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A Participação do cidadão na era da Covid-19

Em tempos de pandemia, a APAH organizou um conjunto de webinares que contaram com o apoio da Sanofi e foram dedicados à “Participação do cidadão na Era Covid-19" no sistema de Saúde.

A iniciativa, organizada pela Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), teve como objetivo discutir e analisar o impacto da Covid-19, através da auscultação dos utentes e seus representantes, visando a obtenção de contributos tendo em vista promover uma coordenação de esforços, tendentes a assegurar soluções de continuidade da resposta de cuidados de saúde. A iniciativa contemplou 3 Conferências Online, a decorrer de 18 maio a 15 de junho de 2020, que pretenderam analisar, por um lado, a resposta do Sistema de Saúde e, por outro, o regresso à “normalidade” e a identificação de soluções para o Futuro.

Conferência #1 | A resposta do sistema de saúde

Participantes: Isabel Saraiva – Associação Respira; José Manuel Boavida – Associação Portuguesa de Diabéticos de Portugal [APDP]; Alexandre Guedes da Silva – Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla [SPEM].

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Como é que o Sistema Nacional de Saúde decidiu agir numa altura em que todos os portugueses dependeram dele? Como é que se mobilizou para dar resposta aos doentes crónica durante a pandemia de Covid-19? Nesta conferência dedicada ao Sistema Nacional de Saúde, o foco esteve na gestão e acesso a cuidados de saúde dos doentes crónicos, a experiências associadas ao modelo de consultas virtuais e ao seu impacto na comunicação médico/doente, a experiência no acesso a medicamentos hospitalares e em ambulatório.

Foi feita, ainda, uma avaliação dos riscos associados ao não diagnóstico e à progressão de doença por redução da procura das instituições de saúde. Um exemplo destes riscos passa pelos doentes com Esclerose Múltipla (EM), que viram a doença progredir por não poderem ir às consultas de acompanhamento. E o SNS teve um papel fundamental para ajudar a combater o medo e o desconhecimento que, durante a quarentena, muitos portugueses podem ter sentido, através de uma comunicação eficaz.

De uma forma global, foi feito um balanço positivo da forma como tudo se desenrolou, apesar das circunstâncias desfavoráveis. Foram destacadas soluções como as teleconsultas e linhas de apoio gratuitas, as farmácias comunitárias, a renovação das receitas e a entrega de medicamentos ao domicílio. Esta foi uma oportunidade para rever processos e abrir espaço para o funcionamento dos serviços de forma digital, colocando o doente no centro do sistema.

+ Isabel Saraiva – Associação Respira

Isabel Saraiva recordou as dificuldades iniciais da pandemia: “O estado de emergência deixou-nos atordoados e, quando aos poucos nos fomos apercebendo, começámos a ser obrigados a um dever especial de proteção. Fomos aconselhados a falar por telefone ou e-mail com os médicos. Foi um susto muito grande, o medo de sair e estar com outras pessoas instalou-se. O conhecimento da forma como o vírus atua só aos poucos é que foi aparecendo. No estado de calamidade, o medo mantém-se, daí as pessoas não irem às consultas, aos centros de saúde. Não há uma informação sistematizada sobre o que se está a passar nos hospitais. A surpresa, o desconhecimento e o medo são ingredientes que ajudariam a que corresse muito mal, mas não correu.”

“Há um manto de silêncio sobre questões relacionadas com a prevenção, tratamento, reabilitação. É uma situação intolerável, porque as pessoas com doença são os destinatários do SNS. Faz falta informação para a era pós-covid para as pessoas poderem retomar com confiança e segurança os tratamentos que precisam de desenvolver” 
Isabel Saraiva, Associação Respira

Em termos gerais, considerou que “o tratamento dos doentes com Covid-19 está a correr bem.” Referiu também os doentes infetados e o acompanhamento dos serviços de saúde. “Também correu bem o conforto ao doente e evitar que os mesmos se desloquem, nomeadamente os doentes crónicos. Com a colaboração dos hospitais e farmácias hospitalares, foi possível que os medicamentos passassem a ser levantados nas farmácias comunitárias. “É desejável que passe a fazer parte do quotidiano de quem tem de usar medicamentos hospitalares.”

Também a renovação das receitas e as consultas não presenciais com o médico ou centro de saúde foram importantes, expressando a importância de colocar o doente no centro do sistema.

“O serviço nacional de saúde foi resiliente, respondeu ao que foi pedido.”

+ José Manuel Boavida – Associação Portuguesa de Diabéticos de Portugal [APDP]

O plano de contingência para a Covid-19 da APDP foi adaptado pelo plano de contingência da gripe A e houve uma receção “absolutamente fantástica” às teleconsultas. Também a linha gratuita de apoio às pessoas com pé diabético foi “um sucesso”, com uma média de 100 chamadas por dia, por vezes, 300 chamadas por dia. Os contactos presenciais foram deixados apenas para emergências. Foram implementadas entregas ao domicílio de medicamentos em todo o país em 24h ou 48h.

“A partir do momento em que se é infetado, a diabetes descompensa e, na grande maioria das vezes, é preciso parar os medicamentos e iniciar a insulina. A prevenção da infeção é o foco e o acompanhamento nos casos em que ela exista”, sublinhou o responsável, que acrescentou que “estamos a adotar um mecanismo suplementar que foi fazer o teste dos anticorpos a todos os funcionários”.

+ Alexandre Guedes da Silva – Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla [SPEM]

Desde muito cedo, todo o sistema foi apanhado de surpresa, identificou o responsável da SPEM que encerrou os seus trabalhos bastante cedo. Nas várias delegações, conseguiu dar uma volta de 180 graus à sua abordagem analógica do cuidar. Neste momento, todos os serviços funcionam de forma digital, à excepção do serviço de apoio domiciliário. “Há uma normalidade no dia a dia das pessoas com EM e elas sentem-se informadas e confiantes”, afirmou.

“O risco de virmos a contrair Covid-19 é bastante elevado porque o grau de incerteza sobre a forma de atuação do vírus ainda hoje é desconhecida no que tem que ver com a sua transmissão aérea. O risco vai diminuindo com o aumento da temperatura e a diminuição da humidade relativa. Temos de ter a razoabilidade de ir tomando medidas. “Todos os doentes com EM têm as suas comorbidades mais afetadas do que há dois meses. Ao cancelar as terapias para as quais são elegíveis, vai fazer com que as pessoas se afundem”, alertou, sublinhado ainda a necessidade de um plano de abertura com risco controlado.

Conferência #2 | O regresso à normalidade

Participantes: Ana Sampaio, Presidente da Associação Portuguesa da Doença Inflamatória do Intestino [APDI]; Luís Mendão, Presidente do Grupo de Ativistas em Tratamentos [GAT]; Vítor Rodrigues, Presidente da Liga Portuguesa Contra o Cancro [LPCC].

Na conferência onde se falou sobre o regresso à normalidade depois de um período de quarentena, em que muitos doentes tiveram de permanecer em casa, sem acesso a consultas presenciais, os nossos convidados abordaram a forma como o Sistema Nacional de Saúde deverá dar resposta aos doentes crónicos durante e após a pandemia. Foram abordados vários temas que estão ligados à Saúde, como a gestão e acesso a cuidados de saúde dos doentes crónicos e, também, as formas de recuperar a confiança dos doentes nas instituições de saúde e de garantir a segurança, depois de uma fase tão instável e frágil como a que vivemos. Falou-se de formas diferentes para incrementar a aposta em novos modelos de cuidados de saúde, nomeadamente através de cuidados de proximidade, domiciliação e telessaúde. Além destes temas tão atuais na nossa sociedade, debateram-se também formas de assegurar a melhoria da comunicação entre instituições, profissionais de saúde, doentes e familiares, bem como modos de os doentes colaborarem na construção de novas ofertas de serviços que tenham por objetivo melhorar a experiência e satisfação das suas necessidades.

Falou-se, de forma transversal, da necessidade de recuperação e reorganização na área da saúde, atribuindo ao doente um papel mais central. Nomeadamente, através da comunicação e troca de informação bilateral entre quem presta e quem recebe cuidados de saúde. Sublinhou-se a importância de salvaguardar a sustentabilidade do Sistema Nacional de Saúde, acautelando gastos, e abordou-se a necessidade de apoio que as associações têm, no sentido de reformularem serviços e de se adaptarem à fase posterior à pandemia.

+ Ana Sampaio, Presidente da Associação Portuguesa da Doença Inflamatória do Intestino [APDI]

Ana Sampaio defendeu que “é preciso um plano de recuperação na área da saúde.” Neste tempo, foi preciso encontrar soluções para processos que vinham a ser adiados e melhorar alguns procedimentos. A medicação passou a ser disponibilizada ao domicílio ou na farmácia mais próxima. As teleconsultas eram muito necessitadas pelos doentes crónicos e rapidamente os hospitais disponibilizaram acesso à Internet dentro dos serviços de internamento dos hospitais. Os hospitais e centros de saúde organizaram-se “rapidamente” e surgiram contactos de e-mail para se conseguir chegar aos médicos. Começaram a existir e-mails disponíveis para remarcação de consultas e exames. Em suma, “está a começar a ser identificada a necessidade de o doente ter um papel central na área da saúde.”

+ Vítor Rodrigues, Presidente da Liga Portuguesa Contra o Cancro [LPCC]

Houve um mês de susto, um de reorganização e um outro de tentativa de retoma”, começou por considerar Vítor Rodrigues. As crises são péssimas mas são alturas ótimas para se fazer algum tipo de reorganização, nomeadamente colocar o cidadão no centro do sistema no binómio procura e oferta de cuidados de saúde.

“As crises são péssimas, mas são alturas ótimas para se fazer algum tipo de reorganização, nomeadamente colocar o cidadão no centro do sistema, no binómio procura e oferta de cuidados de saúde”
Vítor Rodrigues, Presidente da Liga Portuguesa Contra o Cancro [LPCC]

O Serviço Nacional de Saúde começou a conseguir dar algum tipo de resposta e permite já não ter receio de ir ao centro de saúde ou ao hospital. Os profissionais de saúde conseguiram fazer uma reorganização num curto espaço de tempo. Vítor defendeu que os grandes problemas têm que ver com o stress no sistema e, no caso da doença oncológica, com os tratamentos dos doentes em fase ativa, com os diagnósticos precoces. “Importa recuperar tudo o que se perdeu em termos de diagnóstico precoce, qualidade de tratamento e de acompanhamento”, acrescentou. Em relação aos atestados médicos de incapacidade multiuso, referiu que os mesmos já estavam parados antes da pandemia e que não se vê grande possibilidade de eles recuperarem – um problema enorme para os doentes oncológicos.

“Vai haver cada vez mais necessidade de informação bilateral entre quem presta e quem procura cuidados de saúde. Este fluxo de informação vai ser muito mais necessário, de modo a que a pessoa possa escolher e estar no centro do sistema”, concluiu.

+ Luís Mendão, Presidente do Grupo de Ativistas em Tratamentos [GAT]

A participação do cidadão na área da saúde é também a participação organizada através de associações de doentes. Este processo de formalização da participação é essencial, defendeu Luís Mendão. As crises são também oportunidades para que possam acontecer reformas há muito tempo adiadas e isso “trouxe algumas novidades que devem ser mantidas no período pós-covid”.

Em relação à medicina preventiva, Luís Mendão considerou que “a medicina preventiva e os diagnósticos precoces são fundamentais e foram perdidas oportunidades, com agravamento de algumas situações de doença ativa e acesso atempado aos cuidados de saúde”.

Por outro lado, espera que os hospitais tenham, “cada vez mais”, ambulatório e que estejam mais na comunidade. A participação dos doentes pode ser extremamente importante porque colocamos as questões que podem falhar ao resto dos especialistas – sendo nós especialistas na nossa própria condição. Há necessidade de ver o que deve permanecer exclusivamente nos hospitais e o que deve sair.

“Esta abertura dos cordões às bolsas deve ser alvo de escrutínio para que os gastos sejam os necessários e que se mantenha a sustentabilidade do sistema nacional de saúde”, defendeu o presidente do GAT. Há associações que precisam de apoio para adaptarem os seus serviços à fase atual e à posterior. Faz falta apoio para reformulação dos serviços de saúde das IPSS.

Conferência #3 | Soluções para o futuro

Participantes: Joana Camilo, Presidente da Associação Dermatite Atópica Portugal [ADERMAP]; Miguel Crato, Presidente da Associação Portuguesa de Hemofilia [APH]; Joaquim Brites, Presidente da Associação Portuguesa de Neuromusculares [APN].

Como será o serviço de saúde no futuro? O que pode ter aprendido o Serviço Nacional de Saúde (SNS) com a pandemia da Covid-19? Será que o fosso entre o sistema de saúde público e o privado se alargará ou, pelo contrário, pode haver uma maior cooperação entre eles? A verdade é que o SNS como até então o conhecemos pode, no futuro, ser diferente: desde a participação mais ativa dos doentes em todo o processo de tratamento, à monitorização remota dos doentes crónicos, passando pelo papel das associações de doentes  e a entreajuda do sistema de saúde público e privado. Foi sobre estas temáticas que os oradores deste painel debateram, tentando, assim, prever o que podemos esperar, no futuro, do setor da saúde.

Mas não foi apenas do que virá que se falou nesta conferência, com os convidados a destacarem a resiliência e capacidade de adaptação da sociedade nesta altura de crise, sublinhando a necessidade de dar continuidade a essa resposta. Nomeadamente, através de soluções como as teleconsultas e o acesso de proximidade à medicação. Também os modelos de financiamento foram tema de debate, sem esquecer a importância de implementar a economia circular na área da saúde — atribuindo ao doente um papel ativo no sistema —, a relevância da formação dos profissionais de saúde e de investir em cuidados domiciliários.

+ Joana Camilo, Presidente da Associação Dermatite Atópica Portugal [ADERMAP]

“Continuamos a ter muito a aprender nesta era pós-Covid”, começou por dizer Joana Camilo. A nível global, a sociedade, como um todo, mostrou resiliência para lidar com este desafio. Muitos dos resultados mostram uma capacidade de adaptação. Joana Camilo considerou que esta capacidade de resposta pode e deve ser continuada a vários níveis, “para obter ganhos em saúde”.

Houve algumas iniciativas, como a teleconsulta, que permitiram uma menor descompensação. Há projetos-piloto em vários hospitais que mostraram que, mesmo consultas de especialidade, podem ser realizadas à distância. Há realmente soluções já implementadas na era pré-covid durante a pandemia e que podem ser implementadas num futuro pós-Covid. O acesso de proximidade à medicação é uma das iniciativas com impacto benéfico, alerta Joana Camilo.

“É importante analisar o impacto benéfico do que foi feito e pensar como maximizar e consolidar o futuro”, sublinhou Joana Camilo. Em relação à participação da pessoa na gestão das suas doenças, referiu que também é importante e “há um potencial humano que não está a ser capitalizado no sentido de melhorar os resultados na própria pessoa e em quem o rodeia”.

“É importante explorar o conceito de economia circular na saúde, na capitalização do recurso humano que a pessoa é e que pode aumentar o impacto que o profissional médico tem na gestão da doença”, afirmou durante a conferência. Há um conjunto de plataformas digitais que estão ao dispor dos doentes e é importante que sejam user-friendly. “É importante que haja uma medicina preditiva, preventiva, personalizada e participada. A pessoa deve ser um parceiro ativo do sistema.”

+ Miguel Crato, Presidente da Associação Portuguesa de Hemofilia [APH]

“O futuro deve passar por uma maior partilha da decisão clínica em relação ao paciente e o meio hospitalar tem de se adaptar a essa realidade”, sublinhou Miguel Crato.

O doente deve, de facto, ser o centro do Serviço Nacional de Saúde. As associações de pacientes devem fomentar essa autonomia e ter um poder efetivo de colaboração. Isso pode passar por criar comissões sobre patologias específicas, especialmente as crónicas. “A Covid-19 veio trazer-nos alguns ensinamentos, veio mostrar o que o paciente espera de nós enquanto associação de doentes”, considerou Miguel Crato, acrescentando que estas associações “têm de mudar um pouco a sua filosofia, alterar a sua relação com o médico, com a tutela, com a comunidade”.

“A Covid-19 veio trazer-nos alguns ensinamentos, veio mostrar o que o paciente espera de nós enquanto associação de doentes”
Miguel Crato, Presidente da Associação Portuguesa de Hemofilia [APH]

A Covid-19 mostrou que as associações conseguem unir-se e apresentar soluções em conjunto. Além disso, Miguel Crato considerou que é necessário “mostrar às autoridades de saúde que as associações são compostas por pessoas que dominam a matéria científica. É altura de os pacientes terem uma posição mais interior em relação ao sistema de saúde”.

+ Joaquim Brites, Presidente da Associação Portuguesa de Neuromusculares [APN]

Na perspetiva de Joaquim Brites, na área da saúde, há que reaprender o que se passou nos últimos três meses. Bem como realçar a importância do profissionalismo e da formação dos profissionais de saúde.

Para o presidente da APN, é necessária a criação de novas formações de técnicos de saúde ou equiparados, como, por exemplo, os técnicos de geriatria nos lares.

Além disso, é também essencial “profissionalizar e dar mais capacitação”, olhar para esta nova realidade “como uma necessidade dos doentes”. Por outro lado, as doenças crónicas no futuro são um problema com o qual temos de conviver.

Já os pacientes “precisam de ser tratados, uns em ambiente hospitalar outros em ambiente domiciliário”, e, por isso, é preciso criar serviços de enfermagem domiciliária, por exemplo”, alertou Joaquim Brites durante a conferência. Para o presidente da APN, não se deve desperdiçar tudo o que foi conquistado na era atual: por exemplo, entrega dos medicamentos em farmácia hospitalar.

Há ainda que pensar em modelos de financiamento mais orientados para o cliente e criar um equilíbrio de gestão que idealmente deve passar por todos os stakeholders ligados a este movimento.

Desta forma teremos uma Gestão futura integradora das 3 grandes áreas: saúde, económica e social.

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