ao rio, que era do mesmo dono do Frágil e que o processo de recrutamento já estava em marcha. “Candidatei-me, mas ele [Manuel Reis] não aceitou. Disse-me que tinha de ir ser artista”, conta João Pedro Vale. Mais uma vez, confirmava-se o que muitos diziam e continuam a dizer de Manuel Reis — que via algo nas pessoas, que tinha uma capacidade praticamente imediata de reconhecer nelas o seu potencial e que, quando assim era, as incentivava.

Do Frágil, tinha vivenciado a fase final. No Lux, entrou logo na primeira noite, mas só porque foi à boleia de Ana Pérez-Quiroga (sim, a escultora), amiga em comum entre ele e a comunidade fragiliana. Sentiu-se um jovem debutante e, apesar de não estar num baile elitista, num campo simbólico, foi isso que aconteceu. Não voltou a largar aquela pista. “Ia com frequência e ia por duas razões: porque era o sítio que estava a dar e porque ia ter com o meu namorado, o Nuno, já que ele tinha sido aceite”, explica. Não foi preciso esperar muito até ver a relação subir de tom. Em 2001, foi convidado para participar num festival de performance com o erotismo como tema. O palco era o Lux e João quis utilizar uma cortina, que já tinha feito parte da decoração da casa, como elemento central.

"Rainbow Kiss", a instalação de João Pedro Vale na fachada, em 2010 © Miguel Manso

Para o Lux, João Pedro Vale levou muitas outras criações, ao mesmo tempo que as suas peças começavam a percorrer a Europa. “Ele ligava-me: ‘Anda cá jantar, vamos pensar em ideias’. Umas eram visíveis, outras não. Nem sempre era um objeto, podiam ser só ideias, do género ‘vamos encher o terraço com balões'”, conta.

Lux Frágil, a ditar tendências desde 1998

Malícia no País das Maravilhas, a festa que jamais se vai apagar da memória de quem lá esteve. Foi em maio de 2005 e o nome já dá uma pista do que lá se passou. O fetichismo era o mote, havia uma cama na pista, uma jaula com gente dentro, uma chicotada leve logo à entrada e um Super Napron feito por Joana Vasconcelos. O Lux continuava a mostrar que sabia dar uma festa e que não era só pela qualidade da música e pelo apelo do bar. “Essa performance marcou-me”, afirma João Pedro Vale. “Vestimo-nos de forcados, eu e mais sete rapazes, mas só da cintura para cima. De resto, tínhamos saltos altos e collants e ficávamos nas escadas a receber as pessoas”, acrescenta.

Moda, um carro-chefe das encenações que faziam das festas do Lux momentos memoráveis. “O Lux é um palco da minha obra, como é a ModaLisboa”. As palavras são de Dino Alves, até hoje, parte da equipa que construiu aquele lugar em todas as suas dimensões. A sua história e a do Lux entrecruzam-se e, mesmo com outros designers de moda portugueses a colaborarem com a casa, como foi o caso de Filipe Faísca (frequentemente convidado, por vezes, até para trabalhar em conjunto com Dino), Alexandra Moura e Lidija Kolovrat, Dino Alves foi sempre uma presença constante. “Nas festas de aniversário, chegava a vestir 50 e 70 pessoas. Na semana a seguir, muitas vezes, era o desfile na ModaLisboa. Sempre consegui fazer tudo porque esta energia e este gozo funcionam como motor. E o que fazia no Lux acabava por influenciar o desfile. Numa das festas, a da saia, era preciso pensar nas roupas, na performance, nas imagens para o convite. Nessa estação, só fiz saias”, explica o criador.

Em 2006, a festa do 8º aniversário do Lux teve como tema o cinema de Fellini e Almodóvar © Luísa Ferreira

LUISA FERREIRA

Dino Alves sempre teve as mãos na roupa e no styling e uma palavra a dizer na direção criativa da casa. Fazia parte da leva de amigos que vinha do Bairro Alto, onde, aliás, tudo começou, até a moda. “Tinha participado nas Manobras de Maio e o Manuel Reis reparou logo em mim. Eu vinha de Pintura, não tinha saído de uma escola de moda. A minha linguagem era ainda mais artística do que é hoje, era completamente inconsciente nessa altura. Fazia o que bem me apetecia, estava-me nas tintas. Logo a seguir, ele organizou um evento de moda nas ruas do Bairro Alto e convidou-me”, conta.

A partir daí, a colaboração foi-se estreitando: hoje era para vestir a porteira do Frágil, no dia a seguir era a festa do 10º aniversário do bar na antiga Fábrica da Tabaqueira, em Xabregas, e a passagem de ano no Convento do Beato. Quando o Lux chegou, em 1998, já havia um portefólio conjunto. “Ele não queria condicionar a criatividade de ninguém, nem mesmo no que tinha a ver com os custos. Por isso é que o Lux se tornou numa espécie de galeria, tudo se faz lá dentro e tudo tem uma autoria. Os convites das festas vêm sempre com os nomes dos designers de luz e de moda, dos arquitetos, dos artistas plásticos… As pessoas entram num sítio e não percebem que tudo o que estão a ver foi pensado por muitas pessoas. Ele fez com que percebessem”, afirma.

"A Noiva", o lustre de Joana Vasconcelos feito para as escadas do Lux © Luísa Ferreira

LUÍSA FERREIRA

Cabelos, maquilhagem, roupas e acessórios — a exuberância teve o seu tempo, mesmo dentro do Lux, sobretudo dentro do Lux. “Aquelas imagens e aquele styling na porta e nos bares… aquilo não se fazia em lado nenhum. Mas, a partir daí, todos os eventos começaram a copiar. Banalizou-se. Daí que, há sete ou oito anos, o Manel tenha decidido parar um bocadinho”, explica o designer. Hoje, a estética que adotou é bem mais minimal e discreta. Sem revelar detalhes, por estes dias, trabalha nas fardas da festa do 20º aniversário, marcada para dia 2 de outubro.

Dino Alves e João Pedro Vale têm as peças que produziram para o Lux bem presentes. O primeiro recorda um casaco exuberante feito de tule e flores e a festa em que decidiu reinterpretar a estética punk através de uma lente do século XIX. O segundo relembra ainda “O dia pela noite”, de 2010. O programa, desenvolvido em parceria com a Fundação EDP, levou ao Lux dez instalações de dez artistas, durante dez meses. João inaugurou o ciclo com “Rainbow Kiss”. A estrutura pintava a parede da entrada de cor-de-rosa, tinha nuvens e um arco-íris em constante movimento. Como remata Dino Alves, “O Lux não nos ofereceu só diversão, ofereceu-nos cultura”.

As histórias que o Lux conta #2: Yen Sung

Yen Sung entrou lá pela primeira vez em 1997, ainda o Lux estava por vir. A caminho dos 30, já punha música no Frágil há cinco anos. O Bairro Alto era a referência, mas a noite de abertura mostrou que ali era possível fazer mais. “Acho que não fui a primeira a pôr música nessa noite, mas, mesmo antes das pessoas chegarem, percebi que havia muito espaço para deixá-la respirar. Não fazia sentido pôr só música com muita batida. Havia espaço para mais”, conta ao Observador. Com a inauguração do clube, abriu-se-lhe o mundo. Começou a viajar, a dar música a outros clubes e a perceber que o Lux se destacava de todos eles. “Era realmente especial, havia liberdade para nos expressarmos”, continua.

Yen Sung, DJ residente do Lux, numa das festas do Lux © Luísa Ferreira

LUISA FERREIRA

Lembra-se de quando se vestiu de bailarina, inspirada por uma qualquer personagem de Fellini ou Almodóvar. Era o oitavo aniversário, em outubro de 2006, e o tutu tinha sido alugado numa loja de Campo de Ourique, para onde Manuel Reis encaminhava os amigos, sempre que a festa exigia um dress code rigoroso. O tema girava em torno dos universos desses dois mestres do cinema e a entrada era feita pelos armazéns logo ao lado. Os convidados escolhiam uma das cinco portas e percorriam um longo corredor até ao clube. “Praticamente, toda a gente se mascarou”, recorda. Hoje, continua a ser DJ residente do Lux e, para descrever essa noite, recorre à expressão “aceitação”. “Apercebi-me que tínhamos conquistado uma autoconfiança”, confessa.

“Há 20 anos, já punha música, mas não era um nome sonante, cresci imenso. Para mim, o Lux foi uma espécie de universidade de DJing, o Frágil foi o liceu. Também foi importante, mas a universidade dá-nos aquela sabedoria”, explica.

De Prince a Dita Von Teese: seis momentos “lux-fragilizantes”

A 15 de dezembro de 1998, menos de três meses depois da grande abertura, o edifício ainda estava quente. Prince, pela segunda vez em Portugal, atuava no Pavilhão Atlântico. Sorte a dos que estiveram no Lux nessa noite. Foi para lá que seguiu o cantor, para uma festa privada, e foi também lá que surpreendeu os presentes com uma atuação inesperada. Atuação? A prestação no clube lisboeta roçou o concerto. Prince interpretou temas de Chaka Khan, de Al Green e de Sly and the Family Stone e originais seus, entre eles “Alphabet Street” e “Girls & Boys”.

A Festa das Saias, em 2004 © Luísa Ferreira

LUÍSA FERREIRA

Cinco anos depois, mais uma aparição internacional. Mas esta foi anunciada. Se as festas de passagem de ano do Lux criaram fama durante estes 20 anos, a de 2003 para 2004 ficou para a história. Dita Von Teese, dançarina de burlesco e entertainer no geral, esteve lá e apresentou-se em quatro números. Houve leques de plumas, a famosa taça de champanhe gigante e um sapato vermelho de grande escala. A equipa do Lux seguiu o mesmo dress code, vestida por Dino Alves e Filipe Faísca e maquilhada por Antónia Rosa.

Em 2004, Madonna quase foi ao Lux. A Re-Invention World Tour passou pelo Pavilhão Atlântico, naquela que foi a primeira vez da cantora em Portugal, e com duas datas: 13 e 14 de setembro (o primeiro espetáculo acabou por dar origem ao DVD da digressão). Na primeira noite, uma segunda-feira, o plano era ir ao Lux. Correu mais ou menos como previsto. Toda a equipa de Madonna foi, menos a própria. No mesmo ano, o Lux pôs toda a gente a usar saia, mulheres e homens. A Festa das Saias ficou como uma das mais icónicas destes 20 anos, embora não tenha ficado só por uma edição. O staff, escusado será dizer, estava vestido a rigor.

E quando o Lux abriu as pernas? Bem, foi por uma boa causa, afinal era o 10º aniversário. “Hon”, peça erguida pelos artistas Niki de Saint Phalle, Jean Tinguely e Per Olof Ultvedt no Moderna Museet de Estocolmo, em 1966, inspirou o clube lisboeta a instalar duas pernas gigantes abertas à porta. No meio, estava a entrada para a festa. E porque dois membros daquela envergadura merecem ser apreciados durante mais do que uma noite, a instalação ficou à porta do Lux até março de 2009.

https://vimeo.com/8553594

O tempo passa a correr e, de repente, já estávamos em 2013. O aniversário desse ano (o 15º) decorreu sem sobressaltos, mas, como já era hábito, com requintes de originalidade. Além de um convite sonoro, nessa noite, quem chegou ao Cais de Santa Apolónia surpreendeu-se com duas convidadas ilustres: Poderosa e Vigorosa, as duas gruas colossais do Porto de Lisboa. Posicionadas mesmo ao lado do clube, seguravam as colunas (autênticas plumas, comparadas com os contentores de carga) que davam música ao espaço exterior.

O ano de 2016 ficou marcado pelo regresso das grandes festas temáticas ao Lux. A primeira foi logo em janeiro, em homenagem a David Bowie. O momento foi organizado em tempo recorde (uma semana), com direito a figurinos para o staff, projeções de vídeo, materiais gráficos e playlists, tudo feito à medida de Loving the Alien. Quem foi esteve à altura. Em março, a festa assumiu contornos de crowdfunding. Em parceria com o Museu Nacional de Arte Antiga, em campanha para conseguir comprar a obra “Adoração dos Magos”, do pintor português Domingos Sequeira, o Lux conseguiu angariar 13.000 euros. Nada mau para uma matiné de domingo.

As histórias que o Lux conta #3: José Pinheiro

O Frágil podia não ter muita superfície útil para dar largas ao talento de José Pinheiro como VJ (video jockey), mas o Lux tinha de sobra. A arte era ainda pouco explorada em Portugal e, além dele próprio, José recorda outros nomes a quem foi dada a oportunidade de apresentar trabalho no clube de Santa Apolónia — Miguel Maurício, Hugo Barbosa, João Pedro Gomes, à semelhança de tantos outros. Dentro daquelas quatro paredes, o vídeo sempre foi uma arte nobre, mas também ferramenta sempre que se filmavam concertos, sports promocionais para a internet, wallpappers para o bar e que se trabalhava o vídeo integrado com a luz. As artes estavam integradas. “Já era cliente do Frágil e, conhecendo o Manel e o seu percurso, sabia que ele queria praticar essas transversalidades noutra escala”, explica o realizador. “O prazer que dá trabalhar no Lux é poder trabalhar em várias áreas”, acrescenta.

Em janeiro de 2016, o Lux celebrou David Bowie com a festa Lonving the Alien © Luísa Ferreira

LUISA FERREIRA

Mas voltemos a 29 de setembro de 1998. José tinha passado o dia a trabalhar. Gravava uma campanha publicitária para a Super Bock, ali para os lados de Xabregas. Despachou-se às tantas e, a caminho de casa, passou em frente ao recém-inaugurado Lux. Levava a bagageira do carro meio aberta para poder transportar a mesa e o sofá que tinha emprestado para as filmagens. “Eram umas quatro da manhã ou mais e estava tudo cheio de gente, na rua e tudo”, recorda. Foi a casa, tomou banho, rumou à festa e ficou até de manhã.

Depois dessa, vieram outras noites, umas a dançar, outras a ressacar de jornadas de trabalho árduo. A última foi em janeiro de 2016, quando o telefone tocou à saída do hospital. “Estava a recuperar de uma pneumonia, proibido de trabalhar pelo médico”, admite. Era Manuel Reis, com uma semana para montar a festa Loving the Alien, a homenagem a David Bowie. A partir daí, foi tudo, no mínimo, louco, mas aconteceu. Através da arte de José Pinheiro, Bowie tomou conta das paredes do Lux. A relação continua. O realizador, que em 2006 assinou o documentário Brava Dança, com Jorge Pereirinha Pires, gravou o spot da exposição para o Facebook e para o Instagram e foi também autor de uma instalação de vídeo que fez parte da festa de 31 anos de carreira de Rui Vargas, no último dia 1 de setembro. A efemeridade dos objetos não é problema, pelo contrário. “Dá gozo fazer as coisas só para uma noite. Quem viu viu, quem não viu não viu”.

Paradisaea: o Lux numa exposição

Em dezembro de 2017, o telefone de Fernando Brízio tocou. Era Manuel Reis. Queria que fosse ele a desenhar e a assumir a curadoria de uma exposição dos 20 anos, ele que nunca foi um habitué do Lux — diz que, em duas décadas, terá lá ido umas cinco vezes, se tanto. Desafio aceite. Em março deste ano, Manuel Reis, o astro criativo de Lisboa, morreu. O Lux continua e a exposição “Paradisaea” inaugura no dia 12 de setembro. “Era um convite que não podia recusar, pela história do Lux e pelo prazer que me dá, obviamente”, explica o designer.

Convite para a inauguração do Lux © Susana Pomba

Divulgação

No Hub Criativo do Beato, local escolhido para manter a bússola apontada para Oriente, há cerca de 2000 m2 para expor fragmentos desta história. Os suportes variam — flyers, jornais, convites, roupas, vídeos, objetos das mais diversas escalas e fotografias, muitas fotografias — e estão divididos por três núcleos. Luísa Ferreira é a fotógrafa do Lux, desde o primeiro dia. Já perdeu a conta às noites e contabilizar os disparos da máquina é simplesmente sobre-humano. “Vai ser bom ver tantos materiais reunidos, vai um despertar de memórias”, afirma Luísa ao Observador. “A Malícia, a festa dos oito anos, a Dita Von Teese, o Bowie, a Grace Jones… Como fotógrafa, o trabalho no Lux é um projeto de vida”, conclui.

A quem pensou o Lux, Fernando Brízio reconhece uma “sensibilidade especial”. Durante os últimos meses, mergulhou no arquivo do clube. As fotografias de Luísa Ferreira permitiram-lhe montar a cronologia completa e documentar objetos já perdidos ou instalações impossíveis de reerguer. Ainda assim, vieram para o Hub Criativo do Beato aquilo a que chama “objetos paradigmáticos”, entre eles “A Noiva”, o lustre de Joana Vasconcelos, o sapato onde dançou Dita Von Teese, inicialmente construído com escadas e um varão e mais tarde alterado, e a gaiola que marcou a noite de todos os fetiches. Mais do que fazer reviver momentos a quem lá esteve, o objetivo reunir num só espaço todas as peças que compõem aquele lugar na sua identidade estética e conceptual. E não, uma visita a esta exposição não é o mesmo que ir ao Lux. “A ideia não é criar um dispositivo que mimetiza o Lux, ou seja, quem não vai ao Lux não vem aqui e fica a perceber o que se passa lá dentro. Para isso, deve-se ir ao Lux. Aqui, é para falar do processo de construção e mostrar parte dos objetos que ajudam a criar essa identidade”, completa.

O Lux tem um arquivo vasto de capas, flyers e cartazes © Divulgação

Divulgação

Pelo caminho, houve surpresas. “O Lux era uma plataforma de trabalho que dava a designers e artistas provenientes das mais diversas áreas um espaço de liberdade e de experimentação. Foi o caso do Ricardo Mealha que, para além de objetos de comunicação, fez vídeos. Descobrimos umas cassetes de VHS e fizemos transcrições de 1999. Não conhecia esse trabalho de vídeo dele e é realmente surpreendente”, conta.

“O Lux é feito por quem o fez estando cá”, diz Pedro Fradique, programador de serviço. Para ele, a exposição foi pensada também com o objetivo de dar a conhecer a mais pessoas o trabalho de quem passou por este palco coletivo nas áreas da luz, do som, da arquitetura, das artes plásticas, da moda, do vídeo, do design de produto e do design gráfico. A diversão noturna passa para segundo plano e, quem ainda não tinha chegado lá, pode agora compreender que o Lux é muito mais do que uma discoteca. Durante 20 anos, o clube construiu-se como polo cultural. “O Lux tem esta particularidade de existir mesmo para quem não vem cá. Há uma pertinência que transcende o próprio espaço”, acrescenta.

Na exposição, a acompanhar alguns dos vídeos vai estar uma playlist preparada pelos DJs residentes. Ainda sem detalhes para adiantar, “Paradisaea” (título escolhido por ser a forma latinizada da palavra grega paradeisos, que significa local de prazer) terá também uma programação paralela composta por visitas guiadas e conversas, sempre fora do Lux. Para já, os primeiros nomes apontados são os de João Botelho e de Catarina Portas.

As histórias que o Lux conta #4: Joana Barrios

A porta do Lux, esse bicho-de-sete-cabeças, essa fera temível que tem posto muito boa gente a suar das mãos e a tremer a voz. Dê por onde der, os desfechos possíveis são apenas dois: o respirar de alívio já lá dentro ou aquela meia volta que pode ou não ser acompanhada de um acesso de indignação. Em 20 anos, oito pessoas foram a cara do Lux. Joana Barrios foi uma delas. “Foi no primeiro fim de semana de agosto [de 2010]. Estivemos a noite toda à porta, eu e o Manel, assim no cantinho. Ele apresentou-me algumas pessoas e eu senti-me numa espécie de baile de debutantes. Foi assim durante um mês, até me atirarem às feras“, conta Joana.

A função exigia uma atenção redobrada à fila da direita, aquela onde se alinham os amigos da casa, os clientes habituais, os VIP. Ela pendia para a esquerda, pela interação com as pessoas, porque “era mais divertido”. “Uma vez, estava um rapaz todo encolhido na fila. Disse-lhe que podia entrar. Era o Alexander Wang. Ele: ‘Mas tu sabes quem eu sou? Acho que nem em Nova Iorque sabem'”, recorda. Também se lembra do Electric Cowboy, o eletricista estrangeiro que se aproximou da porta, a poucos minutos dela fechar, vestido de preto e ao estilo western. Nada de muito marcante, não tivesse ele carregado num interruptor e acendido as dezenas de LEDs que tinha posto nas costuras da roupa. Mais uma peripécia? E quando, num domingo, Manuel Reis decidiu celebrar os 50 anos da morte de Marilyn Monroe, segundo Joana “uma efeméride que só ele sabia”. “Convidou-me e à Cláudia Jardim para ficarmos à porta vestidas de Marilyn. Nós ali naquela montação extrema e ninguém fazia a mais pálida ideia do que estávamos ali a fazer”.

Mas não há episódio como a primeira ida ao Lux. Tinha uns 16 anos (é de assinalar que, quando o Lux abriu, Joana Barrios era uma criança de 12 anos a viver em Montemor-o-Novo, no Alentejo) e tinha vindo a Lisboa com uma amiga da mãe “modernaça” para um concerto. “O concerto eclipsou-se quando ela, a seguir, resolveu levar-me ao Lux”, conta. “Foi mesmo marcante porque entrei num sítio inacreditável, que não tinha a ver com nada”, continua. Depois dessa noite, voltou, mas com amigos. Ao fim de uma semana a escolher o outfit, aventurou-se na pista, bem menos intimidada do que quando ia à Feira da Luz. Estava fora do seu meio e isso tirou-lhe um peso de cima. “Foi um entusiasmo brutal por dançar músicas de que gostava e por saber que ia estar com pessoas que me agradavam imenso”.

Em fevereiro de 2017, o Lux abriu para mais uma festa temática. Amazing Grace celebrou Grace Jones © Luísa Ferreira

LUISA FERREIRA

Mas a história de Joana é a de como uma rapariga que nunca gostou de clubbing se tornou num dos rostos mais carismáticos do Lux. A proposta veio em 2009. Tinha regressado de Barcelona e voltado a viver em Lisboa. Manuel Reis intercetou-a no CCB, depois de um espetáculo da Praga. “Achei estranho, só nos encontrávamos em espetáculos e em exposições. Ele achou que seria divertida para estar na porta, mas eu não sabia se havia de aceitar. Disse que sim porque era o Manel, mas morria de medo da cena da night porque não era a minha cena”, recorda. O resto já sabemos. Podemos mesmo dizer que lhe tomou o gosto. Protagonizou vídeos (alguém se lembra da saga LUXXX CHA NEL?), encarnou a “door bitch“, ainda que com elevados níveis de simpatia, escreveu para flyers e revistas e ainda teve direito a uma festa de aniversário surpresa, com o Lux praticamente fechado.

“É um espaço seguro e por isso é que é icónico. É a sensação de que ali estás a salvo, é a possibilidade de estares a ser, sem que ninguém chegue e rebente a tua bolha”, afirma. Hoje, tal como ao Lux, falta-lhe Manuel Reis. Conversar com ele era a primeira coisa que fazia quando chegava. Na impossibilidade de cumprir o ritual, não tem ido. “Ainda não fiz as pazes com essa falta”.

A exposição “Paradisaea” de corre de 12 de setembro a 11 de novembro, no Hub Criativo do Beato (Rua da Manutenção, 122). Abre de segunda a quinta-feira, das 14h às 19h, sexta-feira, das 14h às 21h, sábado, das 12h às 21h, e domingo, das 12h às 19h. A entrada é livre.

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