Os Ensaios do Observador juntam artigos de análise sobre as áreas mais importantes da sociedade portuguesa. O objetivo é debater — com factos e com números e sem complexos — qual a melhor forma de resolver alguns dos problemas que ameaçam o nosso desenvolvimento.
A primeira fase das políticas para combater a pandemia foram fáceis de ditar, pois bastava fazer um conjunto de decretos para obrigar à quarentena, e desenhar um pacote económico à semelhança dos outros países. A segunda fase, a de reabrir a economia e de lançar a retoma, é que vai testar a capacidade dos governos em termos de liderança e conhecimento. A informação que nos chega das empresas, sobretudo as PMEs, é de uma grande incerteza e de necessidade de orientação sobre o regresso “à normalidade”. A maioria ainda não recebeu apoios de crédito e muitas receiam fazê-lo. Os mercados colapsaram e as cadeias de valor a nível europeu e internacional encontram-se interrompidas. Exige-se, pois, uma liderança de coordenação, que permita compatibilizar a preservação da vida com o relançamento da atividade económica, em que cada dia que passa nos deixa um fardo pesado, seja para esta ou para a próxima geração.
São já cerca de seis os países europeus que estavam em completo lockdown e se preparam para reabrir a economia. Outros tantos, que estavam em regimes mais suaves, também estão na iminência de relaxar ainda mais a economia. A Dinamarca, Noruega, Espanha e Áustria foram os primeiros países a reduzir as restrições, após a Páscoa, no sentido de reavivar as economias, fortemente paralisadas devido às medidas de quarentena e distanciamento social decretadas. A Áustria anunciou que o comércio, abaixo de certa dimensão, estava autorizado a abrir as portas. A República Checa também emitiu as mesmas instruções, permitindo algumas práticas desportivas. A Dinamarca e Noruega anunciaram a reabertura de algumas escolas até finais de abril, e este último país vai também naquela data reabrir as universidades. A Suécia e Holanda nunca chegaram a colocar restrições severas sobre a atividade económica. E até mesmo a Itália já reabriu vários setores de atividade económica, de forma gradual. E a China, país que está cerca de dois meses à nossa frente na pandemia, já começou a reabrir as zonas mais afetadas, como Hubei, no início de abril, embora de forma gradual.
Outros países estão a tomar atitudes de recobro um pouco mais dilatadas. Em França, o Presidente Macron informou o país que começaria a reduzir as restrições a 11 de maio. E, na Alemanha, a chanceler Merkel reuniu-se com especialistas e presidentes dos estados para discutir a reabertura e em que condições.
Como alguns países europeus estão (com muitos cuidados) a tentar reabrir as portas
A grande questão é que cada dia, cada semana, em que se adia a reabertura da economia custa muito caro a todos nós. Por exemplo, o Banco de França estimava que cada quinzena de adiamento leva a uma perda do PIB de 1,5%, em taxa anual, o que não será muito diferente para a maioria das economias europeias, incluindo Portugal. Entre nós, estas perdas por quinzena representam cerca de 3,5 mil milhões de euros. E o organismo estatístico francês avisa que quanto mais se prolonga o período de confinamento, mais tempo será necessário para colocar em funcionamento as cadeias de valor de certas fileiras de produção, e mais se penalizam os serviços pessoais e empresariais.
Depois de analisar os critérios para reabrir a economia, este ensaio vai tratar de quatro questões: (i) as políticas epidemiológicas necessárias para a fase de reabertura; (ii) as políticas económicas para a reabertura da economia; (iii) as políticas de apoio à retoma económica, e (iv) a coordenação a nível europeu.
Um plano de saída: que critérios para reabrir a economia?
A McKinsey, assim como outras consultoras, aconselha aos setores público e privado a acelerar os planos de saída do lockdown, para que os cidadãos, empresários e trabalhadores estejam prontos a retomar a atividade, à medida que as restrições são levantadas, a fim de salvar vidas e preservar a nossa subsistência económica. Entre nós, tanto quanto sabemos, não existem ainda planos do setor público, e só um punhado de empresas de maior dimensão estará a desenhar estes planos – o que nos pode vir a custar caro em termos económicos. Não chega esperar pelo que os outros irão fazer, pois as economias e as cadeias de produção, assim como as capacidades dos sistemas de saúde, são diferentes.
Os melhores trabalhos que lemos até hoje sobre estratégias de reabertura têm sido elaborados por equipas conjuntas de médicos e economistas. Um deles é da Universidade John Hopkins e do American Enterprise Institute, que propõe quatro critérios para saber se um país está pronto para a reabertura:
- Redução sustentada no número de novos casos de infeção de pelo menos 14 dias;
- Hospitais e serviços de saúde podem tratar todos os pacientes que necessitam de hospitalização sem recorrer a sistemas de cuidados de crise;
- Os sistemas de saúde são capazes de testar todas as pessoas que tenham sintomas de Covid-19;
- O Estado tem capacidade de monitorização ativa dos casos confirmados e dos seus contactos.
A Comissão Europeia publicou, a 15 de Abril, um roadmap para a fase de recobro exatamente com os mesmos critérios. É uma pesada ordem de trabalhos que, infelizmente, temos dúvidas que já estejam prontos em Portugal. Esperemos que não demore muito tempo para que o país satisfaça estes critérios.
Vejamos cada um deles. O primeiro critério requer que o país tenha passado o cume da curva de novos casos (função densidade) e estar numa trajetória sustentada de decréscimo de novos casos de infetados. O Quadro 1 mostra um conjunto de países que temos seguido mais de perto. A primeira linha mostra as datas em que a curva de novos casos terá atingido o cume, e a segunda a estimativa de Villaverde e Jones, a terceira o número de dias depois do cume, e a quarta a média de 7-dias das taxas de crescimento de novos casos em 14 de Abril e a quinta uma projeção para 16 de Abril. Os dados mostram que Itália e Espanha já têm mais de 14 dias para além do cume dos novos infetados, e com taxas de crescimento negativas destes, de forma sustentada. A Alemanha também estará nesta categoria, mas depois do dia 16 de Abril, e a Holanda só na semana seguinte. Portugal terá atingido o cume entre 2 e 10 de Abril, mas não apresenta ainda taxas de decréscimo sustentadas, o que explica a atitude cautelosa do Presidente da República. Os dados do Reino Unido não permitem ainda fazer prognósticos e os dos EUA sugerem que o cume poderá atingir-se na semana corrente. Existe uma grande disparidade na estimativa do cume para a França, comparando primeira e segunda linhas, que é devido ao comportamento errático dos dados, que resulta de alterações estatísticas no seu reporte.
Portugal está entre os seis países da UE com um número mais alto de infetados por habitante (gráfico 1), e entre os onze mais altos em mortes por habitante, e também entre os mais altos do mundo em ambos os indicadores, o que é preocupante. De facto, só usando valores por habitante se podem fazer comparações internacionais, devido à imensa diferença entre a dimensão dos países. Se um jornalista falasse da mortalidade infantil em Portugal citando número de crianças que faleceram, e sobretudo se estivesse a fazer uma comparação internacional, seria imediatamente corrigido pelo editor. Porque é que o mesmo não se aplica aos dados do coronavírus?
O gráfico mostra os dados de infetados por 10 mil habitantes, para 13 de Abril para os países da UE, que revelam que são os países do Leste da Europa e antigos países de regime socialista os que estão em melhores condições para reabrir a economia. A estes países adiciona-se a Finlândia, Malta e Dinamarca, todos países em que o ciclo da epidemia já parece ter corrido um número de dias razoável, com maiores dúvidas no caso da Suécia.
Vimos já que não há ainda confirmação epidemiológica para o primeiro critério no caso português. E os restantes critérios?
O segundo critério (o da capacidade hospitalar) poderá dizer-se que está satisfeito? Veja-se mais abaixo. O terceiro (dos testes) exige que o Estado faça um esforço adicional de criação de postos ambulantes para testes e de constituição de um stock suficiente de kits, sobretudo de testes rápidos. Além disso, existe a limitação dos recursos humanos que não será facilmente contornada sem uma alteração de tecnologias. Mas é no quarto critério que o país está completamente atrasado, e não temos notícias de que algo se esteja a fazer nesse sentido. Mais abaixo voltaremos a discutir o tema.
E em que consiste a fase de reabertura da sociedade?
Nesta fase, segundo o relatório da John Hopkins, a maioria das escolas, universidades e empresas teria reaberto. O teletrabalho deveria continuar. Deveriam continuar parte das restrições de aglomeração de pessoas. Nos locais em que existem situações de alto contato, como nas escolas, deve haver regras de distanciamento físico, com a monitorização das autoridades locais. Devem continuar as medidas de higiene pessoal e de desinfeção. Para as pessoas mais velhas (mais de 60 anos), pessoas de elevado risco devido à sua situação de saúde particular, e as pessoas de elevado risco de contágio, deve aconselhar-se que limitem os seus contactos com a comunidade.
Além disso, as autoridades de saúde devem acompanhar a situação permanentemente, e as autoridades locais devem continuar a desempenhar um papel fundamental no controle e monitorização dos comportamentos e atividades, em estreito contacto com os municípios vizinhos e poder central.
Em conclusão, considerando os dados epidemiológicos existentes, Portugal poderia começar a reabrir a sua economia entre a última semana de abril e primeira semana de maio. Contudo, a nossa grande preocupação é que o País não se está a preparar, nem o governo está a tomar as medidas necessárias, segundo os critérios de preparação para a fase de reabertura.
Reformular as políticas de controlo da pandemia
Os critérios sanitários mostram duas causas de preocupação para a reabertura da economia: a evolução epidemiológica e a capacidade de tratamento hospitalar. Quanto à evolução epidemiológica vimos que não há razões para triunfalismos, e é necessário que o Governo tenha a honestidade e coragem para reconhecer o que correu ou está a correr menos bem, para poder reajustar as suas políticas. Por exemplo, as políticas de cobertura dos testes e a rapidez com que são tratados. Isto foi particularmente grave no início da pandemia e tem repercussões até ao momento. O que nos leva a preocupar-nos novamente com as políticas de testes para esta fase.
Quanto ao tratamento e capacidade hospitalar, as estatísticas mostram que o número de pacientes em cuidados intensivos em Portugal é cerca de ¼ do de Espanha e França, e 1/7 da Alemanha, em termos per capita. E a mesma relação se verifica com hospitalizados. Um estudo internacional colocava a nossa capacidade hospitalar deste tipo de cuidados entre uma das mais baixas da Europa, embora já tenha alguns anos. Porque é que mesmo assim a taxa de utilização é tão baixa?
A nossa hipótese é que existe uma contenção da procura, porque as pessoas têm receio de ir aos hospitais (devido aos contágios internos, que estão entre os mais elevados da Europa), devido à política de testes e à forma como a linha de apoio do SNS está a funcionar. De resto, é difícil de compreender como é que, nesta hora de salvar vidas e sobretudo dos menos favorecidos, se discrimina contra o setor privado e social — a maioria dos Estados toma a seu cargo todas as despesas com a hospitalização do Covid-19. Ora, o que é fundamental é a utilização eficiente de todo o sistema de saúde do país e não de apenas uma parte. Temo uma proporção maior do que a de Espanha de óbitos de idosos, que poderá estar relacionada com a forma como se tem atuado com os lares. É, pois, essencial reajustar as políticas para que se criem as condições essenciais de entrada na segunda fase.
Se os testes eram importantes na fase 1 de mitigação da pandemia, eles são considerados por todos os especialistas como fundamentais na fase de reabertura da economia, não só para identificar os infetados como para testar as pessoas que adquiriram imunidade. Na fase de recobro ou reabertura da sociedade/economia, deve haver uma alteração fundamental nas políticas de combate à pandemia, que vamos analisar: (i) alargar substancialmente a prática de testes e introduzir os testes de imunidade; e (ii) introduzir um sistema de monitorização e controle das pessoas infetadas do tipo digital (digital tracing).
Primeira prioridade: testar-testar-testar. Esta fase é bastante mais difícil do que a anterior pois consiste em restabelecer a confiança das pessoas, para que estas ultrapassem o medo de contrair o vírus de um colega trabalhador. A combinação de dois testes que já são aplicados rotineiramente em países como o Japão ou Coreia do Sul, podem identificar as pessoas que não têm o Covid-19 ou estão imunes, e que podem desta forma retomar o trabalho. O scaling up dos processos para fazer estes testes permite não só manter todos os serviços essenciais como agora acelerar a reabertura e retoma da economia, minimizando o risco de um reacender da epidemia depois de levantar as restrições. Um conjunto de economistas e médicos da Universidade Livre de Bruxelas publicou uma nota com os fundamentos científicos desta política. Já existe conhecimento científico de que os testes do sangue permitem identificar os anticorpos de alguém que já “combateu” o vírus, como este artigo da revista Science refere. O que é necessário é não só ter milhares de kits destes testes disponíveis como ter um sistema logístico para os poder administrar de forma generalizada. Este tipo de testes serológicos, designados por ELISA, permitem detetar os anticorpos da pessoa que esteve ou está em contacto com o vírus. Por outro lado, os testes que têm sido aplicados até agora em Portugal são do tipo RT-PCR (Reverse transcription polymerase chain reaction), que testam a presença de material genético viral e que só são válidos antes ou durante a infeção. Só as pessoas que tenham testado positivo no teste serológico e negativo no teste RT-PCR estão imunes e não são portadores do vírus, pelo que não podem contagiar outros. Hoje já estão certificados os chamados “Covid-19 Rapid Test Cassettes”, que permitem à pessoa fazer uma pica no dedo e saber em 10 minutos se tem anticorpos, três a sete dias depois da infeção.
Há países, como a Alemanha, que estão a considerar emitir certificados de imunidade para as pessoas que passaram estes dois testes. Independentemente de se adotar ou não esta prática, o que é fundamental é que o país crie rapidamente a infraestrutura para aplicar esta política de testes.
Segundo prioridade: digital tracing. Um estudo recente da Universidade de Oxford publicado na revista Science conclui que os métodos tradicionais manuais usados correntemente em Portugal e na Europa não são eficazes na monitorização e controle da epidemia, porque não são suficientemente rápidos para acompanhar as cadeias de transmissão. A monitorização através de meios digitais, conhecidos por digital tracing, permite reduzir de forma eficaz as taxas de infeção, mesmo quando apenas 60% da população os adota. A Comissão Europeia acaba de os aconselhar no seu roadmap.
De facto, as nossas democracias têm de aprender com os sucessos da China e Coreia do Sul, procurando um sistema que equilibre as preocupações de privacidade e o sofrimento humano, que ou resulta de estar em lockdown ou de ser infetado pelo coronavírus. Na China, a aplicação é um plug-in para as aplicações WeChat e Alipay, tipo WhatsApp e MB Way, que são usadas pela maioria dos smartphones. Estas aplicações fazem o rastreamento dos contactos, construindo uma memória dos contactos de proximidade e imediatamente notifica os contactos dos casos positivos com que dada pessoa se aproxima. Orientando as recomendações apenas para as pessoas em risco, consegue-se controlar a epidemia sem recorrer a lockdowns, que são bastante prejudiciais para a sociedade e economia. Esta aplicação não é obrigatória, mas é condição de admissão em espaços públicos ou transportes públicos. A base de dados é tratada centralmente, através de um algoritmo de inteligência artificial, que depois emite códigos de diferentes cores para avisar as pessoas. A Apple a Google estão a desenvolver uma aplicação, que respeita os regulamentos europeus de privacidade. E o Governo francês já encomendou o sistema StopCovid. A Universidade de Oxford e o MIT estão a desenvolver aplicações. O Instituto Robert Koch na Alemanha, a Noruega, Polónia, India, e muitos outros países já têm apps desenvolvidas ou em estado avançado.
Entrada gradual dos setores de atividade
As empresas é que são o setor produtivo da economia e só entrando em pleno funcionamento poderá a economia recuperar. Contudo, a sua capacidade operacional está fortemente limitada, através do Estado de Emergência e das medidas de lockdown adotadas pelo Governo para combater a pandemia. As medidas de combate à pandemia são justificadas, como temos defendido, na fase de mitigação da crise pandémica para “achatar a curva de infetados”, mas quando passamos à segunda fase, o trade-off entre salvar vidas ou salvar a economia coloca-se com cada vez maior acuidade.
Dissemos acima que por cada quinzena de lockdown o país está a perder cerca de 3,5 mil milhões de euros. Importa acentuar que é fundamental calibrar as decisões económicas entre custos económicos e riscos de saúde. Vejamos um exemplo concreto, que é o do adiamento para setembro da abertura das escolas, para alunos entre 6 e 12 anos de idade. Cada português produz cerca de 3.130 euros de riqueza para o país, em média mensal. Ora, em 2018, estavam matriculados 622 mil alunos nos 1.º e 2.º ciclos do ensino básico. Supondo que cada 1,3 alunos em casa requerem que um dos pais esteja em casa para tomar conta, faltando ao trabalho. Durante os meses de maio a julho, 3 meses, esta medida implica um custo total de 478 mil pais/trabalhadores x 3 meses x 3.130 euros = 4,5 mil milhões de euros, o que corresponde a uma perda de 2,2% do PIB. Haverá, porventura, algum desconto a fazer nesta estimativa, por causa de crianças que estão a ser cuidadas por inativos, ou de pais em teletrabalho. De qualquer forma, este exemplo mostra dois factos: (i) a estreita ligação entre as medidas de política económica, aqui entre educação e produção; e (ii) que as medidas de natureza sanitária podem ter implicações graves em termos económicos. E, quanto aos riscos, embora as crianças possam ser elementos de contágio, são relativamente imunes aos efeitos do coronavírus.
O grande trabalho da reabertura da economia e da retoma cabe às empresas, tendo o Estado um papel de facilitador e de estimulador do processo. Os problemas que as empresas têm que considerar na reabertura dizem respeito: (a) à segurança da saúde; (b) situação económica e financeira da empresa, (c) facilidade de abastecimento de matérias-primas e produtos intermédios; e (d) restrições da procura para os seus produtos ou serviços. Muitas empresas terão de restruturar as suas atividades ou a forma como conduzem o negócio, dada a conjuntura.
Já existem muitas consultoras internacionais com propostas e conselhos para a forma como as empresas devem proceder nesta fase, tendo em conta as preocupações de saúde e segurança. A Figura 1 é um exemplo.
Em Portugal, a atividade industrial não essencial nunca esteve nem está atualmente proibida, situação que partilha com mais oito países da UE. Porém, muitas empresas encerraram por causa da situação de emergência e encerramento de escolas, mesmo quando (com cuidados sanitários) poderiam continuar a operar – como no caso da construção. O problema de muitas empresas societárias é que estão com elevadas taxas de endividamento, apesar do enorme esforço feito após a crise de 2011. E como o regime de lay-off é limitado no tempo, até finais de maio, essas empresas serão forçadas a reabrir as suas atividades num curto espaço de tempo.
Por todos os países onde a pandemia já grassou, atividades essenciais, como os serviços e indústrias de saúde, indústria e comércio alimentares e indústrias de software, registaram aumentos ou reduzidas quebras, em comparação com outros setores. E existe uma larga gama de setores, como a eletricidade, gás e água, que não tem problemas de resposta à procura.
Já nos serviços empresariais, banca, seguros e serviços jurídicos, bem como na administração pública, existem problemas para a reabertura ligados a trabalho em open space, pelo que será necessário combinar teletrabalho com horários graduais e dilatados, e medidas especiais de segurança. Infelizmente, Portugal encontra-se ainda bastante atrasado em termos de teletrabalho: apenas 9% dos trabalhadores podem utilizar esta modalidade entre nós, comparados com 40% nos EUA. Esta é claramente uma das políticas empresarias, do processo de digitalização da economia, que é fundamental encorajar.
Os setores do turismo, tais como hotéis e atividades conexas, atividades culturais de massa e transportes aéreos serão os mais afetados em termos de demora de reativação. Por este motivo, é essencial pensar em esquemas de apoio mais dilatados no tempo, que poderão ir a mais de um ano.
Estes setores merecem uma atenção especial devido à enorme importância que têm na economia nacional. No turismo estamos a competir com países da orla mediterrânica. E, por exemplo, a Grécia e a Croácia, assim como os países do Norte de África, apresentam até agora, melhores indicadores epidemiológicos que os de Portugal. Mas, no caso português é essencial criar um ambiente de segurança, sobretudo para os grandes destinos turísticos, como por exemplo, frisar que o Algarve tem bons indicadores sanitários.
Entretanto, um pouco por todo o país, as grandes empresas começam a reabrir esta semana, como foi anunciado pelas multinacionais alemãs a trabalhar em Portugal.
Um problema que muitas das multinacionais, e até uma parte significativa das PMEs industriais, vão enfrentar é a reparação das cadeias de produção (nacionais, europeia e globais). Muitas das cadeias de produção pararam completamente por causa do fecho de fábricas e do controlo de fronteiras. Por exemplo, o lockdown na Itália interrompeu um grande número de indústrias e serviços, desde produtos alimentares a componentes para turbinas de aviões. As cadeias de produção das indústrias automóveis na Europa também foram fortemente afetadas. E matérias primas, como aços especializados ou vidros, fornecidos pela Ásia, também escasseiam. É, pois, urgente que estas cadeias de produção sejam reativadas, o que exige, para além da reabertura da atividade económica de uma grande parte dos países europeus, uma ação coordenada entre as redes de empresas. Porém, para uma grande parte das empresas ainda subsiste um outro problema: a procura no mercado dos seus produtos e serviços, o que exige um cuidado especial no apoio à retoma.
Estimular a procura em coordenação com a produção
Os modelos teóricos e a prática mostram que, em geral, as políticas para acelerar a retoma da economia são de estímulo da procura, como: (i) aumentar a oferta de moeda e a liquidez na economia; (ii) aumentar a despesa pública corrente ou os investimentos públicos; (iii) e/ou reduzir os impostos através de medidas temporárias como créditos fiscais ou de redução de taxas ou base de incidência.
Porém, esta crise é diferente de todas as que tivemos desde os anos 1980, que é simultaneamente de colapso da oferta e da procura. Não faz sentido estimular a procura se não existe produção, ou porque os trabalhadores estão em casa ou porque os consumidores têm receio de contágio.
Já vimos que o pacote de medidas de política orçamental prometido ao país pelo Governo é de dimensão bastante inferior ao de outros países. Se, ainda assim, ele não está a chegar às empresas para poderem sobreviver e reabrir, então o cenário mais grave de queda do PIB poderá concretizar-se, com graves custos para todos nós.
Por conseguinte, a primeira prioridade é fazer chegar junto das empresas os auxílios já prometidos em termos de subsídios e créditos. Haverá muitas situações em que as empresas se encontram em situação financeira de bancarrota, pelo que é importante que a banca tenha a capacidade de fazer um juízo sobre a sua viabilidade económica a médio e longo prazo, para decidirem qual o tipo de ajuda a atribuir. Algumas das medidas de apoio às empresas terão de ser repensadas, pois poderá ser necessário, em circunstâncias bem delimitadas, perdoar parte da dívida ou dívidas fiscais, se esta for requerida para assegurar a viabilidade da empresa.
Também é essencial começar a pensar no lançamento da retoma e, neste sentido, é urgente rever a formulação das medidas de adiamento do pagamento de impostos. Em Portugal, este adiamento é apenas permitido por um ou dois trimestres, exatamente quando a empresa está a recuperar a sua atividade. A maioria dos países deu um calendário mais dilatado, exatamente para que este conflito não aconteça. Este é apenas um exemplo dos muitos em que os decisores de política económica que nos governam têm de repensar.
O papel da União Europeia: coordenação das políticas
A Comissão Europeia emitiu finalmente um conjunto de orientações sobre o roadmap de reabertura das economias, mas deixa uma grande latitude aos Estados-membros para formularem os seus planos de reabertura. A Áustria, por exemplo, já avançou com um plano concreto. Contudo, exige-se mais da Comissão.
O euro e o Mercado Único criaram um conjunto vasto de cadeias de valor para as diversas indústrias e para os mercados de abastecimento e de consumo, que necessita de ser sincronizado. A Comissão deveria criar esse mecanismo de coordenação, tipo gabinete de crise, que pudesse fazer essa coordenação. Primeiro, de abertura de fronteiras e de facilitação do movimento de mercadorias entre os Estados-membros, depois de coordenação com os restantes Estados, como China, Japão, EUA ou Coreia do Sul. Segundo, que assistisse os Estados no aconselhamento a fazer às empresas na reconstituição das cadeias de valor internas.
Este gabinete deveria também ter a função de monitorar as ajudas comunitárias que foram prometidas aos Estados-membros na última reunião do Eurogrupo, e que descrevemos no último ensaio. Outra questão a ser debatida, mas um pouco mais tarde, é o pacote de apoio à retoma que ficou em suspenso da reunião do Eurogrupo, mas num contexto de estabilização económica.
Somos uma pequena economia aberta, e dependemos hoje fortemente da Europa. As nossas empresas exportadoras têm de saber com o que podem contar em termos de mercados de venda ou de abastecimentos na Europa. As multinacionais começam a estabelecer os seus planos de reabertura, mas as PMEs ainda não têm um quadro claro para poderem planear.
Outra atividade fortemente dependente da Europa, e que representa hoje quase 20% do PIB, em termos diretos e indiretos, é o turismo – dois terços desta atividade estão dependentes da procura externa. É necessário criar as condições sanitárias e a confiança por parte das instituições comunitárias e nacionais de que se podem reativar os fluxos turísticos, na altura própria.
Conclusão
O país está a entrar na fase de reabertura e do início da retoma económica, que poderiam ser efetivas, segundo este ensaio, na última semana de abril. Porém, o Governo tem ainda um pesado caderno de encargos para realizar. Enquanto que a primeira fase da mitigação da crise pandémica é fácil, pois basta decretar a quarentena, a segunda fase exige um maior esforço de coordenação das políticas sanitárias e económicas, envolvendo as autoridades aos diversos níveis do Governo e as associações empresariais e sociedade civil.
O país está a conseguir achatar a curva pandémica, mas infelizmente registou uma situação epidemiológica grave e das piores a nível europeu, que apela a um maior sentido de Estado e de cooperação de todos para vencer esta “guerra biológica”, sem comprometer demasiadamente a economia.
É fundamental que o pacote de ajuda às empresas chegue rapidamente às empresas, sobretudo às PMEs. Mas é também fundamental que a liderança política defina um quadro claro de reabertura da economia e relançamento da atividade económica, implementando as políticas sanitárias aqui apontadas e reforçando o sistema de apoio sanitário e de monitorização da pandemia. Finalmente, requer-se um repensar das políticas de apoio às empresas já definidas, para as readequar à retoma económica.
Abel Mateus é professor universitário de Economia. Doutorado pela Universidade de Pennsylvania, EUA. Foi economista sénior do Banco Mundial e administrador do Banco de Portugal. Presidiu à Autoridade da Concorrência.