O dia foi das mentiras, mas também das verdades, com o confronto dos futuros ministros com a realidade dos dossiers. Depois dos dois primeiros-ministros, o indigitado e cessante, já o terem feito pelo menos em duas ocasiões, a maior parte dos novos ministros e os que estão de saída estiveram reunidos esta segunda-feira numa tranquila passagem de pastas. Mas, nalguns casos, há um obstáculo à entrega de testemunho automática: a orgânica do Governo vai mudar, a começar logo em São Bento.
Apesar de a orgânica final do XXIV Governo Constitucional, que toma posse esta terça-feira, não ter sido divulgada, os convites a secretários de Estado — que estão a ser feitos pelos titulares dos ministérios e que só tomam posse sexta-feira —, a que se juntam revelações de fontes governamentais, mostram como vai ficar estruturado o Executivo Montenegro.
Rangel recupera Assuntos Europeus para as Necessidades, Pedro Duarte fica com o Desporto
Começando pelo topo, Luís Montenegro já retirou da sua órbita direta duas secretarias de Estado que António Costa tinha debaixo do seu guarda-chuva. Os Assuntos Europeus, que no último governo tinham passado para São Bento (também pelas ambições europeias de Costa), voltam à casa-mãe: o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Muitos diplomatas contestaram, na altura, a mudança orgânica de Costa, mas a diplomacia acabou por se adaptar à nova realidade. Agora, no mesmo ministério, ficará, naturalmente, a secretaria de Estado das Comunidades.
Os conhecimentos do ministro Paulo Rangel em política europeia tornam natural que seja ele a tutelar a pasta. Rangel é também o número dois de um Governo em que apenas ele e Joaquim Miranda Sarmento são ministros de Estado, o que coloca ambos, formalmente e em termos protocolares, acima dos outros na hierarquia. Quando Luís Montenegro for de férias não é, no entanto, líquido que seja um destes a assumir as funções, já que a Constituição diz que o primeiro-ministro pode escolher qualquer outro ministro para o substituir — a menos que exista um vice-primeiro-ministro, o que não é o caso.
[Já saiu o sexto e último episódio de “Operação Papagaio” , o novo podcast plus do Observador com o plano mais louco para derrubar Salazar e que esteve escondido nos arquivos da PIDE 64 anos. Pode ouvir o primeiro episódio aqui, o segundo episódio aqui, o terceiro episódio aqui, o quarto episódio aqui e o quinto episódio aqui]
Ainda sobre saídas de São Bento, a secretaria de Estado da Modernização Administrativa vai ficar a cargo de um ministério que é criado de novo, o da Juventude e da Modernização, tutelado por Margarida Balseiro Lopes. Mas a Administração Pública ficará, no entanto, com Miranda Sarmento no Ministério das Finanças.
Na atual composição do Governo PS, a Juventude dependia do ministério dos Assuntos Parlamentares, tal como o Desporto — que também será alvo de uma inovação orgânica e deixa de estar no mesmo ministério que a Juventude. A secretaria de Estado do Desporto vai depender, como até aqui, dos Assuntos Parlamentares, a cargo do ministro Pedro Duarte.
António Leitão Amaro será o ministro da Presidência, ficando com a casa das máquinas do Governo. No entanto, os fundos europeus, que eram da responsabilidade da ministra Mariana Vieira da Silva, e da ministra da Coesão, Ana Abrunhosa, passam para as mãos de Manuel Castro Almeida. O próprio vai liderar uma tutela que representa uma alteração orgânica: ministro Adjunto e da Coesão. As Autarquias Locais devem ficar igualmente com Castro Almeida.
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Mobilidade no ‘superministério’ de Pinto Luz, Ensino Superior absorvido pela Educação
O superministério de Miguel Pinto Luz consegue ser ainda mais exigente do que aquele que Pedro Nuno Santos tutelava. António Costa tinha dividido a pasta na remodelação provocada pela saída do atual líder do PS, promovendo a Habitação a ministério e colocando-a à parte das Infraestruturas. Agora, Montenegro volta a juntar tudo. E ainda mais. Além das Infraestruturas e da Habitação, Miguel Pinto Luz vai ficar ainda com a Mobilidade, pasta que era, no Governo Costa, assumida por Duarte Cordeiro no Ambiente. Desta forma, Maria Graça Carvalho fica “apenas” com o Ambiente e a Energia.
Miguel Pinto Luz tem, assim, a ferrovia, incluindo o TGV, o Novo Aeroporto, a TAP, a Habitação e ainda a Mobilidade Urbana. É o maior e potencialmente mais problemático de todos os ministérios. Por falar em superministérios, uma outra importante e já contestada alteração orgânica é a fusão dos ministérios da Educação e da Ciência e Ensino Superior — que ficarão a cargo do ministro Fernando Alexandre.
O Ministério da Economia, tutelado por Pedro Reis, perdeu a designação também de ministério do Mar. Se é certo que continuará com o Turismo, não se sabe ainda o que acontecerá ao Mar. Uma parte dessa pasta, as Pescas, já estava e vai continuar, como o nome indica, no Ministério da Agricultura e Pescas, tutelado pelo até agora eurodeputado José Manuel Fernandes. Neste ministério devem ainda ficar as Florestas que, com Costa, estavam no Ministério do Ambiente, em conjunto com a Conservação da Natureza.
No Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, tutelado por Maria Palma Ramalho, a orgânica ficará idêntica à do Governo de António Costa. O mesmo acontecerá em outras pastas importantes, como as Finanças, a Justiça, a Defesa, a Administração Interna e a Saúde, em que Montenegro opta pela estabilidade da estrutura orgânica ministerial.
Luís Montenegro mantém também a Cultura como ministério, algo que não acontecia num governo de direita desde 2005. A última ministra da cultura num Governo PSD/CDS foi Maria João Bustorff, no curto Governo de Pedro Santana Lopes. Pedro Passos Coelho, entre 2011 e 2015, preferiu que a pasta estivesse numa secretaria de Estado.
Montenegro terá conselhos de ministros temáticos
O novo Governo de Luís Montenegro também deverá ter, sabe o Observador, conselhos de ministros temáticos, dedicado a temas como a transição digital e energética, bem como aos problemas que os jovens enfrentam. Ao mesmo tempo, o novo governo vai criar equipas para as negociações com os vários setores, que serão lideradas pelos titulares das respetivas pastas.
À semelhança do que aconteceu com o Governo de António Costa, Luís Montenegro também terá um núcleo duro de coordenação política, com os ministros mais políticos e de áreas mais sensíveis. Pelo menos Paulo Rangel, Nuno Melo, Miranda Sarmento e António Leitão Amaro devem fazer parte das reuniões de coordenação. Além de Pedro Duarte, o Governo terá em Hugo Soares o elo privilegiado de ligação do Executivo com a bancada parlamentar.
O novo Governo toma posse esta terça-feira, às 18h00, no Palácio da Ajuda. Os secretários de Estado, cuja tomada de posse estava prevista para quinta-feira, vão tomar posse apenas na sexta-feira, dia 5 de Abril. O Executivo entrega o programa de Governo dia 10 e o mesmo é debatido e votado nos dias 11 e 12.