Um selecionador nacional que trabalha nos Correios, tem a própria revista de futebol e está envolvido numa rede de espionagem em conjunto com os Aliados em plena Segunda Guerra Mundial. A história é real, mas é tão inacreditável que podia dar um filme — e deu.
“Cândido”, filme de Jorge Paixão da Costa sobre a vida de Cândido de Oliveira, estreia esta quinta-feira e centra-se no ano de 1942, em que o antigo selecionador nacional é apanhado pela PIDE devido às ligações à tal rede de espionagem e acaba por ser preso no Campo de Concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, onde passou dois anos. Na altura, o homem que dá nome à Supertaça já tinha sido o primeiro capitão da Seleção, já tinha jogado no Benfica, já tinha fundado o Casa Pia e já era selecionador. Mas ainda teve tempo para fazer muito mais.
Cândido de Oliveira foi “personagem excecional” que dava para muitos filmes
Depois de sair do Tarrafal, Cândido de Oliveira recuperou as funções de selecionador nacional, treinou o Sporting dos Cinco Violinos, o FC Porto e a Académica e lançou as bases da primeira escola de futebol portuguesa, sendo a principal influência de Fernando Vaz e José Maria Pedroto. Em 1945, em conjunto com António Ribeiro dos Reis e Vicente de Melo, funda o jornal “A Bola” — ao serviço do qual acabaria por morrer, em 1958 e com apenas 61 anos, enquanto cobria o Campeonato do Mundo que decorreu na Suécia.
Cândido de Oliveira foi funcionário dos Correios, jogador de futebol, treinador, selecionador nacional, jornalista e espião. Mas acima de tudo, foi um casapiano apaixonado pelo desporto que coloca 22 pessoas a correr atrás de uma bola dentro de um campo relvado. O Observador falou com Jorge Paixão da Costa, realizador de “Cândido”, e João Nuno Coelho, consultor do filme, sobre a vida do Mestre Cândido.
Jorge Paixão da Costa
Este é um filme sobre futebol ou sobre espionagem?
No fundo, é sobre as duas coisas. Mas mais sobre uma faceta da vida do Cândido de Oliveira, de espião e jornalista, onde obviamente o futebol está incluído. Mas é claro que não podemos subtrair o futebol, porque o futebol era parte intrínseca da vida dele.
O filme começa com uma frase forte: “Tudo o que de bom e mau me aconteceu na vida foi sempre por amar tanto o futebol.” É mesmo assim? O futebol trouxe tantas coisas más como boas a Cândido de Oliveira?
Não. Acho que lhe trouxe muito mais prazer. Mas também lhe trouxe muitas contrariedades. Eu acho que este filme é muito atual. Agora tem-se falado muito sobre o 25 de abril, as prisões da PIDE, as perseguições, mesmo a pessoas que são incriminadas sem que se prove que foram incriminadas… E isso é muito a vida do Cândido. O futebol não tinha o poder e a posição na sociedade que tem hoje, ainda era um desporto, ainda não era um espetáculo. E toda a gente percebia que era um desporto que tinha um grande potencial para vir a ser um espetáculo. Quem estava envolvido nesse ambiente, tal como o Cândido, tinha de ter muitas contrariedades. Seguramente.
A história do Cândido de Oliveira não é muito conhecida e a verdade é que poucos sabem o porquê de a Supertaça levar o seu nome. Por que é que o nome dele não ficou na memória, como tantos outros ficaram?
Há seis anos fiz uma série de televisão documental, chamava-se “À porta da História”, e era precisamente sobre isso, sobre as pessoas que ficaram à porta da História. Pessoas de quem já ouvimos falar, mas que não sabemos quem são. O Bulhão Pato, a Duquesa de Palmela, o Padre Himalaia… E comecei a pesquisar sobre essas pessoas todas e também me apareceu o Cândido de Oliveira. Eu gosto de futebol, gosto muito de futebol, e sabia que a Supertaça se chamava Cândido de Oliveira. E pensei que o tipo que dava nome a uma taça tinha de ter sido importante. Todas estas pessoas contribuíram imenso para o que somos hoje em dia, mas não são falados nem conhecidos. E foi assim que entrei em contacto com a vida do Cândido de Oliveira. Apercebi-me de que todas aquelas pessoas davam um filme, mas que o Cândido dava seis. Tinha de escolher qual dos seis filmes ia fazer e achei que a parte mais rica era precisamente esta, no início dos anos 40, quando ele é envolvido na rede de espionagem. Antes tinha sido um jogador de futebol, um casapiano, muito conhecido e reconhecido pela personalidade que tinha, e depois de voltar do Tarrafal foi quando fundou o jornal “A Bola”, quando continuou a ser selecionador, quando foi treinar a Académica. E morreu num dia de chuva, em Estocolmo, a ver jogar futebol.
Ele nunca casou, não teve filhos, nunca teve uma relação importante conhecida. A grande paixão da vida dele foi mesmo o futebol?
Percebi ao longo da minha pesquisa que muitas pessoas do futebol, sobretudo pessoas que leram um dos livros sobre ele, achavam que ele era homossexual.
Daí aquela aparente referência no filme, em que é insultado pelo agente da PIDE precisamente nesse sentido?
Mais ou menos. Eu sou muito antigo, nasci nos anos 50, e quando comecei a ir para a escola insultar alguém com aquela palavra não era dizer que alguém era alguma coisa, era só para ofender. E aqui, tendo em conta as conotações dos dias de hoje, fica ambíguo. Utilizei essa ambiguidade para deixar ali aquele insulto e, simultaneamente, deixar no ar a dúvida sobre se era ou não. Não se sabe se era ou não era. Há quem diga que teve uma paixoneta pela filha do coronel [António Ribeiro dos Reis] que era sócio dele no jornal “A Bola”, que estava com ele quando ele morreu. Mas também há quem diga, nomeadamente nesse livro do Homero Serpa [“Cândido de Oliveira: uma biografia”], que ele provavelmente era homossexual.
Neste ano específico do filme ele está a fazer tudo, ainda trabalha nos Correios, tem a revista “Stadium” e é selecionador nacional. Se tivesse de escolher entre o jornalismo e ser treinador, se só pudesse fazer um, o que é que acha que ele escolhia?
Ele gostava tanto das duas coisas… Mas dá-me ideia de que gostava muito mais de ser treinador. Tanto que quando funda o jornal “A Bola” diz que é um jornal de todos os desportos, não é só um jornal de futebol. Dá-me ideia de que adorava o desporto em si e a escrita, mas preferia ser treinador e selecionador nacional. Ele gostava muito de treinar. O problema é que não podia deixar os Correios, que lhe davam mais dinheiro do que tudo o resto em conjunto.
O filme deixa a ideia de que o dinheiro que recebia por passar aquelas informações dava muito jeito, mas que também existia ali um lado muito patriótico. Acha que aceitou tudo aquilo e colocar-se tão em risco por um lado de defesa da pátria ou só mesmo porque o dinheiro dava muito jeito?
As duas coisas. O lado patriótico… Quem acreditava que a Alemanha seria o nosso melhor parceiro também era patriótico, à sua maneira. Ali existe a dicotomia “os bons vs os maus”. Para o Cândido, os ingleses eram os bons. Não era pela democracia nem por nada dessas coisas, era por serem os nossos aliados mais antigos, por existir a sensação de que iriam ganhar a guerra. E depois, sim, o dinheiro dava muito jeito. E acho que é bom termos um herói assim. Em vez de estar ali a mostrar o tradicional retrato do herói, temos um herói que às vezes não percebemos se é inconsciente, se não sabe bem o que está a fazer, se não tem noção do perigo que corre ou se finge que não sabe nada disso.
Acha que ele não tinha mesmo noção do perigo que corria?
Acho que tinha, mas não queria sentir esse perigo.
Era possível existir um Cândido de Oliveira hoje em dia?
Hoje em dia existem muitos Cândidos. Com a guerra na Ucrânia, a guerra no Médio Oriente, a quantidade de espiões que anda aí é espantosa. Pessoas injustiçadas, acusadas de terem feito coisas que nem se sabe bem o quê nem quando nem onde. O contexto está muito parecido com o daquela altura e acho que também devem existir muitos Cândidos, vários Cândidos.
Durante o processo de realização do filme, sentiu muita surpresa por parte das pessoas que estavam à volta? Ou seja, sentiu que as pessoas ficam genuinamente surpreendidas com a magnitude da história?
Claro. Senti isso até nas pessoas do futebol, porque algumas não faziam a mínima ideia de que o Cândido de Oliveira tinha sido espião. E um espião daquele género, que fazia aquilo com um à vontade muito grande. O filme não é um filme noir tradicional, em que o espião anda sempre encostado à parede a olhar para todo o lado, ele acha que aquilo era o que tinha de fazer e fazia. Achava que aqueles é que eram os bons e claro, quando acenavam com dinheiro… Mas isso era muito humano. Às tantas, o Ribeiro dos Reis diz-lhe que o que o vai tramar é ele ser um humanista. Mas ele é um humanista humano, é abrangente, e é por isso que acho que é um herói muito rico. Pode não ser o herói tradicional do cinema, que se sacrifica pelo grupo e que vai para a frente mesmo achando que não é ele que deveria ir para a frente, mas é um herói atípico. Imaginemos que a Alemanha tinha vencido a guerra. Qual era a situação histórica do Cândido de Oliveira? Era um traidor. Assim é um herói. Tudo depende da maneira como a História evolui.
João Nuno Coelho
Qual é a importância do Cândido de Oliveira para o futebol nacional naquele momento tão capital, em que a modalidade podia ser implementada no país ou podia tornar-se irrelevante?
É uma pergunta difícil porque é quase impossível dissociar uma coisa da outra. O Cândido foi a alma do futebol português, principalmente nesse período da popularização. Desde logo, porque desenvolveu um clube numa instituição que esteve ligada aos inícios da popularização do futebol em Portugal, a Casa Pia. Não é por acaso que é da Casa Pia que saem os fundadores do Benfica. E a zona de Belém tem uma importância fundamental na popularização do jogo, porque até aí era um desporto de elites, e foi naquela zona que os miúdos começaram a imitar o que viam e a jogar na rua. A criação do Casa Pia Atlético Clube foi absolutamente fundamental nesse processo e foi ele o líder dessa fundação. Aliás, isso valeu-lhe muita antipatia por parte dos benfiquistas, quando ele até tinha uma costela benfiquista, porque nunca lhe perdoaram o facto de ter saído e de ter levado com ele vários jogadores, como o António Pinho, o Clemente Guerra, um conjunto de casapianos que quiseram sair do Benfica para fundar o Casa Pia.
O que acaba por ser engraçado, porque depois funda o jornal “A Bola” com benfiquistas.
Exato. O que ajuda a explicar esse paradoxo e a forma como depois conseguiu conciliar tudo e fazer cedências e gerir as coisas em relação ao próprio regime. Logo a seguir a isso, e porque foi disso que se tratou, a fundação da Seleção Nacional. A União Portuguesa de Futebol [só a partir de 1926 passou a chamar-se Federação Portuguesa de Futebol] queria ter uma representação nacional, mas não estava a conseguir devido ao caos associativo e à rivalidade Porto/Lisboa e dos jornais das duas cidades, que rapidamente entraram numa guerra para ver quem é que tinha mais convocados. E o Comité Técnico da Seleção demitiu-se. E foi o Cândido de Oliveira, em conjunto com o Ribeiro dos Reis, que tomou em mãos a decisão de criar a Seleção. E não é por acaso que a Seleção joga de camisola preta naquele primeiro jogo em Madrid, é por causa da Casa Pia. A partir daí, o Cândido fica intimamente ligado à Seleção: não só porque foi ele que permitiu a estreia, mas também porque foi ele a tornar-se selecionador cinco anos depois. Ele está na direção técnica da Seleção desde 1925 até 1945, são 20 anos como selecionador nacional que incluíram a participação nos Jogos Olímpicos de 1928, que foi o nosso primeiro brilharete, um país sem qualquer relevância que chega aos quartos de final. E depois tem muita importância na definição dos regulamentos, das provas, ele e o Ribeiro dos Reis eram uma espécie de eminências pardas. Nunca chegaram a ser presidentes da Federação Portuguesa de Futebol, mas tinham uma importância fundamental porque eram os ideólogos, no fundo, do futebol português.
Mas de onde é que vem esse respeito tão grande pelas regras, pela tática, pela estratégia? Numa altura em que o futebol praticado em futebol era muito arcaico e quase anárquico.
Acho que vem tudo do facto de ele, na verdade, ser um intelectual. Ele era um intelectual. Ele estudava e procurava conhecimento avidamente, tirou o curso de treinador da Football Association de Inglaterra em 1935. Ele procurava o conhecimento, a reflexão. Conhecia os grandes vultos do futebol europeu da altura, ia muito a Inglaterra ver jogos e falar com as pessoas. Em 1939, na sequência da eleição do Peyroteo como melhor jogador português pelos leitores do jornal “O Século”, o prémio foi ir ver a final da Taça de Inglaterra e foram os dois. E o Peyroteo ficou completamente boquiaberto com a forma como ele se dava com todas as pessoas, tanto em Wembley como depois num jogo do campeonato inglês em Birmingham que também foram ver. Tinha um à vontade enorme com estas pessoas e vivia para aquilo, era solteiro, os grandes amores da vida dele eram o futebol e a Casa Pia. Chegou a sustentar ex-casapianos durante a vida toda, utilizava o dinheiro que ganhava com o jornalismo e nos Correios para isso.
Até porque nunca ganhou praticamente nada no futebol.
Há depoimentos incríveis sobre o tempo em que ele foi treinador da Académica. Ele pagava o hotel onde estava, pagava a alimentação, pagava tudo… E estava sempre à espera que chegasse o dinheiro do jornal “A Bola” de Lisboa, porque nunca ganhou nada com o futebol. Foi a primeira pessoa a escrever consistentemente sobre futebol em Portugal e não apenas nos jornais. Tinha a capacidade de gerir as situações com o regime, tal como o Ribeiro dos Reis, que era militar. Como se não chegasse tudo isto, escreve quatro ou cinco livros sobre futebol, o primeiro é de 1933 e chama-se “Profissionalismo e Amadorismo”. E depois ainda consegue ser o treinador-referência dos Cinco Violinos. É campeão nacional em 1948 e 1949, que é exatamente o período em que os Cinco Violinos jogam juntos, eles jogam juntos durante três anos e dois são com ele. As inovações táticas que conseguiu implementar, aquele sistema de quatro em linha em que o Travassos recuava para jogar a médio e a lançar os colegas.
Ele criou a primeira escola de futebol portuguesa?
Acho que sim. Com o trabalho no FC Porto e principalmente na Académica, consegue definir, desde o final dos anos 40 e até morrer em 1958, uma escola de futebol portuguesa. Muito baseada na habilidade, na técnica, no passe curto, um tikitaka antes do tempo, porque considerava que tínhamos de jogar aproveitando as nossas características latinas. Não podíamos entrar na luta, no confronto físico, com as equipas que tinham jogadores muito mais corpulentos. Em Coimbra, em meados dos anos 50, cria essa forma de jogar que depois até fica conhecida como “jogar à Académica” e que tinha muito a ver com isso. E que depois é explorada nos anos 60, com o Mário Wilson e o próprio José Maria Pedroto. E não é por acaso que, quando passa pelo Sporting no final dos anos 40, tem o Fernando Vaz como adjunto, depois treina o Pedroto em 1953, e também tem essa importância. O Vítor Santos chamava-lhe o Prémio Nobel da Bola, porque tinha essa abrangência.
E qual é a importância do jornalismo no meio de tudo isto?
A herança fundamental dele é o jornalismo. Se fosse hoje, acho que ele também pensava sobre todas estas coisas que nós discutimos agora sobre o jornalismo. Ele tinha uma visão muito universalista. Sendo um homem do seu tempo, profundamente patriota, sempre teve a ideia de que o desporto tinha de ser universalista. Ele pretendia sempre passar essa ideia no futebol e no jornalismo passou sempre. Teve muitas dificuldades, obviamente, porque até no jornal que ele fundou existia muito conflito, era um jornal com pessoas contra o regime, mas que também tinha muita gente do regime e a favor do regime. Além da questão do benfiquismo e de ter de gerir esse lado, tinha também este problema. O jornal “A Bola” esteve suspenso um mês, pouco depois de ser fundado, porque o Cândido escreve uma crónica absolutamente hilariante a gozar com a Federação Portuguesa de Futebol porque puseram a Seleção a jogar com a tripulação de um barco inglês e chamaram-lhe seleção inglesa. E o Cândido destrói completamente aquilo com um sentido de humor terrível, brutal, e o jornal está um mês suspenso por causa daquilo. Podemos imaginar o equilíbrio precário que devia existir. Há quem diga até que ele deixou Lisboa para ir para o Porto porque não queria estar em Lisboa com estes problemas todos no jornal. E mesmo assim conseguia influenciar e levar a sua avante, mesmo com algumas dificuldades. Quem lê o jornal daquela altura percebe que nada era completamente pacífico.
Faço a mesma pergunta que fiz ao Jorge Paixão da Costa: se ele só pudesse escolher um, entre ser treinador ou jornalista, qual é que escolhia?
Acho que era muito difícil, acho que adorava fazer as duas coisas. Acho que não dá para dissociar uma coisa da outra. Talvez o futebol fosse a paixão mais profunda, porque o jornalismo também tinha a dimensão financeira, ele ganhava dinheiro com o jornalismo. Mas eram coisas muito associadas, um bocadinho ao jeito do que acontecia no final do século XIX com aqueles primeiros futebolistas que jogavam e depois iam fazer a crónica a seguir. Ele era um divulgador do futebol. Uma coisa é indissociável da outra.
É inevitável considerar que é uma personagem esquecida pela História. Como é que é possível, tendo em conta a dimensão da influência no futebol português e no jornalismo desportivo?
Em Portugal e não só, a tendência é para esquecer. Não existe a preocupação de conhecermos o nosso passado e de tirarmos partido disso, nomeadamente no futebol. Parece-me que ele é esquecido como foi o Artur José Pereira, fundador do Belenenses e melhor jogador de futebol dos anos 20. Foi esquecido como o Pinga ou o Vítor Silva, que terá sido o melhor avançado português até ao Peyroteo… Tem muito a ver com esta tendência para nos esquecermos do passado. E também tem a ver com as décadas de atraso que nós temos, mesmo em termos académicos, a investigação só começou a ser estimulada depois do 25 de abril. Tudo isto demora o seu tempo e este filme é ótimo porque vai permitir que se recupere uma figura que ultrapassou em muito o futebol.
E que parece que tem muitas vidas dentro da própria vida.
Depois de ver o filme, que termina com a chegada dele ao Tarrafal em 1942, fiquei a pensar que ele sobrevive ao Tarrafal, volta, mantém-se como selecionador nacional — um preso político como selecionador nacional –, é treinador dos Cinco Violinos, passa pelo FC Porto e pela Académica e funda o jornal “A Bola”. A própria questão da morte dele… Com uma pneumonia continuou a ir aos jogos sem ter roupa suficientemente quente para isso, porque tinha tido um acidente de carro em Paris. Aliás, o Peyroteo nas suas memórias parece que quase adivinha o que vai acontecer, porque brinca e diz que o Cândido é um mestre em tudo menos a conduzir. A maneira como ele morre na Suécia é inacreditável. E depois esse idealismo, esse humanismo, numa época tão complicada. Ele conseguir, com aquela vida dupla, segurar as pontas. Dava-se com pessoas que tinham ideias completamente contrárias às dele e talvez tenha sido por isso que ele quis tanto separar todas as vertentes, para continuar a fazer aquilo de que gostava e ajudar ao máximo as pessoas.