Não correu bem como planeado. O suposto seria que na véspera, a 18 de setembro, 96 badaladas soassem a partir do Grande Sino, o Big Ben, da torre noroeste do Palácio de Westminster, a sede do parlamento britânico. O número simbolizava os 96 anos da Rainha Isabel II e a ação pretendia marcar o momento nacional de reflexão no final da vigília da monarca. Mas o sino não tocou — nesse dia. Esta segunda-feira, 19, decorreu a última jornada dos eventos fúnebres da Chefe de Estado com o reinado mais longo no Reino Unido, 70 anos. E o Big Ben não falhou: às 9 horas da manhã cumpriu a sua missão — prosseguindo com ela ao longo da manhã, tocando com intervalos de um minuto. Isabel II morreu 11 dias antes, a 8 de setembro.
O funeral da Chefe de Estado do Reino Unido foi a maior operação de sempre, maior do que os Jogos Olímpicos ou do que o Jubileu — o aeroporto de Heathrow chegou a cancelar 100 voos de forma a que nenhum momento não fosse interrompido pelo ruído dos aviões; e sinais de trânsito chegaram mesmo a ser retirados de Westminster, de modo a preparar as ruas para os cortejos. Depois de cinco dias de velório oficial da Rainha (que levou a que cerca de 750 mil visitantes tivessem de aguardar 35 horas na fila para dizer adeus à monarca), chegou o derradeiro dia da despedida: do Palácio de Westminster, a urna que transportou os restos mortais da rainha deixou a câmara ardente e seguiu num cortejo até à Abadia de Westminster — de portas abertas desde as 8 da manhã para receber os cerca de dois mil convidados. Daí seguiram mais dois cortejos, um até Windsor e outro até à Capela de São Jorge. Ainda que mais intimista, foi aqui que decorreu o último serviço religioso público — o seguinte, e que termina com Isabel II a ser sepultada no jazigo da família real, junto dos restos mortais dos pais e da irmã — aconteceu longe dos ecrãs.
Dos convidados, às joias e discursos, eis tudo o que aconteceu ao longo das últimas seis horas.
Do palácio à Abadia de Westminster. Os convidados e o cortejo
As portas do Westminster Hall fecharam às 6h30 e as da Abadia abriram às 8h. De um lado preparava-se o caixão da rainha para o cortejo fúnebre, do outro iam chegando os cerca de 2 mil convidados.
A urna de Isabel II foi escoltada por 142 membros da Marinha. Em cima, levava as joias da coroa: a coroa de Estado, a esfera e o cetro e um arranjo floral em tons de rosa, com flores colhidas dos jardins do Palácio de Buckingham, Clarence House e Highrove a pedido do Rei Carlos III. Foi um cortejo curto: durou 15 minutos. Às 10h45 a urna de Isabel II saía de Westminster Hall, transportada na carruagem utilizada noutros importantes funerais de Estado — incluindo no de vários reis (Eduardo VII, Jorge V e Jorge VI, pai de Isabel II), do primeiro-ministro Winston Churchill e de lorde Mountbatten (tio do príncipe Filipe e primo de Isabel II, morto num atentado do IRA. Atrás, seguiram os filhos da Rainha: o Rei Carlos III, a princesa Ana, o Príncipe, o Príncipe Eduardo e André (o único que, novamente, não surgiu fardado).
Na Abadia iam entrando representantes de vários cantos do mundo: o Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente americano, Joe Biden, o Presidente francês Emmanuel Macron, o Presidente da Irlanda, Michael Higgins, Wang Qishan, vice-presidente da China, ou Justin Trudeau, primeiro-ministro do Canadá.
Marcaram também presença representantes de inúmeras Casas Reais, como os Reis Felipe e Letizia de Espanha, os Reis Carlos Gustavo e Sílvia da Suécia, os Reis Harold e Sónia da Noruega, os Reis Philipp e Matilde dos belgas ou os Grã-Duques Henri e Maria Teresa do Luxemburgo. Os Reis Abdullah II e Rania da Jordânia, bem como os Imperadores Naruhito e Masako do Japão, foram também convidados reais da cerimónia. Veja aqui uma lista mais extensa das figuras que marcaram presença.
Momentos antes de chegar a primeira-ministra Liz Truss, surgiram os seus antecessores, John Major, Tony Blair, Gordon Brown, David Cameron, Theresa May e Boris Johnson. Do lado da realeza britânica, também os membros da família foram chegado à Abadia: a filha da princesa Ana, Zara Phillips, as filhas do príncipe André, Eugenie e Beatrice, bem como os filhos do Earl e Condessa de Wessex, Lady Louise e James, Visconde Severn. Também a filha da Princesa Margarida, irmã de Isabel II, marcou presença, assim como Sarah Ferguson, ex-mulher do Príncipe André.
Às 11 horas o corpo de Isabel II preparava-se para entrar na Abadia — o Rei Carlos III era um dos que carregava o caixão. Nesse momento, juntaram-se outros membros da família real: Camilla, Rainha Consorte, William e Kate (com uns brincos pérola, a “joalharia de luto” da família real e a mesma gargantilha que usou no funeral do Príncipe Filipe), príncipes de Gales, os filhos George e Charlotte (cuja presença foi decidida em cima do momento) e os duques de Sussex, William e Meghan, seguiram o caixão na entrada da Abadia, carregado por oito militares.
O serviço religioso. “É muito raro uma promessa ser cumprida assim”
Na fila da frente, perto da urna, sentaram-se os filhos e netos (não todos) de Isabel II, com os respetivos parceiros. Na fila de trás, os Duques de Sussex, a princesa Beatrice, Edoardo Mapelli Mozzi e lady Louise Windsor e James, visconde Severn.
Foi Patricia Scotland, secretária-geral da Commonwealth, quem fez a primeira leitura bíblica do serviço fúnebre. Seguiu-se Liz Truzz, e ainda a canção o “O Senhor é Meu Pastor”, a mesma que, há 75 anos, havia sido foi cantada no casamento da Rainha Isabel II com o Príncipe Filipe, em 1947.
O Arcebispo da Cantuária, Justin Welby, responsável por conduzir a cerimónia — e que no início da manhã, apelou aos britânicos, através do Twitter, para que rezassem pela família real — destacou no seu sermão o serviço de sete décadas de Isabel II: “Aqueles que servem serão recordados”, disse, lembrando a promessa deixada pela Rainha aos 21 anos, quando foi coroada. “É muito raro uma promessa ser cumprida assim”, lembrou, falando também de uma “coroação em oração silenciosa”, quando subiu ao trono em 1953, destacando a profunda fé da antiga monarca, ao longo de toda a sua vida. Welby elogiou a postura que Isabel II adotou em todo o seu reinado. “Aqueles que servem serão recordados, enquanto os que se agarram ao poder e privilégios são esquecidos”.
Também à família real, o arcebispo deixou uma mensagem: lembrou que viviam um “luto que é feito debaixo das luzes mais visíveis”, apelando, por isso, à compreensão. Recordou ainda a música “We Will Meet Again”, invocada por Isabel II durante a mensagem que deixou ao país durante a pandemia Covid-19, destacando que o reencontro chegará após a morte. “Serviço em vida, esperança na morte” foi a mensagem deixada pela monarca, disse Welby. “Iremos encontrar-nos outra vez”.
Oficializada a comendação da Rainha Isabel II pelo arcebispo — e depois de o coro cantar um excerto da Epístola aos Romanos numa melodia composta para o serviço fúnebre por Sir James MacMillan — David Hoyle, Deão de Westminster, pronunciou a bênção, na qual os milhares de presentes se mantiveram de pé, ao som de The Last Post. Seguiram-se dois minutos de silêncio na Abadia e em todo o Reino Unido, em homenagem a Isabel II — o momento foi finalizado com o tema “The Reveille”, interpretado por trompetistas. Seguiu-se o hino nacional, agora God Save the King, já com a letra alterada e regressada à versão original, após a ascensão de Carlos III.
Da Abadia de Westminster à capela de São Jorge
A saída do caixão de Isabel II da Abadia de Westminster marcou a primeira parte do segundo cortejo do dia, rumo ao Arco de Wellington — acompanhado pelas lágrimas dos que, cá fora, esperavam para ver, pelo última vez, a antiga Rainha passar. Seguiu também com um novo elemento em cima do caixão: uma carta escrita por Carlos III, junto ao arranjo de flores, onde se lia “em memória do amor e devoção”. O cortejo foi liderado pela Real Polícia Montada do Canadá, seguida por quatro representantes do Serviço Nacional de Saúde inglês, incluindo May Parsons, a enfermeira que administrou a primeira vacina contra a Covid-19 no país, em 2020.
O cortejo foi neste momento seguido por um grupo mais alargado da família real: além dos filhos de Isabel II e parceiros, seguiram também os Príncipes de Gales e os seus filhos, George e Charlotte, os Duques de Sussex, o Conde de Snowdon, o Duque de Gloucester, o Príncipe Michael de Kent e o Duque de Kent.
George e Charlotte. A simbólica presença no funeral (e uma pregadeira para Isabel II)
Com início às 13 horas, decorreu ao longo de cerca de duas horas e dividiu-se em duas partes. Da Abadia, a urna com os restos mortais de Isabel II dirigiu-se, primeiro, ao Arco de Wellington, no Hyde Park Corner, onde foi retirada da carruagem real e colocada no carro fúnebre, tocando-se novamente o hino nacional. Foi também aqui que o sino Big Ben foi tocando em intervalos de um minuto. Neste trecho do percurso, a Rainha passou, pela última vez, à porta do Palácio de Buckingham, onde vários membros do seu staff a esperavam, para se despedir.
Seguiu-se a segunda parte deste cortejo: o carro fúnebre rumou a Windsor, ao longo de cerca de duas horas, passando por South Carriage Drive, Queens Gate, Cromwell Road, Hammersmith, Chiswick, Great West Road, aeroporto de Heathrow, Staines, Shaw Farm Gate, e chegando por fim ao castelo. No percurso, Isabel II foi aplaudida pelas multidões que se espalharam ao longo de toda a rota — à saída do Arco de Wellington, já se ouviam os gritos e aplausos daqueles que a foram homenagear. Mas não só: dos cordões humanos que se formaram à volta, iam saltando flores de várias cores — algumas chegaram mesmo ao pára-brisa do carro fúnebre.
No marco de Long Walk, estrada que percorre o caminho entre Windsor e a Capela de São Jorge, foi atingida a capacidade máxima de pessoas que podiam estar a assistir à passagem do cortejo — quem chegou depois foi direcionado para Home Park, onde um ecrã gigante transmitiu o resto dos eventos.
A chegada a Windsor, o último cortejo e a derradeira despedida
A chegada de Isabel II a Windsor — mais concretamente, ao Shaw Farm Gate, na Albert Road — marcou ainda o arranque do terceiro e último cortejo, desta vez rumo à Capela de São Jorge. Foram várias as figuras que marcaram presença para dizer adeus à rainha — incluindo os animais de Isabel II, os corgis Muick e Sandy e a égua Emma.
The Queen’s corgis, Muick and Sandy, sit in the forecourt of Windsor Castle to greet Her Majesty. pic.twitter.com/H02sPv17mY
— Royal Central (@RoyalCentral) September 19, 2022
The Queen’s staff and pony greet her as she arrives home. pic.twitter.com/ZQhL6G7KRI
— Royal Central (@RoyalCentral) September 19, 2022
Perto das 16 horas, teve lugar no templo construido no reinado de Eduardo III o serviço religioso mais intimista, cujo início foi dado pelo Deão de Windsor, David Conner. Aqui, marcaram presença cerca de 800 convidados — menos 1200 do que aqueles que estiveram presentes durante a manhã no funeral de Estado, na Abadia de Westminster. O caixão com o corpo de Isabel II foi colocado perto do altar, na zona mais antiga da capela. “No nosso mundo em rápida mudança e muitas vezes conturbado, a sua presença calma e digna deu-nos confiança para enfrentar o futuro, tal como ela fez, com coragem e esperança”, afirmou Conner, lembrando a fé e compromisso inabaláveis da monarca para com o Reino Unido ao longo das sete décadas de reinado.
Depois das orações lidas pelo capelão da Capela Real, pelo reitor de Sandringham e pelo pastor de Crathie Kirk, as joias da monarquia — o cetro, a esfera armilar e a coroa — , foram retirados de cima do caixão e colocados no altar da Capela de São Jorge. Foram retirados a Isabel II para, em breve, serem entregues ao novo Rei do Reino Unido, Carlos III.
Com o final do serviço religioso na Capela de São Jorge, terminaram as cerimónias públicas em honra de Isabel II. Segundo o comunicado do Palácio de Buckingham, o dia termina com uma cerimónia privada, em que Rainha é sepultada junto ao Príncipe Filipe, duque de Edimburgo, que será transferido para o jazigo da família de Isabel II, onde se encontram os restos mortais dos pais e da irmã.