Discurso do Papa na íntegra

A intervenção do Papa Francisco na Universidade Católica Portuguesa

Queridos irmãos e irmãs, bom dia! Obrigado, senhora Reitora, pelas suas palavras. Afirmou que todos nos sentimos ‘peregrinos’, é uma palavra bonita cujo significado merece ser meditado. Literalmente, significa deixar de lado a rotina habitual e pôr-se a caminho com um intento, que pode ser o de um passeio pelos campos ou ir mais além dos nossos confins habituais; seja como for, deixando o espaço de conforto pessoal rumo a um horizonte de sentido. Na imagem do ‘peregrino’, espelha-se a condição humana, pois todos somos chamados a confrontar-nos com grandes perguntas para os quais não basta uma resposta simplista ou imediata, mas convidam a realizar uma viagem, superando-se a si mesmo, indo mais além. Trata-se dum processo que um universitário compreende bem, pois é assim que nasce a ciência. E de igual modo cresce também a busca espiritual (…).

O Papa Francisco começou o discurso repetindo o apelo da reitora da Universidade Católica Portuguesa, Isabel Capeloa Gil, para que todos os participantes da JMJ — e, concretamente, os que estavam naquele encontro com o Papa na universidade — se sentissem “peregrinos”. Trata-se de uma palavra com significado especial para a Igreja: aquele que, pela sua fé, viaja até longe do lugar onde vive. O Papa dá aqui o tom a todo o discurso: um apelo a que os jovens se desinstalem, saiam dos lugares onde estão confortáveis, não se conformem com fórmulas e respostas simples, não se fechem nos muros do interior da Igreja. Pelo contrário, que cheguem mais longe, que percorram o caminho que os leva ao outro, ao diferente, aos que estão longe. No fundo, na linguagem própria de Bergoglio, à periferia, ao que está fora do centro, à margem. E o Papa começa por salientar, logo no primeiro parágrafo, que os universitários têm um papel fundamental neste caminho, já que é justamente esta inquietação de partir para longe e de descobrir outros caminhos que dá o mote para todo o trabalho da ciência.

Desconfiemos das fórmulas pré-fabricadas, das respostas que nos parecem ao alcance da mão, extraídas da manga como se fossem cartas viciadas de jogar; desconfiemos das propostas que parecem dar tudo sem pedir nada. A desconfiança é uma arma para poder caminhar em frente. Vemos numa parábola de Jesus que só encontra a pérola de grande valor quem a procura com sabedoria e iniciativa, quem dá tudo e arrisca tudo o que tem para a possuir. Procurar e arriscar: eis os verbos dos peregrinos.

Antes de prosseguir para o centro do discurso, o Papa enquadra a sua mensagem no contexto mais amplo do Evangelho — ou seja, da vida e ensinamentos de Jesus Cristo, o centro absoluto da mensagem cristã. Francisco faz referência à parábola do negociante de pérolas, que surge num excerto do Evangelho Segundo São Mateus que esteve presente nas missas do último domingo em todo o universo católico: o negociante, quando descobre uma pérola de grande valor, vende tudo o que tem para ter dinheiro para a comprar; assim é o Reino de Deus, diz Jesus. O Papa Francisco, que tem por hábito reforçar os verbos centrais das suas mensagens (o mesmo acontece, por exemplo, com o tema desta JMJ, centrado nos verbos “levantar-se” e “partir”), sintetiza esta mensagem em dois verbos de ação: procurar e arriscar. É a isto que o Papa desafia não só os jovens universitários, mas genericamente toda a juventude contemporânea: que sejam protagonistas das suas vidas e das mudanças do mundo. Mas, para serem protagonistas, têm de arriscar, têm de se lançar à ação nos contextos quotidianos em que se inserem. Em múltiplos documentos e discursos dirigidos à juventude — com especial destaque para a exortação apostólica Christus Vivit, o Papa tem partilhado a preocupação com a ideia de que jovens de hoje se reformem antes do tempo e não sejam capazes de se levantar do sofá.

Pessoa diz, de modo atormentado mas correto, que ‘ser descontente é ser homem’ (Mensagem, O Quinto Império). Não devemos ter medo de nos sentir inquietos, de pensar que tudo o que possamos fazer não basta. Neste sentido e dentro duma justa medida, ser descontente é um bom antídoto contra a presunção da autossuficiência e o narcisismo. O ser incompleto carateriza a nossa condição de indagadores e peregrinos, pois, como diz Jesus, estamos no mundo, mas não somos do mundo.

À semelhança do que fez em vários dos discursos do seu primeiro dia em Portugal, o Papa Francisco não deixou de citar autores portugueses na sua intervenção desta manhã na Universidade Católica. Sempre que o Papa viaja internacionalmente, a preparação das suas intervenções conta sempre com as sugestões e ajudas dos elementos dessa nacionalidade que trabalham com ele na Cúria Romana. No caso português, a profusão de citações literárias poderá indiciar o apoio, por exemplo, do cardeal Tolentino Mendonça (prefeito do Dicastério para a Cultura e Educação) e do bispo Carlos Azevedo (delegado do Comité Pontifício para as Ciências Históricas). O Papa usa a citação de Fernando Pessoa para sublinhar o que já tinha dito no parágrafo anterior: a necessidade de uma desinstalação pessoal que leve cada pessoa a procurar horizontes mais amplos e a ir mais além de si próprio.

Somos chamados a algo mais, a uma descolagem sem a qual não há voo. Portanto, não nos alarmemos se nos encontramos intimamente sedentos, inquietos, incompletos, desejosos de sentido e de futuro, com saudades do futuro. Não se esqueçam de manter viva essa memória do futuro. Não estamos doentes, mas simplesmente vivos! Preocupemo-nos antes quando estamos prontos a substituir a estrada a fazer por qualquer estação de serviço que nos dê a ilusão do conforto; quando substituímos os rostos pelos ecrãs, o real pelo virtual; quando, em vez das perguntas lacerantes, preferimos as respostas fáceis que anestesiam. Amigos, permiti dizer-vos: procurai e arriscai. Neste momento histórico, os desafios são enormes e os gemidos dolorosos.

“Substituir a estrada a fazer por qualquer estação de serviço que nos dê a ilusão do conforto” é uma nova forma de o Papa salientar a mesma mensagem: é no caminho que se percorre até ao final da vida que está o valor da proposta cristã, e não na ideia — sempre falsa — de que se chegou ao destino. Para isso, é necessário fugir do conforto das respostas fáceis e procurar o caminho desafiante. Neste momento do discurso, o Papa Francisco sublinhou também os “gemidos dolorosos” do mundo contemporâneo. Antes, Francisco tinha ouvido o testemunho de uma jovem iraniana que teve de fugir duas vezes: inicialmente refugiada na Ucrânia, teve de voltar a fugir da guerra e estuda hoje em Viseu. Fugindo ao discurso escrito, o Papa Francisco fez uma referência aos muitos conflitos do mundo contemporâneo, classificando-os com a já célebre expressão “terceira guerra mundial aos pedaços”, para sublinhar um aspeto: os jovens vivem num mundo concreto, com desafios concretos, e é na resposta a esses problemas concretos — e não num conjunto de abstrações que pode parecer atrativo para alguns — que são chamados a colaborar ativamente.

Mas abracemos o risco de pensar que não estamos numa agonia, mas num parto; não no fim, mas no início dum grande espetáculo. Por isso sede protagonistas duma ‘nova coreografia’ que coloque no centro a pessoa humana, sede coreógrafos da dança da vida. As palavras da senhora Reitora serviram-me de inspiração sobretudo quando afirmou que ‘a universidade não existe para se preservar como instituição, mas para responder com coragem aos desafios do presente e do futuro’. A autopreservação é uma tentação, um reflexo condicionado pelo medo, que nos faz olhar para a existência de forma distorcida. Se as sementes se preservassem a si mesmas, desperdiçariam completamente a sua força geradora e condenar-nos-iam à fome; se os invernos se preservassem a si mesmos, não existiria a maravilha da primavera. Por isso, tende a coragem de substituir os medos pelos sonhos: não sejam administradores de medos, mas empreendedores de sonhos!

“Sede coreógrafos da dança da vida”, disse o Papa numa mensagem marcada pelo apelo a que os jovens assumam o protagonismo das suas vidas. Neste segmento da intervenção, o Papa aplicou ao meio universitário um aviso que tem deixado à Igreja: evitar a tentação da autopreservação. A universidade não pode servir para se autopreservar enquanto instituição, mas para servir a sociedade. Tem de estar ao serviço. Um discurso que evoca a mensagem do Papa à Igreja perante a crise dos abusos: durante décadas, foi a tentação da autopreservação que imperou na resposta a essa crise. É preciso, para o Papa, que o meio universitário deixe de ser um sistema fechado em si mesmo, mas que se coloque ao serviço do mundo.

À universidade que se comprometeu a formar as novas gerações, seria um desperdício pensá-la apenas para perpetuar o atual sistema elitista e desigual do mundo com o ensino superior que continua a ser um privilégio de poucos. Se o conhecimento não for acolhido como uma responsabilidade, torna-se estéril. Se quem recebeu um ensino superior – que hoje, em Portugal e no mundo, continua a ser um privilégio –, não se esforça por restituir aquilo de que beneficiou, significa que não compreendeu profundamente o que lhe foi oferecido. No Génesis, as primeiras perguntas que Deus faz ao homem são: ‘Onde estás?’ (3, 9) e ‘Onde está o teu irmão?’ (4, 9). Ponhamo-nos a pergunta: Onde estou? Permaneço fechado no meu mundo ou abraço o risco de sair das minhas seguranças para me tornar um cristão praticante, um artesão de justiça e beleza? E perguntemo-nos ainda: Onde está o meu irmão? Experiências de serviço fraterno como a ‘Missão País’ e muitas outras, que nascem no meio académico, deveriam ser consideradas indispensáveis para quem passa por uma universidade.

Na exortação apostólica Christus Vivit, em 2019, o Papa Francisco já tinha avisado os jovens católicos que não devem deixar-se ficar dentro dos muros confortáveis do contexto institucional da Igreja. Na pastoral juvenil, não se deve “criar projetos que isolem os jovens da família e do mundo, ou que os transformem numa minoria seleta e preservada de todo o contágio”, dizia então o Papa. Agora, na Universidade Católica Portuguesa, ainda apontada como um símbolo do ensino superior das elites, o Papa reforçou esse alerta com palavras fortes: a universidade não pode “perpetuar o atual sistema elitista e desigual” num mundo em que o ensino superior continua a ser um “privilégio”. Nem de propósito, o Papa Francisco tinha acabado de escutar o testemunho de uma jovem que estudava na Católica graças a uma bolsa batizada com o nome do Papa. Também no que toca ao acesso ao ensino superior, o Papa pede aos jovens: sigam para as periferias e não se mantenham no conforto do centro.

Com efeito, o título de estudo não deve ser visto apenas como uma licença para construir o bem-estar pessoal, mas como um mandato para se dedicar a uma sociedade mais justa e inclusiva, ou seja, mais avançada. Disseram-me que a vossa grande poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen, em entrevista que é uma espécie de testamento, à pergunta ‘o que gostaria de ver realizado em Portugal neste novo século?’, respondeu sem hesitar: ‘Gostaria que se realizasse a justiça social, a diminuição das diferenças entre ricos e pobres’ . Dirijo agora a mesma pergunta a vós, caros estudantes, peregrinos do saber: Que quereis ver realizado em Portugal e no mundo? Quais mudanças, quais transformações? E como pode a universidade, especialmente a Católica, contribuir para isso?

Novamente, o Papa Francisco cita uma referência de Portugal, Sophia, para tornar a sua mensagem aos jovens mais concreta. Afinal, como se traduz todo este apelo à ação, pergunta o Papa? O que querem os jovens que aconteça de diferente? O que querem mudar no mundo? Identificar estas prioridades e desejos terá de ser um primeiro passo fundamental para que os jovens se lancem na ação.

Beatriz, Mahoor, Mariana e Tomás, agradeço os vossos testemunhos. Em todos havia um tom de esperança, uma carga de entusiasmo realista, sem queixumes nem escapadelas idealistas. Quereis ser ‘protagonistas da mudança’, como disse a Mariana. Ao escutar-vos veio-me ao pensamento uma frase do escritor Almada Negreiros, que talvez vos seja familiar: ‘Sonhei com um país onde todos chegavam a Mestres’ (A Invenção do Dia Claro). Também este idoso que vos fala sonha que a vossa geração se torne uma geração de mestres: mestres de humanidade, mestres de compaixão, mestres de novas oportunidades para o planeta e seus habitantes, mestres de esperança.

Mais uma citação para agradar ao auditório nacional — Almada Negreiros — e sublinhar o mesmo de antes: todos, e não apenas a elite, têm de ter acesso à educação e ao ensino superior. Todos, sem exceção, devem ter a oportunidade de ser protagonistas da mudança — expressão de Francisco adaptada por uma das jovens que leu o seu testemunho — e de ter as ferramentas para poderem sê-lo.

Como alguns de vós sublinharam, devemos reconhecer a urgência dramática de cuidar da casa comum. No entanto, isso não pode ser feito sem uma conversão do coração e uma mudança da visão antropológica subjacente à economia e à política. Não podemos contentar-nos com simples medidas paliativas ou com tímidos e ambíguos compromissos. Neste caso, ‘os meios-termos são apenas um pequeno adiamento do colapso’. Trata-se, pelo contrário, de tomar a peito o que infelizmente continua a ser adiado: a necessidade de redefinir o que chamamos progresso e evolução. É que, em nome do progresso, já abriu caminho muito retrocesso. Vós sois a geração que pode vencer este desafio: tendes instrumentos científicos e tecnológicos mais avançados, mas, por favor, não vos deixeis cair na cilada de visões parciais.

Na segunda parte do discurso, o Papa Francisco centra-se no tema do clima, um elemento central do seu pontificado. O Papa até dedicou uma encíclica às questões do clima — a Laudato Si’ — e destacou a necessidade de uma “ecologia integral”, que atende a todos os elementos da criação e a todos os aspetos da humanidade. E, mencionando também um tema profundamente desenvolvido na encíclica Fratelli Tutti, o Papa Francisco pede uma reflexão sobre o progresso contemporâneo que deixa para trás os mais frágeis. Por isso, diz o Papa, é necessário uma redefinição dos conceitos. Poderemos classificar como “progresso” um avanço tecnológico que aumenta as desigualdades e a pobreza? Para o Papa, é necessário desenvolver urgentemente uma ética da era tecnológica, sem a qual o mundo caminha inevitavelmente rumo ao abismo. Perante jovens universitários, o desafio torna-se claro: desenvolvam, a partir da academia, esta ética.

Não esqueçais que temos necessidade duma ecologia integral, de escutar o sofrimento do planeta juntamente com o dos pobres; necessidade de colocar o drama da desertificação em paralelo com o dos refugiados; o tema das migrações juntamente com o da queda da natalidade; necessidade de nos ocuparmos da dimensão material da vida no âmbito duma dimensão espiritual. Não queremos polarizações, mas visões de conjunto. Obrigado, Tomás, por nos teres dito que ‘não é possível uma verdadeira ecologia integral sem Deus, que não pode haver futuro num mundo sem Deus’. Também eu gostaria de vos dizer: tornai credível a fé através das vossas escolhas. Porque se a fé não gera estilos de vida convincentes, não faz levedar a massa do mundo. Não basta que um cristão esteja convencido, deve ser convincente; as nossas ações são chamadas a refletir a beleza jubilosa e simultaneamente radical do Evangelho.

A aproximar-se do final do discurso, o Papa toca nas mensagens que ouviu dos quatro jovens antes do seu discurso e desenvolveu ao pormenor aquilo que considera serem os elementos centrais da ecologia integral: a atenção aos pobres, a relação entre o drama dos refugiados e o clima, entre outros. E também deixou o apelo a que os jovens sejam evangelizadores. Os dias antes do arranque da JMJ ficaram marcados por uma pequena polémica envolvendo o presidente da Fundação JMJ, o bispo Américo Aguiar, que, numa entrevista à RTP, disse, sobre a JMJ: “Nós não queremos converter o jovem a Cristo nem à Igreja Católica.” A frase caiu mal nos setores ultraconservadores e obrigou o bispo a vir justificar-se a público, sublinhando que a JMJ não pretende ser um evento de proselitismo. Algo que, neste discurso, o Papa Francisco confirma em absoluto, sublinhando que a evangelização se faz através de um “estilo de vida convincente” dos cristãos, e não pela conversão unidirecional. Em 2013, na encíclica Evangelii Gaudium, documento programático com que inaugurou o pontificado, Francisco já tinha estabelecido o seu pensamento sobre o tema: “Os cristãos têm o dever de o anunciar, sem excluir ninguém, e não como quem impõe uma nova obrigação, mas como quem partilha uma alegria, indica um horizonte estupendo, oferece um banquete apetecível. A Igreja não cresce por proselitismo, mas ‘por atração’.” Agora, o Papa volta a deixar o apelo aos jovens para que anunciem o evangelho com o exemplo das suas vidas.

Além disso, o cristianismo não pode ser habitado como uma fortaleza cercada de muros, que ergue baluartes contra o mundo. Por isso, achei tocante o testemunho de Beatriz, quando disse que é precisamente ‘a partir do campo da cultura’ que se sente chamada a viver as Bem-aventuranças. Em cada época, uma das tarefas mais importantes para os cristãos é a de recuperar o sentido da encarnação. Sem a encarnação, o cristianismo torna-se ideologia; é a encarnação que permite maravilhar-se com a beleza que Cristo revela através de cada irmão e irmã, cada homem e mulher. É interessante que, na vossa nova cátedra dedicada à ‘Economia de Francisco’, tenhais acrescentado a figura de Clara. De facto, é indispensável o contributo feminino. Aliás vê-se, na Bíblia, como a economia familiar está em grande parte na mão da mulher. É ela a verdadeira ‘governante’ da casa, com uma sabedoria que não visa exclusivamente o lucro, mas o cuidado, a convivência, o bem-estar físico e espiritual de todos, bem como a partilha com os pobres e os estrangeiros. Abordar os estudos económicos com esta perspetiva é entusiasmante, tendo em vista devolver à economia a dignidade que lhe compete, para que não caia como presa do mercado selvagem e da especulação.

Novamente, o Papa Francisco regressa a um tema central: os cristãos vivem num mundo concreto e é a esse mundo concreto que se dirigem — e não a um qualquer mundo abstrato e idealizado. Por isso, a Igreja tem de saber compreender e falar as línguas do mundo e mover-se no mundo. Se não o fizer, corre o risco de se tornar numa ideologia — e o Papa Francisco já deixou numerosos alertas contra as ideologias. É célebre a frase “Quando a ideologia se envolve nos processos eclesiais, o Espírito Santo vai para casa, porque a ideologia vence o Espírito Santo”, disse em entrevista. Ao mesmo tempo, o Papa toca no tema da pertença das mulheres à Igreja. Na sessão na Universidade Católica, foi anunciada a criação de uma nova cátedra dedicada ao tema da “Economia de Francisco” — o grande projeto global lançado pelo Papa, batizado em nome de São Francisco de Assis, que reúne economistas, empresários e jovens empreendedores de todo o mundo para pensar uma nova economia para o século XXI, baseada em critérios humanos. A cátedra, porém, chama-se “Economia de Francisco e Clara” — uma referência a Santa Clara de Assis, a fundadora do ramo feminino dos franciscanos (as clarissas). O Papa sublinha o que tem dito ao longo de todo o pontificado: a presença feminina na Igreja é fundamental e não pode ser menorizada. Ainda assim, o Papa não foge ao pensamento clássico da Igreja sobre o assunto e salienta que homens e mulheres, tendo igual dignidade, têm diferenças — e não resiste a identificar o papel da mulher com a “economia familiar”. O Papa pede, ainda assim, que na economia contemporânea o exemplo bíblico possa ser seguido: uma economia que não visa apenas o lucro, mas o bem comum.

A iniciativa do Pacto Educativo Global e os sete princípios da sua arquitetura incluem muitos desses temas, desde o cuidado da casa comum à plena participação das mulheres, à necessidade de encontrar novas formas de entender a economia, a política, o crescimento e o progresso. Convido-vos a estudar o Pacto Educativo Global e a apaixonar-vos por ele. Um dos pontos que trata é a educação para o acolhimento e a inclusão. Não podemos fingir que não ouvimos as palavras de Jesus no capítulo 25 de Mateus: ‘era estrangeiro e recolhestes-me’ (25, 35). Acompanhei emocionado o testemunho de Mahoor, quando lembrou o que significa viver com o ‘sentimento constante de ausência de um lar, da família, dos amigos, (…) de ter ficado sem teto, sem universidade, sem dinheiro, (…) cansada, exausta e abatida pela dor e pelas perdas’. Disse-nos que reencontrou a esperança porque alguém acreditou no impacto transformador da cultura do encontro. Sempre que alguém pratica um gesto de hospitalidade, desencadeia uma transformação.

O Pacto Educativo Global é uma iniciativa lançada pelo Papa Francisco em 2019 que representa um “convite ao diálogo sobre a forma como estamos construindo o futuro do planeta e sobre a necessidade de investir nos talentos de todos, porque todas as mudanças precisam de um caminho educativo para fazer amadurecer uma nova solidariedade universal e uma sociedade mais acolhedora”. Na fase final do discurso, o Papa Francisco regressa a essa sua iniciativa que transcende as fronteiras da Igreja e que tem como objetivo “reavivar o compromisso para e com as novas gerações”. O testemunho da jovem refugiada iraniana é o ponto de partida para o Papa destacar que a educação tem de servir para a inclusão — um desafio de humanidade que é lançado, em forma de síntese, à Universidade Católica.

Amigos, sinto-me feliz por ver-vos uma comunidade educativa viva, aberta à realidade, com o Evangelho que não se limita a servir de ornamento, mas anima as partes e o todo. Sei que o vosso percurso engloba diversos âmbitos: estudo, amizade, serviço social, responsabilidade civil e política, cuidado da casa comum, expressões artísticas… Ser uma universidade católica significa antes de mais nada que cada elemento está em relação com o todo e o todo revê-se nas partes. Assim, ao mesmo tempo que se adquirem competências científicas, vai-se amadurecendo como pessoa, no conhecimento de si mesmo e no discernimento do próprio caminho. Então avante! Uma tradição medieval conta que quando os peregrinos se cruzavam no Caminho de Santiago, um saudava o outro exclamando ‘Ultreia’ ao que este respondia ‘et Suseia’. Trata-se de expressões de encorajamento para prosseguir a busca e o risco da caminhada, dizendo a si mesmo: ‘Vamos, ânimo, segue em frente!’ Isto é o que vos desejo também eu, de todo o coração.”

No último parágrafo do discurso, o Papa Francisco resume a sua mensagem sublinhando que o mundo da academia — sobretudo no contexto de uma universidade católica — tem de significar a ciência ao serviço da humanidade, mas sempre com o evangelho, ou seja, com a vida de Jesus, no centro. Pegando numa expressão clássica dos caminhos de Santiago, o Papa Francisco terminou o discurso com uma mensagem de ânimo e incentivo aos jovens, sem esconder que o percurso que lhes propõe inclui “risco”.