Garantir um oceano saudável é um propósito cada vez mais claro para as empresas responsáveis, tal como a Conferência dos Oceanos assinala hoje com um evento dedicado à economia azul no Centro de Congressos do Estoril. A EDP compromete-se com este objetivo e um dos seus compromissos passa pelo investimento de mais 24 mil milhões de euros na transição energética e na expansão de energias limpas de forma a chegar à descarbonização de todo o processo até 2030. Miguel Setas, administrador do Grupo EDP, explica até onde vão os compromissos da organização e o que cada um de nós pode fazer para que a chamada Economia Azul ajude a humanidade a reparar a saúde das águas, das espécies e de todo o planeta.
Quais são os princípios da Economia Azul?
A Economia Azul tem sido um conceito muito abordado recentemente, embora já venha de 1994, quando foi criado pelo economista Gunter Pauli, em resposta a um pedido das Nações Unidas para preparar a COP3 no Japão, onde foi celebrado o Protocolo de Quioto em 1997. Ou seja, já desde os anos 90 que existe esta preocupação com a promoção do crescimento das economias marítimas e a valorização dos recursos oceânicos e costeiros. Os princípios estão muito ancorados na conservação dos ecossistemas aquáticos e marinhos e na utilização e gestão sustentável dos recursos oceânicos, que se baseia nos princípios de equidade, de inclusão social, de eficiência energética e de desenvolvimento com baixa emissão de carbono.
Quais são as prioridades para o desenvolvimento desta economia?
O oceano tem um papel vital no cumprimento dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), definidos na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), e das metas estabelecidas no Acordo de Paris. Uma das razões é que, comprovadamente, o oceano possibilita a exploração da energia renovável offshore, permite o recurso à alimentação sustentável e a utilização de meios de transporte marítimos limpos.
Por isso mesmo, a UN Global Compact (UNGC) estabeleceu nove Princípios para o Oceano Sustentável, que oferecem um enquadramento para a prática de negócios sustentáveis em todas as indústrias e regiões. Estes princípios têm por base e complementam os 10 Princípios da UNGC, nos domínios de direitos humanos, práticas laborais, ambiente e anticorrupção. Os signatários deste compromisso, entre os quais está a EDP, reconhecem a urgência e importância global de garantir um oceano saudável, comprometendo-se para isso a tomar medidas promotoras da sustentabilidade dos oceanos para as gerações atuais e futuras, nos âmbitos ‘Saúde e Produtividade dos Oceanos’, ‘Governação e Envolvimento’ e ‘Dados e Transparência’.
De que forma poderá a EDP contribuir para a exploração deste recurso e ao mesmo tempo proteger a “saúde” dos oceanos?
Todos os setores têm um papel relevante para acelerar a mudança urgente para uma economia oceânica resistente às alterações climáticas. E a energia tem aqui uma responsabilidade enorme, ao promover soluções sustentáveis e de desenvolvimento económico que garantam descarbonização, independência e transição justa.
A EDP está a fazer a sua parte. O nosso compromisso passa por investir mais 24 mil milhões de euros na transição energética, maioritariamente na expansão de energias limpas, de forma a chegarmos a 2030 com uma produção de energia 100% renovável e sermos neutros em carbono (emissões de âmbito 1 e 2) até 2030 e net zero (emissões de âmbito 3) até 2040. Exemplo disso é o que estamos a fazer com a aposta na energia eólica offshore, que será uma tecnologia central para acelerar a transição energética global, ao permitir o fornecimento de energia em grande escala, económica e fiável, sem emissões de carbono. É um setor que já demonstrou o seu potencial. E, tal como anunciámos na última semana, a EDP planeia investir 1,5 mil milhões de euros em projetos renováveis no oceano até 2025: é o nosso contributo para a meta de adição de capacidade eólica da Ocean Winds (OW) – a joint venture que EDP detém em 50/50 com a Engie –, que está na liderança da indústria, nomeadamente no segmento eólico offshore. No total, até 2025, a OW prevê acrescentar 5 a 7 GW de projetos que já estarão em operação ou em construção e 5 a 10 GW de projetos em desenvolvimento avançado.
Como é que esta aposta nos oceanos se enquadra na estratégia de uma empresa como a EDP?
A aposta nos oceanos integra-se claramente na nossa estratégia de transição energética e que vai ao encontro dos grandes temas abordados nesta conferência das Nações Unidas. Nestes tempos desafiantes, temos de potenciar todos os recursos à nossa disposição para garantir um futuro mais sustentável para todos e o oceano desempenha um papel vital nesta transformação. Na EDP estamos totalmente comprometidos com esta ambição, mas é necessário um esforço coletivo. A EDP, recorde-se, foi das primeiras na Europa a tirar partido das enormes vantagens de produzir energia renovável em alto mar, onde existe um forte recurso eólico, com o Windfloat, um projeto flutuante pioneiro ao largo da costa de Viana do Castelo. A eólica offshore é, aliás, um dos segmentos com maior potencial de crescimento a nível mundial – atualmente, a capacidade instalada no mundo é de cerca de 40 GW e a expetativa é de que atinja mais de 200 GW até 2030 e mais de 1500 GW até 2050. Só em Portugal, por exemplo, o Plano Nacional de Energia e Clima 2030 tem como meta a implementação de cerca de 370 MW de vento e ondas offshore até 2030 e o Roteiro para a Neutralidade Carbónica tem igualmente o objetivo de 1,3 GW de vento offshore em 2050. A energia eólica offshore é, por isso, uma opção fundamental no processo global de transição energética e uma área onde a EDP continuará a apostar em diferentes geografias, tal como reforçou com o recente anúncio de investimentos em projetos offshore.
E como pretendem reforçar a ambição na neutralidade carbónica?
A EDP já tinha assumido que pretende ser neutra em carbono até 2030, ou seja, que toda a sua atividade e operações irão garantir uma redução de 98% das emissões específicas de CO2 (face aos níveis de 2015). Por exemplo, reduzindo a queima de combustíveis fósseis, como é o caso do carvão, ou diminuindo o consumo de eletricidade necessária para desenvolver as suas operações. Agora, elevámos a fasquia e definimos uma meta ainda mais exigente: ser ‘net zero’ em 2040. Isto significa que, além dos objetivos de redução de emissões até 2030 que dependem apenas da nossa atividade, queremos também envolver toda a nossa cadeia de valor neste compromisso de neutralidade carbónica, desde fornecedores a clientes.
Pretendemos com isto, envolver mais iniciativas, mobilizar mais pessoas e concentrar mais ações rumo à descarbonização e à neutralidade carbónica. O modelo de negócio da EDP é, assim, um contributo essencial para o desenvolvimento sustentável, tendo as suas prioridades estratégicas alinhadas com a descarbonização da economia e com a urgência da transição energética.
Devemos encarar a proteção dos oceanos como a prioridade das prioridades? Estamos verdadeiramente em estado de emergência?
O oceano cobre 70% da superfície da Terra, é um ecossistema valioso e um recurso económico vital que alberga até 80% de toda a vida no planeta, gera 50% do oxigénio de que necessitamos, absorve 25% de todas as emissões de dióxido de carbono e captura 90% do calor adicional gerado por essas emissões – e é isto que temos de proteger.
Os últimos relatórios das Nações Unidas sobre impactos no clima são cada vez mais alarmantes e mostram claramente que as alterações climáticas estão a acontecer a um ritmo mais rápido do que a velocidade a que estamos a conseguir adaptar-nos. Isso significa que as atuais políticas climáticas podem já não ser suficientes para travar o aumento da temperatura entre 2,4ºC e 3,5ºC até 2100.
Também os últimos dados sobre o ODS14 pintam um quadro perturbador de zonas mortas nas águas costeiras do mundo, que aumentam a um ritmo preocupante, e revelam ainda que o financiamento para a investigação marinha é insignificante face à enorme contribuição económica dos oceanos do mundo. Precisamos, por isso, não só de compromissos, mas também de ações imediatas, urgentes, para alcançar a Agenda 2030 da ONU, incluindo o ODS14, e precisamos urgentemente de converter os sistemas energéticos dos combustíveis fósseis em energias renováveis.
O que pode acontecer se nada for feito?
Um dos alertas levantado pelo recente relatório do IPCC sobre Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade vem reconhecer que já não é uma questão apenas de prevenir ou combater as alterações climáticas, mas sim de saber que medidas devem ser tomadas para nos adaptarmos às consequências reais do aquecimento global. Quase metade da população mundial, entre 3,3 e 3,6 mil milhões de pessoas, vive em contextos altamente vulneráveis às alterações climáticas. O novo relatório anual da Organização Meteorológica das Nações Unidas (OMM), divulgado em maio deste ano, também avisa que as temperaturas e os níveis de acidificação dos oceanos atingiram em 2021 valores nunca antes alcançados. As previsões científicas apontam para um futuro insustentável para as próximas gerações – portanto, não é apenas uma questão de fazermos algo, mas sim de fazer tudo ao nosso alcance para que a ameaça não se torne uma realidade e destrua o futuro do nosso planeta.
Ainda vamos a tempo de evitar a destruição dos oceanos? Como podem as empresas evitar o seu declínio?
Acredito que o mundo ainda pode evitar os piores impactos das alterações climáticas e da degradação dos oceanos, mas apenas se agir para a transição para uma economia diferente – e o tempo de agir é agora.
Este é provavelmente o maior desafio que a humanidade alguma vez enfrentou. Precisamos de mudar mais na próxima década do que alguma vez fizemos até agora. Mas temos os instrumentos, os conhecimentos, as plataformas, as iniciativas e acredito firmemente que temos a vontade de o fazer. A viagem é longa, com riscos, mas também com grandes oportunidades.
Isso exigirá a combinação de esforços de todos os setores, uma forte inovação tecnológica e reformas políticas. Temos de melhorar a concretização em vários tópicos como: transformações à escala do sistema; incorporação dos princípios de “Do No Significant Harm” que surgiram relacionados com o deixar de lado, circularidade e proteção da biodiversidade; cooperação de múltiplas partes interessadas e roteiros acionáveis para concretizar os objetivos, apoiados por uma política e regulamentação adequadas.
Acredito que o trabalho que estamos a desenvolver na EDP demonstra que é realisticamente possível mobilizar o investimento necessário para áreas como infraestruturas sustentáveis, energia renovável, água ou saúde. Para atingir estes objetivos coletivos, temos de trabalhar em conjunto na mesma direção.
Como é que a EDP integra a sua atuação enquanto empresa e a sensibilização das populações e governos?
A UNOC representa uma oportunidade única de demonstrar e acelerar a ambição e a ação do setor privado para cumprir os objetivos climáticos da ONU e o ODS14 e encorajar mais empresas e indústrias a assumirem compromissos e a seguirem medidas sustentáveis. A comunidade empresarial pode ajudar a criar confiança entre os governos e encorajá-los a aumentar o seu nível de ambição e a alavancar as parcerias entre vários agentes da sociedade, as políticas adequadas e o financiamento necessário para realizar progressos.
Os líderes empresariais também vêem a UNOC como um marco importante para transmitir aos governos o que esperam dos resultados, bem como as decisões políticas que irão impulsionar a ação na economia real. Nesse sentido, há medidas que as empresas desejam e que os governos devem avaliar com atenção, como, por exemplo: implementar políticas internas para atingir objetivos de sustentabilidade e metas climáticas; incentivar investimentos privados em soluções de emissões zero para o setor energético, o que significa incluir a eliminação gradual dos subsídios à energia do carvão e aos combustíveis fósseis. Além disso, será importante planear o melhor e mais detalhadamente possível, identificando o mais cedo possível todas as áreas e projetos a desenvolver no mar e lançar estudos e consultas associadas muito cedo. Este planeamento será fundamental para dar visibilidade aos investimentos que permitirão aos agentes industriais locais organizarem-se e desenvolverem-se.