Quando estava na Turquia e se começou a ventilar a possibilidade de rescisão de contrato com o Besiktas face aos problemas económicos que começavam a assolar o conjunto de Istambul, Pepe estava a poucas semanas de fazer 36 anos. Ou seja, e perante algumas lesões que foi tendo ao longo de toda a carreira, jogaria mais uma época, talvez duas, no limite dos limites três. Afinal, ao completar 40 anos este domingo, foram quatro e ainda a contar. Há vários fatores que explicam tamanha longevidade, do trabalho, alimentação e descanso que são mais conhecidos a fatores menos mediáticos como a rapadura ou o mel do sul do Brasil. No entanto, aquilo que mais lhe apontam passa pela vontade de ser todos os dias maior e melhor. Foi assim que, em duas passagens distintas pelo clube com mais de uma década de intervalo, se tornou património do FC Porto.
Aos 40 anos, num currículo com mais de uma dezena de títulos e vários recordes pelos azuis e brancos, três Ligas dos Campeões pelo Real Madrid e um Europeu por Portugal, Pepe fez um percurso de paradoxos que lhe permitiram entrar para a galeria dos melhores defesas mundiais. Nasceu no Brasil, é hoje o terceiro jogador com mais internacionalizações pela Seleção Nacional. Passou nos testes à experiência do Sporting, acabou dois anos depois num rival. Destacou-se nas experiências como médio defensivo, tornou-se uma referência como central. Teve maços de notas de dólares em cima da mesa para assinar pelo Lyon, manteve a palavra para rumar ao FC Porto. Recebeu uma proposta do Deportivo num ano, rumou ao Real Madrid no outro. Teve a oportunidade de rumar à China para um final milionário de carreira, deixou-se levar pela simpatia dos turcos. Podia acabar a carreira em Inglaterra, preferiu regressar ao Dragão. Há muito na vida de Pepe entre o que é e o que podia ter sido mas aquilo que é tornou-se maior do que podia ter sido.
Nem tudo foi fácil entre excessos dentro de campo que lhe valeram muitas críticas fora dele, tendo o episódio com Casquero em 2009 como uma espécie de rótulo que só começou a ser diluído com o passar dos anos, à boleia de um Campeonato da Europa de 2016 onde liderou a equipa até ao inédito título e mostrou que a idade lhe trouxera outra maturidade na forma de defender e defender-se. Em entrevistas descreve-se como um mauzão que luta pelo sustento da família nas quatro linhas mas que é a pessoa mais normal e amável fora dos relvados. Quem joga com ele adora-o, quem joga contra ele critica-o, quem vê de fora tem tendência a elogiá-lo. Sem perspetiva de fechar a porta ao futebol, continua a abrir janelas de oportunidade para mais recordes de longevidade sendo já o atleta mais velho a jogar e a marcar na história dos dragões e da Seleção. “Amo aquilo que faço”, destaca sobre um percurso de mais de duas décadas na Europa. E sobre o futuro? “Se sentir que posso, sou o primeiro a chegar ao presidente e a dizer ‘Estou apto a renovar com o FC Porto'”, explicou em entrevista recente à SportTV. Para Pepe, a honestidade também é a base de tudo.
Um nome inspirado num astrónomo e num médico e a ligação próxima com a mãe
Pepe, ou Képler Laveran de Lima Ferreira como tem plasmado no Cartão de Cidadão, nasceu em Maceió, a maior cidade de Alagoas. Filho de Anael Feitosa Ferreira e Rosilene de Lima Ferreira, é o mais velho de quatro irmãos, sendo que todas têm um ponto em comum com o jogador no nome que é fácil de perceber ou não se chamassem Karleane, Katiane e Kellyane. Também os dois nomes próprios tiveram uma inspiração especial escolhida pelo pai, entre o astrónomo alemão Johannes Kepler e o médico francês Charles Louis Alphonse Laveran. Ainda hoje o central é tratado como “jogador alagoano”, sendo notícia na imprensa local por ser o único no Mundial do Qatar nascido nessa zona do Brasil. Pepe sempre teve uma relação muito próxima com a mãe (até mais do que com as irmãs), sendo que até aos 17 anos dormiu na cama dos pais.
O pai queria que fosse cientista, Pepe achava piada ser motorista de táxi, acabou no futebol
O pai de Pepe era pescador e trabalhava no campo, a mãe cuidava de casa e dos filhos. Apesar da vida mais humilde, ambos tinham um gosto especial por livros e foi daí também que nasceu a ideia que daria nome ao jogador do FC Porto. Também por isso, Anael tinha o sonho de ver Képler tornar-se cientista, sendo que a partir do momento em que viu a sua relação com a bola e a capacidade de liderança em qualquer que fosse o campo (e muitas vezes no início o “campo” era a rua) não se importou que seguisse o sonho de ser jogador de futebol. E Pepe? Cientista ou médico como o pai desejaria nunca lhe passou pela cabeça mas, caso não fosse o atleta que se tornou com o tempo, tinha um fascínio por uma outra profissão: motorista de táxis.
A alcunha de Pepe que vem de um ex-antigo campeão mundial que jogou com Pelé
O pai Anael encontrou um nome que fosse diferente e que ninguém esquecesse, o pai Anael escolheu também a alcunha que ficaria como nome de guerra no mundo do futebol. Neste caso, a opção foi mais “simples” e até sentimental: Pepe, antigo ala esquerdo ou avançado que fez toda a carreira no Santos entre 1954 e 1969 ao lado de nomes como Pelé e que foi campeão mundial de 1958 e 1962 ao lado do Rei do futebol brasileiro. “Esse cara tinha um remate tão forte que muitos guarda-redes tinham medo. Ele era um craque, fez muitos golos. Queria que o meu filho rematasse como ele mas nessa altura era fraco”, explicou o pai a publicações brasileiras, admitindo que gostava muito de ver Pepe como extremo ou avançado mas que cedo percebeu que o futuro passaria por uma posição na defesa (sendo que até achava ser melhor como lateral).
O miúdo descoberto nos jogos de rua que dava nas vistas por odiar perder em tudo
Pepe foi visto pela primeira vez como um miúdo com potencial num jogo de rua pelo técnico Alípio Neto. Era alguém que corria muito, que impunha o seu físico, que odiava perder ao que quer que fosse. O seu primeiro clube foi o modesto Grémio Desportivo Napoli, no bairro do Benedito Bentes, destacando-se nos treinos conjuntos e passando a jogar com elementos mais velhos. “Era alguém que não aceitava desaforos”, recordam sobre esses primeiros tempos. Passou de seguida pelo Clube de Regatas Brasil, também por influência da mãe que torcia pelo CRB, e pelo Corinthians Alagoano, tudo clubes do estado onde nasceu. Apesar do sucesso das passagens, nunca jogaria noutro local a não ser depois… na Europa. No Brasil, ao contrário do que aconteceria uns anos mais tarde, jogou quase sempre como central (ou zagueiro).
O dia em que foi um ai Jesus para sair de Espírito Santo depois de um lance mais duro
Guilherme Farias, um dos primeiros treinadores de Pepe quando fez a passagem do Napoli para o CRB, viu no jogador “um cara com quem ninguém mexia ou driblava” e falou com o pai Anael para contar com ele na sua equipa. Conseguiu. “Tinha uma boa postura, gostava muito de treinar, queria estar sempre a jogar, odiava perder”, recordou o técnico à Folha de São Paulo. No entanto, essa vontade também tendia a passar os limites em algumas ocasiões, o que desde pequeno trouxe problemas. “Fomos ao Espírito Santo para disputar um campeonato e ele deu uma chegada muito forte num atleta da outra equipa. Era noutro estado e, claro, tínhamos que protegê-lo. Juntei os meus jogadores e fizemos um cordão de isolamento para que ele pudesse sair de campo sem ninguém pegar nele. Deu certo, ninguém bateu no Pepe naquele dia”, recordou.
Um soco e uma entrada que quase abriu a porta de saída do Corinthians Alagoano
Quando passou para o Corinthians Alagoano, naquele que seria o último clube que representaria no Brasil, Pepe fz parte da equipa que discutiu a Copa São Paulo de Sub-20 apesar de ter apenas 16 anos. No entanto, e devido a uma entrada mais dura sobre o adversário, esteve em risco de ser dispensado pelo clube. “Quando vejo um jogador, consigo ver onde pode chegar. Tive a felicidade de lançar o Pepe com 16 anos como titular. Ele era muito viril e deu um soco quando vencemos o Corinthians por 2-0. O outro menino tinha aparelho nos dentes e estourou tudo. Foi expulso. Antes da viagem, a direção queria mandá-lo embora e tive de chamá-lo para tentar resolver a situação. Foi ficando e foi diminuindo isso. É um menino muito tranquilo, bom caráter, mas que dentro de campo se transforma”, contou à ESPN o antigo treinador Bira Veiga, que se chateou também com o central por uma atitude menos pensada na Copa Carnevalle, em Viareggio (Itália).
A transferência para a Europa que ficou em risco a cinco minutos do fim do último jogo
O salto de Pepe para a Europa tornara-se quase uma inevitabilidade e não demorou a ficar fechada com uma equipa portuguesa, neste caso o Marítimo. Em 2001, com 18 anos, o presidente dos insulares, Carlos Pereira, viajou até ao Brasil com o então treinador Nelo Vingada para observar jogadores do Corinthians Alagoano mas ficaram mais uns dias depois de terem deitado o olho ao central. A comitiva nacional ficou convencida e o contrato ficou fechado para quando terminasse o Campeonato Estadual. No entanto, esteve em sério risco: a cinco minutos do final do último encontro da prova, Pepe sofreu uma entrada mais dura (“e com maldade”, segundo o pai) e teve uma fratura com alguma gravidade no tornozelo. O Corinthians Alagoano tentava que o jogador não fosse para Portugal devido à lesão e à possibilidade de o negócio cair mas acabou por explicar toda a situação ao Marítimo, que assumiu a recuperação do jogador. Foi também esse ponto que “convenceu” a mãe Rosilene a deixar partir o filho mais velho depois das muitas dúvidas que teve no início.
O treino decisivo onde Pepe foi escolhido por não cumprir o que estava “proposto”
O Corinthians Alagoano era um projeto montado por João Feijó que tinha objetivos desportivos mas que, em paralelo, tentava ser uma espécie de entreposto para jovens talentos que necessitavam de um trampolim para saltar para o futebol europeu. Por isso, era normal que recebesse técnicos de clubes portugueses, como aconteceu com o Marítimo. Questão? Quando foram naquela vez era mais para observar um avançado e Pepe devia ajudar de forma discreta. Conclusão? 20 minutos depois era o central que estava a ser negociado. “O treinador, que sabia que era duro e tinha muita garra, chegou ao pé de mim e disse ‘Olha Pepe, vais jogar contra este avançado mas vai devagar, deixa-o fintar-te e fazer golo porque vêm cá umas pessoas para o comprar e ajudar o clube. Mas não dês muito nas vistas’. Comecei a roubar-lhe a bola sempre que ele recebia, o treinador gritava o meu nome, eu levantava a mão e pedia desculpa, mas ia outra vez até que parou o treino. Era para me perguntarem se queria ir para Portugal”, recordou o jogador no seu Instagram.
O clube da moda para fazer a ponte para Portugal onde esteve também Deco
O Corinthians Alagoano tornou-se um dos clubes com mais negócios para Portugal no início do século, fruto também de uma parceria com o agente nacional António Araújo. Além de Pepe, houve outros jogadores que foram saindo de lá para Portugal casos de Ezequias (que chegou ao mesmo tempo que o defesa central ao Marítimo B e passou mais tarde pelo FC Porto), Serginho Baiano (jogou no Boavista, no P. Ferreira, no Nacional e no Leixões, tendo rumado depois ao Japão) ou Marcos António (contratado pelo FC Porto para a equipa B que representou mais tarde Académica, Gil Vicente, U. Leiria e Belenenses). Ainda assim, o grande nome que saiu do clube uns anos antes foi Deco, médio ofensivo detetado e contratado pelo Benfica ao conjunto de Alagoas que foi cedido ao Alverca, acabou por não voltar à Luz e foi parar… ao FC Porto.
A chegada a Portugal com cinco euros e a baguete dada pelo rapaz da Pans & Company
O momento em que viajou para a Madeira com escala em Lisboa trouxe um episódio que não só retrata as dificuldades que o jogador passou nos primeiros tempos mas também a ligação quase instantânea que teve com Portugal. “Tinha apenas cinco euros na carteira, vindo do Brasil, com 18 anos, sozinho, e tinha de ir para a Madeira. Estava no SEF, à espera que entrasse um fax do Marítimo que dissesse que eu ia para o Funchal para ser jogador. Passaram-se umas horas naquilo e tinha duas opções: comprar um cartão telefónico para ligar à minha mãe ou gastar o dinheiro numa baguete da Pans & Company. O que é que pensei? Vou tranquilizar a minha mãe. Comprei, liguei à minha mãe e acabou-se o dinheiro; olhei para o cartão do embarque e o voo para a Madeira era só às 11h. ‘Tenho de comer’, pensei, e fui perguntar a um rapaz da Pans & Company do aeroporto se havia algo para comer. ‘Mas eu não tenho dinheiro’. Ele olhou para mim, foi lá atrás e saiu a seguir com uma bandeja e uma baguete cortada em duas. ‘Come, come, come, dou-te isso’. Isso marcou-me, aquele gesto ficou-me para o resto da vida”, contou em entrevista ao Expresso.
O tempo de espera após largar o “pé de gesso” e os quatro jogos de estreia sem derrotas
Ao contrário do que aconteceu com Ezequias, dois anos mais velho e a ganhar rapidamente o seu lugar no conjunto principal do Marítimo apesar de ter chegado para a equipa B, Pepe teve de esperar alguns meses até voltar a jogar depois da chegada ainda com gesso pela lesão contraída no tornozelo. O central começaria por reforçar a formação de juniores treinando com a equipa B mas fez a estreia em 2001/02 logo pelo conjunto secundário orientado por João Santos (que passara pelas seleções jovens e pelo Benfica), numa derrota com o Câmara de Lobos a 20 de janeiro. Na terceira partida, Pepe viu o primeiro cartão vermelho frente ao Machico mas nem por isso perdeu o lugar, sendo lançado na formação principal em abril de 2002 num encontro com o Boavista. Nos quatro jogos realizados nessa época com Nelo Vingada não sofreu nenhuma derrota (um empate e três vitórias, a última contra o Benfica) mas voltou a ver um cartão vermelho quando desceu à equipa B em maio, no final da Primeira Liga, numa partida frente ao Sporting B (2-2).
Duas semanas em Alcochete e a ligação a Ronaldo depois de ter conhecido a sua família
Nesse verão, com 11 jogos realizados na Segunda Divisão B e quatro no Campeonato, Pepe foi convidado para fazer um período experimental no Sporting devidamente autorizado pelo Marítimo. E tudo correu da melhor forma, ao ponto de Laszlo Bölöni, técnico romeno que se tinha sagrado campeão na temporada passada, dar luz verde a uma contratação que nunca chegou a acontecer. Curiosidade? Foi nessa fase que conheceu Cristiano Ronaldo, que ficaria como um dos melhores amigos ligados ao futebol (a maioria dos amigos que foi criando na vida não são jogadores) e com quem praticamente dividiu quarto. Mais: ainda antes de se cruzar no caminho do avançado, Pepe já conhecia a família do Bola do Ouro, primeiro o pai por trabalhar perto do campo onde treinava no Marítimo e depois as duas irmãs, Elma e Kátia, também no Funchal.
O conselho de Danny, os 900 mil euros que o Sporting não tinha e o regresso à Madeira
Houve um ponto quase decisivo para a chegada de Pepe ao Sporting, também ele um antigo internacional que passou por Alvalade: Danny. Contratado ao Marítimo, o avançado admitiu aos responsáveis leoninos que “bom, bom, bom” era o central, confirmando as observações que tinham sido feitas. Esse período fez com que os lisboetas quisessem avançar para a contratação mas os 900 mil euros pedidos na altura eram demais para o que o clube tinha. “O Sporting não tinha rigorosamente mais dinheiro. Queríamos ter comprado o Nilmar e o Daniel Carvalho, que estavam muito bem no Internacional, mas não havia como”, contou Carlos Freitas, então diretor desportivo, ao Goal. “As coisas estavam acordadas, já estava no ponto de procurar casa em Lisboa mas depois o presidente do Marítimo disse-me que não tinha havido acordo. Claro que qualquer jogador queria representar o Sporting. Eu era um jovem e o Sporting na altura lançava jogadores, mas vi o lado bom e depositei todo o meu esforço para fazer uma boa época no Marítimo. Graças a Deus mais tarde fui para o FC Porto, o clube que me deu a projeção necessária para estar onde estou”, disse em 2016 à revista FPF 360. “Ele implorou porque tinha muita vontade de ficar”, admitiu Bölöni.
A primeira época como titular do Marítimo e as experiências a jogar mais à frente
Apesar da frustração de quem já estava a projetar uma vida diferente no Continente e num “grande” (e era isso também que tinha partilhado com a família em Maceió), Pepe voltou ao Marítimo e teve em 2002/03 a sua primeira época como titular indiscutível dos insulares numa campanha que terminou com o sétimo lugar na Primeira Liga. O jogador realizou um total de 29 jogos no Campeonato (mais três depois na equipa B), viu o primeiro vermelho direto num encontro frente ao FC Porto onde se pegou com o também expulso Deco e que terminou com a vitória dos insulares, marcou o primeiro golo em casa ao Sp. Braga e, na parte final da temporada, experimentou outras posições mais avançadas no terreno com o técnico russo Anatoly Bishovets, que substituiu Nelo Vingada. Começou como trinco à frente de Jorge Soares e Van der Gaag, foi subindo para médio centro, chegou a jogar como apoio do avançado quando a equipa precisava de reforçar o corredor central. Manuel Cajuda, treinador que entrou em 2003/04, puxou-o de novo para central.
O ano da afirmação que já tinha deixado marca em Mourinho… mas não como central
A época seguinte seria o período de total afirmação de Pepe no Marítimo e no futebol nacional, tendo não só mantido a titularidade indiscutível como melhorado o rendimento e a influência em campo com Cajuda e, mais tarde, com Jaime Pacheco. Os insulares conseguiriam atingir o sexto lugar que dava acesso à Taça UEFA, como era o seu objetivo, e as abordagens ao central já tinham começado. Como se sabe, Pepe acabou por rumar ao FC Porto. No entanto, e ainda antes dessa contratação, estava referenciado no Dragão por José Mourinho, treinador campeão nacional e europeu pelos azuis e brancos que deixara o nome do jogador no clube como possível contratação para ocupar a posição ‘6’ de Costinha… como médio defensivo. Havia algo que se destacava no defesa: só perdia jogos por castigo e não tinha qualquer registo de lesões.
Dos 400 euros do Marítimo para o FC Porto, a recusar um molho de notas na mesa do Lyon
O verão de 2004 era o cenário quase inevitável para uma saída de Pepe do Marítimo. E propostas não iam faltando, como o próprio Carlos Pereira, presidente dos insulares, ia comentando com o jogador. Dos Países Baixos, da Ucrânia, de novo de Portugal (com o Sporting a nunca perder de vista o central apesar de não ter ficado com ele dois anos antes). Jorge Mendes começou a representar Pepe e foi pelo agente que soube da oferta concreta do FC Porto que inicialmente não estava ligada a uma eventual saída de Ricardo Carvalho, como viria a acontecer. No entanto, e quando estava de férias no Brasil, um representante do Lyon foi até sua casa e tentou desviá-lo com dinheiro vivo em dólares que deixou a família impressionada, até por saber que no Marítimo recebia à data cerca de 400 euros. Manteve a palavra que tinha dado, recusou ir para França e chegou ao Dragão ao lado de outros reforços como Paulo Assunção, Raul Meireles ou Seitaridis.
A confusão com Nuno Gomes que valeu um vermelho e a ressaca do sucesso europeu
Pepe chegou ao Dragão numa das temporadas mais complicadas que poderia enfrentar, tendo em conta todo o sucesso dos dois anos e meio com José Mourinho no comando da equipa e um total de seis títulos entre os quais a Liga dos Campeões, a Taça UEFA, dois Campeonatos, uma Taça de Portugal e uma Supertaça. Houve um reforço do plantel, com Quaresma, Luís Fabiano e Diego além dos supracitados Paulo Assunção, Raul Meireles ou Seitaridis mas as saídas de Ricardo Carvalho, Deco e Paulo Ferreira além do técnico tiveram um impacto grande numa época atípica que começou com Luigi Delneri a sair antes de fazer qualquer jogo e a ser substituído por Victor Fernández (José Couceiro acabaria depois essa temporada após o despedimento do espanhol). O FC Porto ganhou a Supertaça e a Taça Intercontinental mas falhou os restantes objetivos numa época complicada para Pepe, que realizou apenas 22 jogos “tapado” pelos experientes Jorge Costa, Pedro Emanuel e Ricardo Costa e viu com Nuno Gomes o único vermelho nos dragões na Liga com o Benfica.
A importância de Jorge Costa para Pepe tornar-se um central de exceção (e com pão fresco)
Houve um cuidado especial com a chegada do central, visto em termos internos como um diamante em bruto para aprender com um eixo defensivo experiente a cultura do FC Porto e garantir uma sucessão “natural”, tendo nesse sentido como principais “professores” Vítor Baía, Pedro Emanuel e Jorge Costa – até o primeiro número de camisola foi o 7 de Secretário, que trocou depois para 14 para que fosse Quaresma a ficar com ele. Mas a relação com esses elementos mais velhos não ficava circunscrita aos relvados, como o próprio contou na entrevista ao Expresso. “O Jorge [Costa] tinha uma padaria em Lavra e, todos os dias, fazia questão que um empregado dele fosse a minha casa levar pão. Isso já mostra quem é o Jorge. E também aprendi muito com ele: sabia que havia alturas em que podia estar com ele e falar com ele. Bom, na verdade, ele não precisava de falar muito porque a presença dele impunha respeito, só por si”, confidenciou o central.
Um novo sistema tático, os sprints de 20 ou 30 metros e a música que dava nos aeroportos
Pepe ganhou o primeiro Campeonato pelo FC Porto em 2005/06, numa época em que nem começou como opção inicial mas acabou por ser fundamental para a adoção de um novo sistema tática de 3x4x3 por Co Adriaanse que nunca “interpretara” na carreira até aí. O primeiro encontro da temporada, na Escócia com o Rangers, terminou com uma derrota por 3-2 e um inédito bis do central, sendo que, a partir de novembro, entrou de vez na equipa para não mais sair até à conquista do Campeonato e da Taça de Portugal. Foi nessa fase que começou a receber as primeiras propostas para sair para ligas mais aliciantes, com Pinto da Costa a recusar todas essas abordagens incluindo uma do Deportivo que lhe permitiria chegar à Liga espanhola. O neerlandês deixou rasgados elogios à evolução do jogador. “Tem um espírito brasileiro, nos aeroportos quando tínhamos de esperar muito tempo ele cantava, tocava um instrumento e até uma lata servia. Diziam que tinha problemas mentais mas acho que isso estava relacionado com a auto-confiança dele. E em campo, em sprints de 20 ou 30 metros, era imbatível”, contou o técnico ao De Volskran.
A ascensão a líder antes da saída que um choque com Kim quase colocou em risco
Co Adriaanse não iria durar muito no Dragão, sendo substituído por Jesualdo Ferreira no comando técnico. O FC Porto voltava ao habitual 4x3x3, com Pepe a assumir papel de indiscutível na defesa com um peso cada vez mais crescente no balneário e a contribuir para a conquista de mais um Campeonato e uma Supertaça, tendo a temporada com mais golos até aí (quatro, incluindo um bis frente ao P. Ferreira). No entanto, e numa época de domínio dos azuis e brancos, a goleada frente ao V. Setúbal depois de um empate na Luz onde marcara o único golo dos dragões acabou da pior forma, com um choque com o avançado Kim (que mais tarde seria jogador dos portistas) a provocar grande preocupação em torno do joelho. Os piores cenários não se confirmaram e não houve necessidade de ser operado mas a provável saída esteve em risco…
Os convites no verão de 2007, o interesse inglês e a ida não recomendada para o Real
Após tornar-se indiscutível no FC Porto e perante a hegemonia que os dragões estavam a recuperar no plano interno na sequência do annus horribilis de 2004/05, a saída de Pepe era um dado quase inevitável. Pelo menos convites não faltavam, com a Premier League a mostrar-se atenta às exibições do central na sequência de novos contactos do Deportivo. Apesar de ter contrato até 2012, era o momento para dar mais um salto e acabou por ir para onde várias pessoas foram dizendo para não arriscar: o Real Madrid. Onde muitos viam uma possível crise pelo vazio que ficara depois da saída de Hierro e as falhas constantes na sua sucessão, Pepe viu uma oportunidade. A sua oportunidade. E foi também essa vontade demonstrada pelo jogador que levou o conjunto espanhol a pagar 30 milhões de euros (uma fortuna por um central, tanto como o Chelsea investira três anos antes em Ricardo Carvalho), a que se juntaram ainda nesse verão mais 31,5 milhões da saída de Anderson para o Manchester United. O médio nunca vingou, o defesa ficou uma década…
O choque com uma realidade inesperada – e que não tinha a ver com a dimensão do clube
A estreia em Espanha não foi propriamente a mais auspiciosa, com duas derrotas na final da Supertaça com o Sevilha e uma expulsão por acumulação no encontro da segunda mão em casa em que o conjunto de Bernd Schuster não evitou o descalabro de um 5-3. No entanto, foi na estreia na La Liga também no Santiago Bernabéu com o rival Atlético que mais sentiu um choque que não estava à espera. “Vinha de um clube taticamente organizado e o que encontrei foi o caos. Ao minuto 30, o jogo partiu-se, um para um lá atrás, eu viro-me para o Fabio [Cannavaro] e digo: ‘Fabio! Fabio! Cobertura, cobertura’. E ele: ‘Não, não, aqui é cada um por si’. E eu: ‘Aqui é assim? Porra’. Olhava e via os laterais lá à frente, o trinco lá à frente a pensar para mim: ‘O quê? 50 metros nas minhas costas e eu aqui no um contra um? Calma aí que vou defender, não saio daqui’. Fui-me deixando ficar lá para trás durante os jogos e, aos poucos, fui conquistando estatuto. Quem jogava no Real naquela altura tinha de ouvir os adeptos a gritar por golos porque 2-0 não chegava; tinhas de marcar quatro, cinco, seis golos e só ficavam os centrais lá para trás”, contou ao Expresso.
Um treino que acabou com o murro de Balboa mas não criou anticorpos no balneário
Depois dessa estreia com o Atl. Madrid, Pepe saiu lesionado e esteve mais de dois meses de fora da equipa. No início de novembro, quando preparava o regresso e tinha na calha aquela que poderia ser a sua primeira internacionalização por Portugal, um episódio ameaçou a posição do central num grupo que tinha integrado há poucos meses: durante um treino, o jogador terá sido protagonista de uma entrada mais dura sobre Javier Balboa e o extremo respondeu com um soco que deixou Pepe a sangrar. Por ser um elemento da formação, a imprensa espanhol especulou sobre uma hipotética criação de anticorpos no balneário contra o antigo jogador portista mas Schuster desmistificou isso uns dias depois na convocatória para o encontro com o Maiorca, deixando Balboa de fora e promovendo o regresso de Pepe às opções. A época terminaria com o Real campeão, com os dois envolvidos de relações reatadas e com o central a fazer um total de 25 jogos.
A primeira internacionalização por Portugal que chegou num contexto “perfeito”
A primeira vez que Pepe ponderou a possibilidade de jogar por Portugal surgiu em 2006 quando estava ainda no FC Porto e foi questionado no final de um encontro se pensava algum dia representar a Seleção. Quase sem ter tempo para formular uma resposta, foi espontâneo: “Porque não?”. O Brasil tinha feito algumas abordagens, nomeadamente com a possibilidade de participar nos Jogos Olímpicos de Atenas em 2004, mas nunca mostrou um verdadeiro interesse até aí de contar com o defesa no conjunto principal. Mais: muito por culpa dos primeiros tempos no país, até por aquela atitude que não mais esqueceu no aeroporto de Lisboa no dia em que chegou, Pepe já tinha pensado nessa hipótese. Assim, e de forma natural, foi sendo preparado o terreno para fazer a estreia pela Seleção, que aconteceu em novembro de 2007 num Estádio do Dragão lotado para apoiar o antigo jogador dos azuis e brancos no jogo de qualificação para o Europeu com a Finlândia. O pai ficou triste, aceitou mas ainda hoje pensa que se não fosse assim o Brasil não tinha perdido por 7-1 com a Alemanha nas meias-finais do Campeonato do Mundo de 2014 organizado pelo próprio país…
Os dois pontapés em Casquero que marcaram toda uma carreira (assumido pelo próprio)
A segunda época no Real Madrid não foi tão conseguida em termos coletivos, com Schuster a ser substituído por Juande Ramos em dezembro sem que os resultados continuassem a aparecer. O conjunto da capital ficou no segundo lugar da Liga, que acabou mais cedo para Pepe depois de um lance onde perdeu a cabeça e deu dois pontapés ao avançado Casquero, do Getafe, quando estava caído na área. Várias pessoas pediram para que fosse irradiado do futebol e o castigo foi o mais pesado de sempre para um jogador dos merengues: dez jogos de suspensão. “Fiquei extremamente marcado pelo que se passou mas não vou mudar a minha forma de jogar. A verdade é que tentei encontrar uma explicação mas não encontro. Faz parte do passado. As estatísticas mostram que sou um jogador que dá tudo no 1×1, que tento dar o melhor para proteger a minha baliza. Tenho que dar o máximo para evitar o golo do adversário”, comentou em 2017.
O Mundial que nem uma rotura nos ligamentos travou e a mensagem de Rubén de la Red
Portugal qualificou-se para a fase final do Campeonato da Europa de 2008, na Suíça e na Áustria, e Pepe teve oportunidade de fazer a estreia em grandes competições pela Seleção, marcando logo o primeiro golo de uma estreia a ganhar frente à Turquia. Numa campanha marcada pelo ruído criado a partir do momento em que se soube que Luiz Felipe Scolari estava de saída para o Chelsea no final da competição, Portugal acabou por cair logo nos quartos frente à Alemanha, que terminara o seu grupo em segundo atrás da Croácia. O central acabou por ser um dos melhores a par de Deco, consolidou-se como indiscutível e, já com Carlos Queiroz, teve uma prova cabal dessa relevância: o selecionador esperou até à última pelo jogador do Real e convocou-o para o Mundial mesmo sabendo que não estaria disponível nos dois primeiros encontros. Durante esses seis meses de recuperação a uma rotura nos ligamentos do joelho, Pepe não esqueceu uma mensagem de Rubén de la Red, ex-médio dos merengues que teve de deixar o futebol por um problema cardíaco. “Disse que ia pedir a Deus para voltar a jogar em seis meses. Dei conta de que havia gente pior do que eu”, referiu.
Três anos de trabalho com Mourinho que tiveram fricção, alívio e elogios anos depois
Alguns anos depois daquela recomendação como possível sucessor de Costinha no FC Porto, Pepe trabalhou finalmente com José Mourinho e aquilo que poderia parecer uma ligação umbilical tornou-se uma relação de momentos com várias fricções e choques até que o passar dos anos trouxe os elogios. Titular indiscutível com o português, o central (que jogou sempre nessa posição e não como médio defensivo, uma experiência que o antigo treinador do FC Porto tinha pensado como aposta) ganhou uma Liga, uma Taça e uma Supertaça, ficando sempre nas meias da Liga dos Campeões. Mourinho defendeu Pepe em termos públicos depois de uma pisadela do central na mão de Messi num clássico com o Barcelona, Pepe foi defendendo Mourinho em campo mas o afastamento de Casillas motivou um choque entre ambos. “É preciso ter respeito por ele”, disse o central. “O problema de Pepe chama-se Varane, a partir daqui não há mais história”, respondeu o técnico. Mais tarde, Pepe assumiu que a saída do português foi um “alívio” tendo em conta o “ódio” que se tinha criado à volta da equipa mas, uns depois, vieram os elogios. “É um defesa tremendo, um dos últimos defesas que adoram defender. É isso que ele faz melhor que qualquer outro”, salientou Mourinho em 2021.
A empatia imediata com Ancelotti numa chamada e o primeiro título europeu pelo Real
Há males que vêm por bem e foi isso que aconteceu com Pepe em relação a Carlo Ancelotti, transalpino que sucedeu a José Mourinho no comando técnico do Real Madrid. Quando assinou, o central estava de férias e foi nessa condição que recebeu uma chamada telefónica do treinador sobre o que esperava para a temporada seguinte. Direto ao assunto, assumiu que com Sergio Ramos e Varane não seria primeira opção. Pepe ouviu e perguntou se teria as mesmas condições para lutar por um lugar na equipa. A sinceridade entre ambos criou de forma automática uma relação forte, sendo que nunca o central tinha jogado tanto como faria nessa época de 2013/14, que terminou com a primeira vitória do jogador na Liga dos Campeões numa final realizada em Lisboa frente ao Atl. Madrid e resolvida no prolongamento. E também aí Pepe foi honesto com Ancelotti, explicando que apesar do esforço de recuperação que fizera não estava em condições físicas para assumir lugar na equipa nessa decisão. “É importante avaliar bem o cansaço. Prefiro o jogador que me diz que prefere parar mas em 30 anos só dois me disseram isso: o Pepe, numa final da Liga dos Campeões, e o Seedorf, num jogo da Liga [italiana]”, recordou recentemente o técnico que regressou entretanto a Madrid.
A despedida com rancor à mistura no final de uma década (e mais duas Champions)
Zinedine Zidane seria o último treinador de Pepe no Real Madrid a partir de 2015, numa espécie de toque de Midas depois da opção falhada com Rafa Benítez que valeu aos merengues duas vitórias seguidas na Liga dos Campeões (que chegariam a três em 2018). No verão de 2017, e depois de uma época com menor utilização, o central acabou mesmo por sair admitindo em entrevista alguma mágoa pelos contornos dessa decisão. “Não quero atribuir culpas a ninguém. O que está a fazer é espetacular mas houve coisas que não entendi. Não sei por que desapareci da equipa nos últimos jogos. Saudámo-nos mas não me despedi dele. O Zidane e o Real Madrid sabiam que eu ia sair antes de mim”, contou à Cadena Cope, entre a revelação de que tinha a oferta para renovar “por um ano e não por dois” como pedira. Mas houve outro motivo para esse rancor, neste caso extra futebol. “O clube não me defendeu no tema do fisco e sabe que tenho tudo em dia. Isso aborreceu-me. Doeu-me muito. Sempre tentei cumprir as minhas obrigações como cidadão”, salientou.
A epopeia em França que acabou com título, nova alcunha e a emancipação de uma imagem
Apesar dessa despedida com tristeza à mistura, o início com Zidane dificilmente poderia ter sido melhor após um arranque de temporada com alguns problemas físicos à mistura. Pepe fez uma das melhores épocas em Espanha em 2015/16, concluída com uma enorme exibição na final da Champions frente ao Atl. Madrid, e chegou com baterias recarregadas à fase final do Europeu de 2016. Essa competição acabaria por ser um marco para o jogador, não apenas pelo título mas também pela emancipação da imagem de um central duro (ou demasiado duro com vários excessos) para um patrão em campo, algo que lhe valeu o prémio de MVP da final frente à França e um lugar no Melhor Onze da competição. Foi nesse estágio que ganhou uma outra alcunha. “Em Marcoussis a mesa do lanche ficava montada no corredor. À noite, o Cris [Ronaldo] e o Quaresma iam sempre fazer água quente e água fria por volta da meia-noite. Numa noite, bateu-me a fome e desci as escadas para ir buscar um iogurte, de cuecas, no escuro. De repente estão os dois à minha frente. ‘Fogo, mano, o que é isso? Pareces uma caveira!’. Passaram a chamar-me ‘caveirinha'”, contou ao Expresso.
A simpatia das pessoas turcas que pesou na hora de tomar uma decisão
Aos 34 anos, e depois de uma década com três títulos europeus pelo Real Madrid, Pepe recebeu propostas de várias ligas para prosseguir a carreira mas acabou por descer um patamar em relação às Big Five das ligas europeias, rumando aos turcos do Besiktas. “Dei preferência à Turquia pela simpatia das pessoas. Isso foi mais importante do que as condições económicas. Havia mais clube interessados mas acho que não teria sido tão feliz noutro sítio”, explicou após assinar um contrato de dois anos onde iria receber 4,5 milhões de euros por temporada. Da receção apoteótica no aeroporto ao apoio que sentiu sempre dos adeptos, o central não demorou para afirmar-se numa equipa onde estava também Ricardo Quaresma, ajudando o grupo liderado por Senol Günes a chegar aos oitavos da Champions. Ficou apenas a faltar um título nacional depois da derrota na final da Supertaça, acabando atrás de Galatasaray, Fenerbahçe e Basaksehir a quatro pontos.
Um adeus que destapou os problemas no Besiktas mas que muitos ainda não esqueceram
Apesar de ter estado apenas uma temporada e meia na Turquia, Pepe ficou com uma ligação forte ao clube e ao país, como mostrou recentemente na sequência do sismo que abalou o país e a Síria e que fez milhares e milhares de vítimas. A saída foi acertada por mútuo acordo entre as partes, numa fase em que se falava cada vez mais dos problemas económicos que o Besiktas começava a atravessar de forma mais latente, mas o central não esqueceu também as dificuldades de quem trabalhava no clube e era menos conhecido, pagando os salários de alguns funcionários como cozinheiros, tratadores de relva ou staff antes de deixar o país. Há uma outra história que ficou em Istambul e que só mais tarde foi conhecida: Pepe recebeu uma proposta de muitos milhões da China antes de conversar com os dirigentes das águias mas preferiu a Turquia.
O regresso ao FC Porto e o susto com o amigo Casillas que o fez equacionar retirada
Perto de fazer 36 anos, e estando a meio de uma temporada, Pepe tomou uma decisão de vida ao recusar algumas propostas que foi recebendo até de ligas mais competitivas como a Premier e regressar ao FC Porto, onde reencontrou o companheiro Iker Casillas. Foi com o antigo número do Real Madrid que apanhou um dos maiores sustos da carreira, quando o guarda-redes espanhol sofreu um enfarte num treino em 2020 e teve de ser levado de urgência para o hospital. Nessa altura, o central admitiu colocar um ponto final na carreira por considerar que já não valeria a pena continuar a jogar. Foi o campeão mundial e europeu de seleções que o demoveu da ideia. “Só lhe disse: ‘Olha Pepe, enquanto estiveres bem, és um privilegiado’. Continua a tua carreira”. Pepe continuou mesmo. E ainda fez uma renovação de contrato até aos… 40 anos.
Os elogios de Conceição a alguém que “pode não ser um predestinado em termos técnicos”
Ainda antes do regresso de Pepe ao Dragão, e como é normal acontecer, Sérgio Conceição falou com o central por telefone. Não perguntou sobre objetivos, sobre compromisso, sobre disponibilidade – só perguntou como se sentia em termos físicos. Agora, quatro anos depois, continuam a surgir elogios a tudo o que o jogador representa no balneário e como exemplo. “É um peso pesado do nosso balneário, é o nosso capitão. Não tirando em nada o que é o profissionalismo e o trabalho dos outros, na forma como vejo o futebol e naquilo que vejo que um jogador deve ter para chegar a um patamar elevado não sendo um predestinado em termos técnicos e noutras características que são também importantes, o Pepe é uma referência. E digo isto não só como treinador mas também como antigo jogador durante 20 anos, é o melhor ou está entre os melhores”, referiu recentemente, numa relação de admiração mútua do central pelo treinador.
A “preocupação” em gerir a situação do amigo Ronaldo entre (mais) um braço partido
A última fase final do Campeonato do Mundo foi mais um desafio para a liderança de Pepe na Seleção, tendo em conta os episódios que se foram passando no Qatar. Mais uma vez, e segundo foram contando ao longo dos dias ao Observador, passou em todos os testes: começou a competição no banco após ter estado a debelar problemas físicos, assumiu a titularidade no segundo encontro com o Uruguai depois da lesão de Danilo, tentou gerir da melhor forma a condição de suplente de Ronaldo, fez questão de abraçar Fernando Santos quando marcou à Suíça nos oitavos da mesma forma como foi a correr dar a braçadeira a CR7 quando o avançado entrou e terminou a jogar com uma fratura no braço frente a Marrocos nos quartos, conseguindo a última oportunidade de Portugal para chegar ao empate no final. Na zona mista, com a mão direita a agarrar o braço esquerdo, deu a cara após o desaire apesar das dores que sentia. Após fazer exames, ficou a saber que tinha uma fratura do cúbito. Voltou, foi operado e regressou à equipa do FC Porto.
O outro segredo além da genética, do descanso e da alimentação: rapadura
Há várias razões que ajudam a explicar a longevidade de Pepe mesmo entre algumas lesões graves que teve na carreira: o descanso após os treinos e os jogos com horários sempre cumpridos, muito trabalho não só de preparação mas também de recuperação, os cuidados com a alimentação sempre ouvindo aquilo que os especialistas com quem convive recomendam, a própria genética com que nasceu. No entanto, e segundo o jogador, há outros fatores que ajudam também a que jogue como um miúdo aos 40 anos e um deles é um doce brasileiro: rapadura. “Utilizo muito a culinária, principalmente do Nordeste. Gosto muito de cuscuz, tenho um amigo que quando vem cá traz-me mel do sul, que é muito típico da região, imune a muitas coisas. Costumo comer um cuscuz com carne seca. Há coisas da gastronomia brasileira que gosto muito, às vezes a minha mãe traz escondido na mala quando me vem visitar”, contou à TNT Sports.
Uma família portuguesa que cresceu em Madrid do “mauzão que é muito amável”
Pepe é casado com Ana Sofia Moreira, com quem está junto desde 2007 e tem três filhos: Emily e Angeli, que nasceram em Madrid (embora tenham ficado logo com nacionalidade portuguesa por vontade do jogador) e Rodrigo, que nasceu no ano passado em setembro no Porto. É a antiga estudante de medicina, que mantém a intenção de terminar o curso, que funciona como ponto de equilíbrio na vida fora dos relvados onde já viu as duas filhas desfilarem com modelos de Micaela Oliveira no Portugal Fashion de 2019. “A minha mulher deu-me muita estabilidade e duas filhas lindas. Quero acreditar que os meus sogros gostam de mim. Não sou mau. As pessoas dizem que eu sou mauzão, mas fora de campo sou uma pessoa muito amável. Não sou duas pessoas diferentes. As pessoas têm de perceber uma coisa que é muito simples: eu vou defender o meu trabalho com unhas e dentes, lá dentro é o meu ganha-pão, é com aquilo que eu pago a comida da minha família. Fora do campo, sou uma pessoa normal”, explicou ao Expresso.
O cabelo rapado que se tornou imagem de marca quando estava ainda em Maceió
É preciso ir quase ao arquivo recuperar essas imagens mas durante alguns anos Pepe andou (e jogou) com… cabelo. Porquê? Razões familiares: à semelhança do que acontecia quando era mais pequeno, a filha mais velha também gostava de agarrar o cabelo da mãe para adormecer e com isso poderia também ficar ao lado dela nesse momento. No entanto, antes e depois, o central tem como imagem de marca a cabeça rapada, algo que nasceu ainda em Maceió quando foi ao barbeiro e “exagerou” no gosto que o pai tinha por cabelos curtinhos, pedindo um corte à militar. Como gostou, ficou. E assim voltou no regresso ao Dragão em janeiro de 2019, com essa particularidade de terem sido as filhas a rapar de novo o cabelo em casa.
Os três recordes de longevidade que atingiu na época de mais uma dobradinha
Pepe não conquistou nenhum título na segunda metade da época de 2018/19 que assinalou o regresso à Invicta mas ganhou a dobradinha na temporada seguinte, algo que repetiu em 2021/22 mas com uma outra particularidade de ter registado mais três recordes a nível de longevidade: 1) na primeira jornada da Liga, na receção ao Belenenses SAD, tornou-se o jogador mais velho de sempre a realizar um encontro oficial pelos azuis e brancos superando o registo de Silvino; 2) na goleada frente ao Portimonense no Dragão por 7-0, tornou-se o jogador mais velho de sempre a marcar pelo FC Porto num encontro oficial superando neste caso o antigo central Aloísio; 3) no empate sem golos de Portugal na Rep. Irlanda, tornou-se o mais velho de sempre a representar a Seleção numa partida oficial, batendo o registo que pertencia a Vítor Damas.
E agora, o que vai ser o futuro? O corpo terá a resposta (mas Pinto da Costa quer que fique)
No final do último Campeonato do Mundo, Pepe fugiu sempre a qualquer pergunta que colocasse a hipótese de ter sido a derradeira grande prova pela Seleção, quase que não fechando a porta à possibilidade de ainda ir ao Campeonato da Europa de 2024 (mas também não dizendo diretamente que tem isso como objetivo). O futuro do central depende do próprio, com todas as decisões a serem colocadas em si no que diz respeito à continuidade ou não no plantel. Há uma coisa certa, seja por Pinto da Costa, seja por Sérgio Conceição: Pepe é “património” do clube e existe vontade que permaneça no clube em qualquer função, sendo que aquilo que o tempo mostrou é que o corpo continua a responder de forma positiva às questões que o jogador tem. “O Pepe é muito organizado e quer encerrar a carreira a jogar ao mais alto nível. Ele disse-me que jogará até os 36 anos”, tinha contado o pai Anael ao Globoesporte em 2017, recusando a possibilidade de voltar a jogar no Brasil apesar de ter um fraquinho pelo Flamengo. Quatro anos depois, ainda brilha nos relvados…