Sim, o Olimpo das malas existe mesmo e sim, desde a sua criação, na década de 80, que a Birkin da Hermès ocupa um lugar de honra na lista de malas mais desejadas do mundo, mesmo ao lado de ícones como a 2.55 da Chanel, a Baguette da Fendi, a Antigona da Givenchy ou a Lady Dior da Christian Dior. O que muitos não saberão é que a dita mala, uma das mais caras do mundo, deve o seu nome a uma mulher.
Jane Birkin foi modelo, além de uma das belezas europeias mais marcantes dos anos 60 e 70, e construiu uma carreira dividida entre a música e a representação, quer no grande ecrã, quer em cima do palco. Quem não se lembra do provocador “Je t’aime… moi non plus”, tema que gravou em 1969, em dueto com Serge Gainsbourg?
Os dois foram um casal até 1980 e tiveram uma filha, a atriz Charlotte Gainsbourg. A faixa, inicialmente composta por Serge para Brigitte Bardot, gerou polémica e chegou mesmo a ser banida das rádios em Itália, Espanha e no Reino Unido.
O nome Jane Birkin tornou-se conhecido, mas dificilmente terá passado pela cabeça da modelo, cantora e atriz britânica que um dia viria a batizar uma mala de culto.
A história começou no dia em que entrou no avião da Air France para mais um voo rotineiro que ligava Paris, a cidade que escolheu para viver, a Londres, a sua terra natal. Estávamos em 1983 e sentado ao seu lado, por puro acaso, estava Jean-Louis Dumas, bisneto do fundador da Hermès, há cinco anos no comando da empresa da família.
“Não tenho bem a certeza de como era a mala que trazia naquele dia”, contou Birkin ao Telegraph, num desfile da Hermès, em 2012. Jane só recorda que a mala com que ia viajar tinha sido destruída dois dias antes, quando o marido, o realizador Jacques Doillon, resolveu passar-lhe por cima com as rodas do carro.
Durante a curta viagem, alguns dos pertences da atriz caíram no chão. O companheiro de viagem apressou-se a ajudá-la a apanhar tudo, comentado que Jane devia usar uma mala com bolsos. “No dia em que a Hermès fizer uma com bolsos, compro uma”, respondeu Birkin.
O empresário não tardou em reagir: “Mas eu sou a Hermès e vou pôr-lhe bolsos para si”. Quando aterrou em Londres, Dumas já levava um esboço da nova mala, ao que parece feito numa saco para enjoos (quem nunca, não é verdade?). “Eu disse: ‘Porque é que não faz uma mala maior do que a Kelly [modelo da Hermès que já existia na altura], mas mais pequena do que a mala de viagem do Serge?'”, contou Jane na mesma entrevista.
Dias depois, os dois voltaram a encontrar-se no atelier da marca e na hora de escolher o nome do novo modelo, não houve dúvidas. A Birkin estava no mercado e não parou de crescer, em cores, acabamentos e tamanhos.
Birkin: a mulher ou a mala?
Trinta e cinco anos depois, já nem se distingue a mulher da mala, ou melhor, claramente a fama da mala superou a da cantora e atriz. “Fiquei lisonjeada. Eles tornaram tudo aquilo no sucesso que conhecemos hoje. Agora, quando vou à América, dizem: ‘Birkin? Como a mala?’. Eu respondo: ‘Sim, precisamente, e a mala agora vai cantar'”, recorda.
Segundo o Telegraph noticiou em 2012, à data, Jane Birkin continuava a receber direitos sobre a mala a que deu nome, um valor que rondaria as 30.000 libras anuais (quase 36.000 euros, de acordo com o câmbio em vigor na data de publicação da entrevista). Um valor que Birkin distribuiria por instituições de caridade à sua escolha.
Além das chamadas royalties, dificilmente imaginamos Jane Birkin, a musa da Hermès, a pagar por uma destas. Ainda assim, o merecido patrocínio não sai caro à marca francesa. Consta que Jane usa apenas uma mala de cada vez e que vai na quinta. Sempre que muda, o exemplar usado é leiloado e o valor reverte por inteiro para uma instituição de beneficência, como aconteceu, pela última vez, em 2011.
Na altura, Jane respondeu a algumas perguntas feitas pela Vogue sobre a sua relação com a mala icónica. “Uma mala não tem graça se não estiver um bocado estragada, por isso é que parece que o meu gato se senta em cima da minha, o que normalmente acontece”, admitiu. Quanto à possibilidade de passar a mala para a geração seguinte, Jane foi esclarecedora. “A minha filha Lou não tem nenhuma. Acho que deve ser uma coisa horrível ficares com a Birkin que era da tua mãe”, afirmou.
A que usa é invariavelmente preta, sempre com o fecho desapertado, cheia de tralha e decorada com vários acessórios. Tão depressa a vemos usar as alças, como a agarrar a mala debaixo do braço. Na realidade, ninguém lhe pode ensinar a usar uma Birkin, a mala foi feita para ela.
Hoje, Jane tem 71 anos e, ao que parece, continua bastante próxima da maison. Em 2012, prestes a sofrer uma intervenção cirúrgica por causa de uma tendinite no braço direito, a ex-modelo admitiu que o problema poderia advir do peso da mala. “Vou ter de lhes pedir para fazer uma num material mais leve”, contou.
Mas, em 2015, houve um momento de tensão. Pela primeira vez, a ex-modelo pediu à Hermès que deixasse de usar o seu nome para identificar as malas feitas em pele de crocodilo, as mais caras da família Birkin.
Na origem da decisão esteve um vídeo divulgado pela PETA (People for the Ethical Treatment of Animals). As imagens, captadas em dois viveiros de crocodilos, um no Zimbabué (de onde saem as peles para as malas Birkin e Kelly) e outro no Texas, Estados Unidos (fornecedores de peles para os relógios da marca), mostravam repteis criados em condições deploráveis, bem como opiniões médicas que corroboravam a teoria de que os animais passavam por uma morte lenta e dolorosa.
“Tenho sido alertada para as práticas cruéis a que os crocodilos são submetidos durante o abate para fazer as malas que têm o meu nome… Pedi à Hermès para retirar o meu nome da Birkin Croco até que melhores práticas, de acordo com as normas internacionais, sejam adotadas”, referiu Jane Birkin em comunicado.
[Atenção: o vídeo abaixo pode impressionar os leitores mais sensíveis]
Em julho de 2015, o mesmo mês em que o vídeo veio a público e a ex-modelo se apressou a reagir, a PETA tornou-se acionista da Hermès, tendo comprado uma única ação por um valor que ronda os 328 euros (atualmente, uma ação da empresa custa 550,20 euros) na Bolsa de Paris. “A PETA vai estar a fazer campanha fora da empresa e, como acionista, também estará a trabalhar lá dentro para exigir que os acessórios em peles de animais exóticos sejam banidos, incluindo as malas de pele de crocodilo e os relógios de pele de aligátor”, afirmou na altura o vice-presidente executivo da PETA, Tracy Reiman, em comunicado.
A polémica apenas se solucionou em setembro. Em comunicado, a Hermès afirmou ter identificado uma “irregularidade isolada” e ameaçado a quinta do Texas de que cessaria o contrato de fornecimento, caso as normas internacionais não começassem a ser respeitadas de imediato.
A empresa acrescentou ainda ter resolvido, assim, a discórdia de Jane em torno do tema. “Jane Birkin informou-nos de que está satisfeita com as medidas tomadas pela Hermès”, referia o comunicado. A polémica morreu e todas as malas mantiveram o nome Birkin, incluindo as feitas em pele de crocodilo.
As mulheres que batizaram malas
Jane Birkin pode ter visto o seu nome ser imortalizado num objeto de luxo, mas não é a única. Aliás, para encontrarmos outro caso bem célebre nem precisamos de sair do universo Hermès. É exatamente o que está a pensar: Kelly, o outro grande ícone da maison, deve o seu nome à princesa que veio de Hollywood, Grace Kelly.
Ainda nos Estados Unidos, a atriz era conhecida pelo seu gosto refinado, sendo a marca francesa, fundada em 1837, uma das suas favoritas. Entre as peças que fazia questão de usar com frequência, mesmo já depois de ter casado com o príncipe Rainier do Mónaco, estava uma mala chamada Sac à dépêches, da Hermès precisamente. O acessório saltou à vista no dia em que a princesa a usou para disfarçar a barriga proeminente em frente aos fotógrafos.
A fotografia é de 1956 e, na realidade, Grace Kelly já estava grávida do seu primeiro filho, a princesa Carolina do Mónaco. A imagem correu mundo e foi o próprio público quem começou a referir-se à peça como “a mala Kelly”. A Hermès e mudou o nome da mala que havia lançado nos anos 30.
Poucos anos depois, foi a vez, não de uma princesa, mas de uma primeira-dama. Diz-se que, quando Jackie Kennedy viu a mala Constance pela primeira vez, quando entrou numa loja da Gucci, comprou, não uma, mas seis. Com a chegada à Casa Branca, o estilo de Jackie tornou-se no centro das atenções. Nos anos 60, a mala, desenhada na década anterior, estava tão associada à imagem de Jacqueline Kennedy (mais tarde, Jacqueline Kennedy Onassis) que a marca resolveu mudar-lhe o nome. Ainda hoje, é possível encontrar várias versões da Jackie Bag nas lojas.
Outro exemplo é o da famosa Lady Dior, da Christian Dior. A mala foi criada em 1994 com o nome Chouchou, mas foi sol de pouca dura. Em setembro do ano seguinte, por ocasião da visita de Diana de Gales à exposição de Cézanne no Grand Palais, em Paris, Bernadette Chirac, primeira-dama francesa na altura, ofereceu um exemplar, em preto, à princesa. A julgar pelo número de vezes que, nos meses seguintes, Diana apareceu publicamente a usar a mala, foi amor à primeira vista.
A imagem da mala correu o mundo e, em 1996, a Christian Dior mudou-lhe o nome. Em homenagem à princesa Diana, a pequena mala passou a chamar-se Lady Dior.
“Birkinmania”
Elas podem não ter dado o nome a nenhuma mala da Hermès, mas, pelo menos, compensam o desgosto colecionando dezenas de exemplares. A “birkinmania” pode não ser uma doença clinicamente reconhecida, ainda assim o ritmo a que algumas celebridades compram malas Birkin, que estão entre as mais caras do mundo, pode ser interpretado como um verdadeiro vício.
A encabeçar esta lista está Victoria Beckham. A posh spice nunca divulgou nenhum inventário do seu closet de Birkin, mas a variedade de tamanhos, cores e materiais dos exemplares com que aparece em público leva a querer que poderão ser mais de 100, uma coleção avaliada em 2 milhões de dólares e isto segundo as contas feitas pela revista Glamour em 2009.
Entretanto, a fortuna só pode ter aumentado, não só porque estas malas tendem a valorizar, mas também porque, em maio do ano passado, Victoria recebeu do marido, o ex-futebolista David Beckham, o modelo mais caro de sempre, uma Birkin Himalaia, com pele de crocodilo albino do Nilo. A extravagância, segundo a CNBC, terá ficado pela módica quantia de 80.000 libras, cerca de 114.000 euros.
Entrando no armário do clã Kardashian e Jenner, o cenário é igualmente “birkinesco”. De Kris a Kendall, já todas as mulheres da família foram vistas com uma destas na mão, se bem que é precisamente a mais nova, Kylie Jenner, de 20 anos, quem expressa de forma mais evidente o seu amor pela mala icónica. Como é fácil de ver, o gosto da socialite recai quase sempre sobre os modelos mais pequenos.
Num outro campeonato, o das malas originais, Lady Gaga ganha a taça. A cantora, que deixou para trás o seu período mais extravagante, chegou a usar exemplares cobertos de tachas e até mesmo escritos com marcadores. Ousadias criativas como estas levaram o New York Post a apelar ao bom senso (ou ao bom gosto), em 2014.
“As pessoas podem fazer o que quiserem com as suas coisas. Mas celebridades, tenham isto em conta: destruir a simplicidade e a imagem clássica de uma Birkin com auto-promoções e personalizações só porque podem não é ousado, nem surpreendente, nem digno de nota. Os resultados — em particular quando são defendidos de forma estúpida — são quase sempre desagradáveis, pouco originais e muito feios”, lê-se.
E quem disse que as Birkin eram um exclusivo das mulheres. Se nas últimas estações, a Hermès já pôs homens a desfilar de mala na mão, nas ruas, também eles demonstram o seu amor por este acessórios de culto. A começar pelo músico Pharrell Williams que, como sempre, faz questão de juntar a cada look um toque de extravagância.
Quando decidiu usar a maior Birkin cor-de-rosa que encontrou deixou isso bem claro. O designer de moda Marc Jacobs não esconde ter uma pequena coleção e Kanye West também já foi visto com uma. Talvez a tenha pedido emprestada a Kim.
Depois, há aquele consumo completamente altruísta. É nesta categoria que encaixa o cantor Drake. Segundo o próprio contou ao Hollywood Reporter, em novembro do ano passado, Drake anda a colecionar as versões mais pequenas da Birkin há anos. Para quê? Supostamente, para oferecer à mulher que se revelar uma companheira para a vida.
Birkin ou ouro? Birkin, decididamente
Existe em quatro tamanhos que, juntamente com a variedade de cores, detalhes e tipos de pele, determinam o preço. O intervalo, ainda assim, é grande. Atualmente, o preço mínimo de uma Birkin, numa loja, ronda os 10.000 euros e pode ultrapassar a barreira dos 250.000 euros.
A pouca quantidade em que certos modelos são produzidos pelos artesãos especializados reflete-se no valor comercial, mas não só. A espera poder superar um ano e, caso as encomendas sejam mesmo muito superiores ao número de exemplares produzido, os clientes já com uma relação estabelecida com a marca têm prioridade.
Não foi à toa que, num episódio da série “O Sexo e a Cidade”, Samantha se fez passar por assistente da atriz Lucy Liu para passar à frente na fila. “Cinco anos”, disse-lhe o empregado da loja. “Por uma mala?”, exclamou Samantha. “Não é uma mala, é uma Birkin”, respondeu o vendedor.
Se falarmos de leilões, aí a história é outra. No passado dia 12 de junho, num leilão da Christie’s em Londres, foi batido um recorde: nunca uma mala tinha sido leiloada por um valor tão alto na Europa. Era uma Birkin Himalaia, igualzinha à que David ofereceu a Victoria Beckham no ano passado — tinha dez anos, era feita em pele de crocodilo branco do Nilo, tinha acabamentos em ouro branco de 18 quilates e diamantes no fecho e foi vendida por 162.500 libras, cerca de 230.000 euros. Um valor que fica abaixo da proeza conseguida no final do ano passado, num leilão em Hong Kong. Aí, o mesmo modelo foi rematado por 253.000 libras, mais de 360.000 euros, ficando na história como a mala mais cara do mundo.
É de relembrar que, em 2016, a Baghunter, uma plataforma online de compra e venda de malas, chegou à conclusão de que as Birkin eram um melhor investimento do que o ouro, com base na valorização que ambos sofreram nos últimos 35 anos. Com um retorno anual fixado nos 14,2%, as malas ultrapassaram com grande margem o S&P 500, índice de mercado que reúne 500 grandes empresas dos Estados Unidos cotadas em bolsa, que ficou pelos 8,7%, e o próprio ouro, que não passou de 1,5%. Tudo isto numa só mala? Não é uma mala, é uma Birkin.