Em casa, o quotidiano de uma família tradicional. Na rua, a lei da bala e do estouro que dominou os agitados anos da I República. E na Europa, os ecos de uma Guerra que entrou em cena a partir de 1914 e acentuou os desencontros entre Constança Telles da Gama (1877-1960) e João Maria do Loreto de Almeida (1866-1950). Nada que abalasse as convicções, afetos ou otimismo de uma heroína improvável, que à distância das comunicações atuais louvava o então prodígio da carta. “Imagina, João, que nós vivíamos num tempo em que não havia esta comunicação toda!” Presos por motivos políticos, acusados de conspiração, é no isolamento do sistema que o futuro casal troca centenas de missivas e se apaixona, sem se conhecerem.
Se a história de Constança dava um livro, faltava quem o escrevesse. Depois das biografias de Sanches Osório, ou Vera Lagoa, Maria João da Câmara respondeu ao pedido da nora da protagonista. Doutorada em História pela Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, autora de vários trabalhos científicos na área da História e dos Arquivos de Família, viajou pelo vasto espólio do casal, e concluiu um romance biográfico que termina com o nascimento de um desejado filho.
Próxima aventura? “Ainda não sei. Posso estar num arquivo a procurar algo e surgir um clique”, dirá já no rescaldo desta entrevista sobre os planos de novas obras, com a certeza de que os bons enredos abundam e de que a realidade consegue ser mais inverosímil que a mais esmerada ficção. “Acho que a maior parte das pessoas tem uma vida para ser contada. “.
Temos que começar por recuar ao tempo da pandemia, quando a sua tia Teresa Siqueira a desafia a contar esta história de família.
Encontrávamo-mos uma vez por ano, e a partir de certa começou a pedir-me para escrever a história de Constança Telles da Gama, para ir lá, para ver o que ela tinha, porque tinha imensos documentos e queria contar a história da sogra.
Já conhecia um pouco dessa história?
Conhecia, tinha uma ideia. Aliás, é uma história que está na família, que tem mais a ver com o lado do meu tio, como é óbvio. Durante anos eu dizia que estava a fazer outros livros, o do Sanches Osório, depois a tese, ou o da Vera Lagoa. Quando acabei o livro da Vera Lagoa, que foi escrito durante a pandemia, houve ali uma abertura, talvez em julho de 2020. Decidi, “é hoje”, senão nunca mais. Fui ver exatamente o que a família tinha. E de facto deparei-me com um verdadeiro museu, a beleza de uma sala inteira dedicada a esta história.
Em casa do casal, na Travessa do Jardim?
Exatamente. Esteve lá tudo até eu acabar de tirar fotos a milhares de objetos, de fazer a investigação e terminar o livro. Entretanto a minha tia morreu poucos meses depois de eu ter lá ido a casa, e os meus primos venderam a casa.
Para onde foi esse espólio?
Há uma coisa, por exemplo, que é o fato de batizado do imperador que está na Basílica da Estrela, com a explicação toda da relíquia.
Que estava na posse de Constança.
Estava, foi a imperatriz Zita que lhe enviou a tal mala com o enxoval para o filho. Fiquei arrepiada, é uma coisa mesmo impressionante porque no fundo atravessa o século. A documentação foi para casa de um dos filhos da minha tia, o Pedro, com quem falo mais e a quem agradeço muito. Além de saber muito sobre a história da família conhecia os documentos.
Ninguém da família se opôs a que contasse esta história?
Não, aliás foi uma das coisas que eu ponderei muito antes de começar a escrever. Faço disto um romance ou uma biografia mais histórica? Achei que fazia sentido fazer um romance por ter mais alcance. É uma história que deve ser partilhada. A primeira coisa que perguntei foi se se sentiam confortáveis com isto. Tiveram logo uma abertura imediata. Pensei muito, comecei a ler a documentação e várias pessoas me aconselharam neste sentido.
Havia esse interesse familiar mas também histórico, de contexto. Porque esta é a história de duas pessoas, pelo menos, mas também de um tempo muito particular.
Sim, sim. E a família está muito contente, que para mim era o mais importante.
Um romance em registo memorialístico, como se a protagonista fosse desfiando o seu passado, mas que parte de factos históricos. Como conjugou estes dois processos?
Há alguma adaptação, porque às tantas há coisas que se repetem, nas cartas, por exemplo. Tornei as cartas ligeiramente mais coloquiais. Ao mesmo tempo, tentei escrever de maneira a que os leitores também percebessem como se falava na época. Por exemplo, achei graça ao estar de moda, e não estar na moda. Coisas simples. Um álbum de fotografias era um livro. Esse álbum de que falo no romance existe e deu-me material para descrever um ambiente. Muitas das fotos de que falo fazem parte do arquivo.
O que a surpreendeu mais quando vasculhou este arquivo e a história desta figura feminina?
Deixe-me pensar…
Para começar, bateu certo com a ideia que tinha?
Tudo, tudo bateu certo.
Sendo que é muito difícil resumir a vida e obra de Constança.
Exatamente. Acho que houve sempre mulheres muito fortes na História. Mas a história foca-se muito mais nos feitos e na política, deixa de fora muita coisa que são interessantes, e sobretudo deixa de fora – o que sinto que acontece hoje menos – as mulheres, os pobres, os desvalidos, toda essa história também de resiliência. Esta mulher era uma mulher forte. Talvez o que me surpreendeu mais é quando ela, aos 36 anos, é confrontada com a possibilidade de casar com o João de Almeida, e tem medo. Ela que ia às prisões e enfrentava aquilo tudo…
E que dizia que não lhe tinha custado estar presa porque ainda glorificava mais as suas ações.
Exatamente. Andou pelas ruas em busca de donativos para ajudar, levou meses a fio bens e refeições para os presos.
Foi aliás a Constança que o pai confiou os encargos quando se viu a morrer.
Sim, sim, a começar por aí. De facto isso surprendeu-me. Ela diz numa carta que apesar de o pai ter filhos rapazes foi nela que confiou. Ela era o baluarte daquela família. Esta ideia de no fim de tudo, quando o João é libertado e a pede em casamento… Bem, vamos ter aqui spoilers. [risos]
Tem que ser.
Ela hesita nessa altura. Ele não pode ficar em Portugal depois da amnistia. Os presos políticos tinham que sair do país. E ela fica.
Também acusa o peso de ser a âncora da casa?
Sim, também, e tem a mãe. Há ali uma ambivalência, uma luta interior muito grande. Até ele se ferir. E aí ela contava, e os meus primos recordam, como uma coisa acontecida a tantos quilómetros lhe tocou tanto.
Às tantas é Constança que escreve a João a perguntar se ainda quer casar com ele, depois de tanta demora na resposta positiva.
Essa parte eu tive que imaginar, como alguns buracos na história. Aí entra a minha veia literária e não a de historiadora. O que achei mais interessante é que dei a ler o original ao meu primo Pedro e ele já não sabia o que era verdade ou não. Era importante criar coisas verosímeis. A realidade às vezes é muito mais inverosímil, mas é a realidade, e é muito mais completa do que conseguimos descrever num romance. Mas era importante…
Tornar consistente?
Consistente. É muito gratificante para mim.
Só para enquadrar quem ainda não leu. Falamos de uma mulher que nasce em 1877, que apanha toda a turbulência do final da monarquia e implantação da República, e que se indigna com a perseguição dos republicanos aos ditos conspiradores monárquicos. Aliás, é curioso que o pai de Constança morre muito próximo do 5 de outubro.
Essa parte da saída dela de Lisboa por exemplo é inventada. Achei que ela tinha que estar no centro da coisa. No dia da revolução ela pensa que tem que ir ter com o pai a Vila Franca [onde tinham casa], nem que fosse a pé. Eu sei que ele morreu lá portanto tinha que fazer aqui algo.
Mas que lendo achamos que podia perfeitamente ter acontecido.
Lá está [risos] Vemo-la a vestir-se, a pôr o xaile à cabeça e a ir por aí fora. Segundo percebi era muito pequenina. Cheia de coragem, cheia de nervo, pronta a enfrentar o mundo.
Deslocando-nos agora para o seu lado de historiadora, que Portugal é este na viragem para o século XX? Em particular nesta Lisboa e no seio de familiares tradicionais como aquela de que a protagonista faz parte. Aliás, usa a expressão aldeia quimérica, ou imaginada, em que todos os fidalgos se conhecem e têm algum parentesco.
Acho que é uma Lisboa de turbulência, em que quem tinha mais poder era quem estava atrás do balcão. Aliás, há um historiador chamado Daniel Alves que tem um livro chamado A República atrás do Balcão. No fundo era uma teia relacionada com a carbonária, que toma o poder, e que para manter esse poder fomenta essa turbulência. Se for ler os diários do Tomás Mello Breyner, que era médico da corte e que ficou em Lisboa, era impressionante. Ia-se no elétrico e levava-se com um tiro, porque havia uma revolução qualquer. Lembro-me do pai da Vera lagoa, que estava sentado num café e de repente decide pegar na espinguarda e ir tomar uma instituição qualquer.
Vive-se a lei da bala.
Totalmente. Da bala, do estouro, da bomba, e quantas pessoas não morreram nesta altura. Basta olhar para a imprensa da época. Aquela história da mulher que está à janela e apanha uma bala perdida. É verdade. Era importante apanhar estas descrições.
É engraçado porque Constança diz que até ao 5 de outubro de 1910 não ligava muito a política.
É, e ali é importante. Há um dia em que está com a condessa de Ficalho em que é desafiada a ir visitar o António Ribas, o tal prisioneiro com quem isto tudo começa. A condessa foge de Portugal e a Constança revolta-se de tal maneira com o estado do António Ribas que decide fazer tudo por ele.
Escreve até ao presidente Manuel de Arriaga a interceder.
E aquilo que se lê no livro é a transcrição da carta. Ele próprio se revoltou mas depois há todo o jogo político. Mal o Ribas sai é finalmente indultado com honras na Ilustração Portugueza. Mas a seguir entram centenas de presos políticos.
A tal reação monárquica acusada de conspiração.
Exato, e ela tenta fazer tudo por eles, mesmo quando ela própria é acusada de conspiração e é presa no Aljube. Essa prisão é uma coisa impressionante. Eles tiravam fotos. Há aliás uma foto da mademoiselle Alice Lawrence [filha dos proprietários do Lawrence’s Hotel, em Sintra, jornalista e tradutora que deu a notícia da Implantação da República no estrangeiro]. Na cadeia, com duas horas de comunicabilidade, Constança consegue entregar e resolver a vida de centenas de pessoas. Ela própria tinha uma caixa de esmolas do lado de fora da grade da prisão para que quem lá fosse pudesse ajudar os presos políticos, ela própria presa política. Percebia-se que era um ambiente de medo.
Transversal à sociedade?
Independentemente da classe social, sim. Aliás, o António Ribas é um polícia, acusado de conspiração. Há histórias inacreditáveis de pessoas presas por enviarem lenços bordados não sei para onde; era motivo de retenção nas prisões. Outra coisa que me impressionou muito foi o sistema prisional na Penitenciária, do ponto de vista da dureza. Privava-se o preso de qualquer contacto humano, não via ninguém, ninguém o via a ele. Tinha um número e um barrete. Não faziam nada sem ser em solitário, como dar à bomba. Cada um está num cubículo. Isto é impressionante.
Falou dos jornais e menciona até a Alice Lawrence, que dava outra história, e que é das primeiras a reportar a instauração da República para o Daily Mail. Fala também de meios como a Spectator ou do New York Times. Na pesquisa, teve noção de como os jornais estrangeiros nos viam?
Nesta fase penso que somos vistos como um país em revolução permanente. Embora isto não seja exclusivo de Portugal, obviamente. Estamos ainda no princípio do século XX e é importante olhar para a história com os olhos da época. Esses jornais deviam olhar para nós estando à espera do que pudesse acontecer.
Chega a organizar-se uma campanha humanitária.
Sendo que essa campanha de que fala tem a ver com a duquesa de Bedford, que vem a Lisboa e que visita as prisões, o próprio João, e que se impressiona muito com as chamadas ilhoas, quatro ou cinco mulheres dos Açores que são trazidas para Lisboa, presas, completamente deslocadas, porque defenderam a sua igreja. É impossível também desligar este contexto histórico da perseguição que houve à Igreja.
Constança lembra a certa altura o tio Eça de Queirós, também era anticlerical mas nada a este ponto.
[risos] Exatamente, não chegava aqui. Não sei se era parente direto mas era da mãe dela, frequentava a quinta do Covo, onde se terá inspirado para a Ilustre Casa de Ramires.
Se falamos de um contexto nacional, a partir de 1914 o cenário internacional também muda a vida destas pessoas, com a eclosão da I Guerra.
João de Almeida estava muito ligado à família de D. Miguel I. Ele sai em miúdo e no fundo fica ao serviço da família real na Áustria. Quando decide que tem que salvar Portugal, para ele os termos são estes, [quando a monarquia cai] é nessa altura que participa nas incursões, é preso em Chaves, sem glória, sem ser em combate. Foi muito maltratado. Mas é um preso valioso pelo estatuto que tem. Quando é libertado e volta para a Áustria, coloca-se ao serviço do imperador. Era militar do exército austríaco. A partir do momento em que Portugal entra na guerra ele diz que não luta contra Portugal, tal como D. Miguel Januário, filho de D. Miguel I, portanto é colocado em serviços administrativos. Mas faz descrições dos combates, das estadias na atual Polónia, Ucrânia. Tudo isso é retirado das suas cartas e impressiona.
Esta fórmula epistolar marca aquele tempo, e em particular a relação entre estas duas pessoas, dois primos que não se conheciam até então. Ela no Aljube, ele na Penitenciária, quando se começam a corresponder.
É verdade, não se conhecem. Ela é presa oito meses e ele quase dois anos. Mas durante esse tempo a troca de cartas é muito interessante. Percebemos como duas pessoas se conseguem comunicar, conhecer-se e inclusivamente ele pede-a em casamento sem nunca a ter visto. Ela pergunta-se como é possível. Ele tem a certeza absoluta que ela é a mulher da vida dele.
Todas essas cartas ainda existem? Centenas?
Existem, eu nem sei bem quantas… Sei que tirei milhares de fotografias. Foi um trabalho muito exaustivo com uma das bisnetas da Constança, a Teresa. Porque ela também está a fazer um projeto.
Era isso que lhe ia perguntar, fala de um filme no final deste livro.
Ela está na parte audiovisual. A Teresa Almeida escreveu um guião de uma longa metragem, uma ficção biográfica. Sei que é mais centrado na época da prisão. Eu no fundo sigo a vida toda. O trabalho de escrever é muito solitário e de repente tinha duas pessoas, o Pedro e a Teresa, que conhecia bem a história, que me ligavam a fazer perguntas, encontravam cartas e dados importantes. Ajudou imenso.
A família também descobriu algo curioso depois desta investigação?
Penso que sim. Os netos da Constança estão a ler o livro e dizem que estão a saber muita coisa nova da avó. Penso que com o Pedro também terá acontecido. Ela tinha tanto papel na prisão para organizar que às tantas, com falta de espaço, fez uns estendais com cordas e pendurou como se fossem roupas. Chamava-lhe “um navio engalanado”.
Essa determinação acompanha-a até quando fez as malas para ir casar com João de Almeida, o que implicou enfrentar a mãe e mais do que isso fazer-se à viagem, sozinha, rumo a uma Europa em guerra.
Vai casar ao Liechtenstein. Só essa parte da história daria mais um romance. Eu coloco-a a ir a Paris com a madame Osters. Não tenho a certeza de que ela tenha ido a Paris primeiro mas achei que fazia sentido porque ela fala de uma amiga francesa que esteve no casamento.
Teria lógica.
Sim, e há de facto alguns buracos que têm que ser preenchidos desta forma. Além de que acho graça a madame Osters e imaginei-a como uma francesa exagerada, quase personagem de opereta. Muito simpática e muito amiga dela. Agora, essas viagens são absolutamente impressionantes. Outra coisa que achei graça. Ela escreve ao João a dizer assim: “imagina, João, que nós vivíamos num tempo em que não havia esta comunicação toda!” [risos]
Já achava uma abundância.
Só o facto de ter cartas e poder enviar um telegrama para ela era extraordinário! Mesmo que chegassem um mês depois. Tem muita graça. No fundo estas pessoas atravessam uma época de inovações impressionantes. Para muitas pessoas, o primeiro carro que viram foi guiado pelo João. A descrição da eletricidade. Gosta da eletricidade? Não gosta? As antigas tulipas de vidro, todas essas inovações são comentadas nas cartas. É engraçado como as pessoas viam as novidades. Alguns viam os carros como algo dispensável porque tinham aparelhagem de cavalos, os seus carros, e não precisavam nada de automóveis. São esses pormenores que gosto de perceber.
E traz-nos a pequena história, a que normalmente não temos tanto acesso.
Eu gosto muito dessa pequena história. Aproxima-nos dos que vieram antes de nós. É um elo. Como é que as pessoas se deslocavam. Sabemos isso pelas cartas dela. Gonçalves, amigo que é citado nessas cartas, foi a pé de Lisboa a Vila Franca só para lhe dar notícias do que estava a acontecer em Lisboa. É impressionante a noção de espaço. Áustria era a mil léguas de distância. Gosto muito de escrever sobre isso.
Mesmo depois de finalmente casados não voltam logo para Portugal.
Ainda têm alguns anos de vivência lá fora, e ela nem sempre pode acompanhar o João. Chega a ter a casa cercada com uma turba de soldados aos tiros mas conta aquilo como se estivesse mais que habituada. O esforço que fazem sempre para estarem juntos é impressionante.
Há outro momento muito marcante que é quando perdem o primeiro filho.
Exato. Até já davam nome. Era o Jzinho. Ficciono um pouco a volta dela para Lisboa mas é impressionante. Vem no meio de um inverno rigorosíssimo, está nos livros, as portas dos comboios não abriam porque tinham gelado. Isto já é em abril de 1917. Ela perde a criança, depois para recuperar é muito difícil, e aqui em Lisboa continua a reviver a instabilidade e revoluções e desgoverno que foi entre 1910 e 1926. O quotidiano tinha coisas próprias de um país em guerra, apesar de Portugal não estar em guerra. A seguir ela consegue voltar à Áustria, segue para a Dalmácia, atual Croácia, está contente, há ali um escape. E está com ele. A paixão deles é impressionante. Quando o imperador é deposto e Carlos da Áustria se exila na Madeira, o João sente-se na obrigação enquanto militar do exército austríaco de se colocar ao serviço do imperador, porque fica completamente sozinho, e vão para a Madeira.
A história de Carlos e Zita na Madeira seria outro livro.
É mais outra história que daria outro livro. Mas achei que estava muito longo.
Como foi essa vida que já não conta no livro, depois de 1926, por exemplo?
Não havia nem metade das facilidades de hoje mas penso que o facto de terem terras permitia alguma fonte de sustento. Não sei bem como foi a vida a seguir mas João terá tido alguma reforma do exército austríaco. Eu quis parar exatamente no momento em que ela finalmente tem o tão desejado filho, aos 46 anos.
Depois de uma profecia do imperador.
Essa história que conto é verídica. Ela vai ter com João à Madeira e o que se conta na família é que o imperador está doente e pergunta-lhe porque é que não tem filhos, tendo ela tanto jeito com os filhos dele. Vêm-lhe as lágrimas aos olhos e conta-lhe que casou tarde, aos 36 anos, que perdeu um filho, e que Deus não quis. E ele diz: “deixe estar que quando chegar ao céu eu trato disso”. Acho isto impressionante. Há quem não acredite mas para mim isto é mesmo trabalho dele. De tal maneira que pouco tempo depois fica grávida do Miguel. Quando há a beatificação do imperador, este é um dos elementos usados. Como acredito na interseção dos santos… E depois pela vida do próprio Miguel, filho dela, que também merece outro romance, porque era muito especial.
Conheceu-o ainda?
Sim, herdou dela esta ideia de ajudar os outros, de cuidar dos que precisam. Tem uma bonomia que se sente logo.
E que a mãe também teria que ter para enfrentar a prisão, por exemplo, com tamanho ânimo.
Claro, mas também tinha o seu feitio, segundo dizem [risos] Mas penso que ele herdou essa consciência que é fundamental na vida de um católico, lá está. Como explico também foi convidado para estar na beatificação em Roma. Parece que as coisas se juntam todas. Pedi ao embaixador de Portugal na Ucrânia para fazer a apresentação do livro. Foi ele quem tratou da beatificação do beato Carlos. Conhece muitos sítios onde João esteve e de que falo neste livro. São tudo dados. É da maneira que Deus nos fala.