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OLIVIER HOSLET/EPA

OLIVIER HOSLET/EPA

A resposta europeia à crise será suficiente?

A Zona Euro não está preparada para emitir coronabonds. Sem haver maior integração política e orçamental, essa medida não é possível — e pode ser prejudicial. E o resto? Ensaio de Abel Mateus.

Os Ensaios do Observador juntam artigos de análise sobre as áreas mais importantes da sociedade portuguesa. O objetivo é debater — com factos e com números e sem complexos — qual a melhor forma de resolver alguns dos problemas que ameaçam o nosso desenvolvimento.

A crise do Covid-19 está a afetar profundamente as economias de todo o mundo, com mais de 100 países a fecharem as fronteiras, cerca de 70 em lockdowns, e com a consequente interrupção das cadeias de produção internacionais, queda brusca do comércio, turismo e fluxos financeiros internacionais. Segundo o FMI e as Nações Unidas, o PIB da economia global, que se deveria crescer 3,4% em 2020, espera-se agora que caia pelo menos de 2%, acima da taxa de 2009 aquando da crise financeira global, o que representa um choque de 5,4 pontos percentuais.

No meio desta crise global, não podemos esquecer os benefícios que Portugal tem por pertencer à União Europeia (UE) e à Zona Euro. Com um espaço orçamental limitado, falta de profundidade dos mercados financeiros e sem as ligações à União Europeia que contribuem de forma importante para o espaço de política económica, sem a rede de segurança do apoio atual ou potencial de que beneficiam os membros da UE, e da credibilidade institucional que esta associação permite, muitos países têm de recorrer à ajuda internacional. Segundo o FMI, já mais de 70 países, incluindo a maioria dos países da Europa Central e do Leste que não pertencem à UE, pediram assistência financeira ao FMI, num total de 50 mil milhões de dólares, constituindo um recorde de número de pedidos de ajuda simultâneos.

Depois de, no ensaio anterior, termos analisado os pacotes orçamentais adotados a nível nacional contra a crise, vamos agora estudar as políticas monetárias a nível da Zona Euro, que são a política mais importante a nível comunitário de que estamos a beneficiar. Esta política é fundamental para suportar o acréscimo da dívida pública e o apoio dos bancos às empresas. Permitirá o Tribunal Constitucional alemão continuar com o Quantitative Easing, nos moldes propostos? E será esta política suficiente para evitar que se retorne aos problemas da crise dos países (Grécia, Itália, Irlanda, Portugal e Espanha, excluindo a Irlanda que já está numa situação financeira sólida — GIPEs) da Zona do Euro, que representaram um teste dramático à União Monetária? O Conselho Europeu criou também um reforço do Mecanismo de Estabilização Europeia para criar um escudo contra aquela crise. Será esta suficiente? E porque é que os GIPEs, que poderá incluir a França, têm relutância em aceitar esta solução? É já sabido que estes países preferem a criação das chamadas “coronabonds”, mas quais são as condições necessárias para esta emissão? Estarão os países membros prontos para ceder soberania com o fim de se criar o colateral necessário? Este ponto está ligado à questão mais difícil de uma política orçamental comum da União Europeia: a da criação de um Tesouro Europeu ou de uma união orçamental.

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A política monetária do BCE para apoiar os governos da Zona Euro

Os bancos centrais têm um papel fulcral nas políticas económicas contra a pandemia, assegurando uma ampla liquidez às economias, particularmente aos bancos e às empresas financeiras não bancárias. Este tipo de políticas foi iniciado pelo Banco do Japão e depois copiado pelo FED norte-americano, durante a crise financeira de 2007-2009, e mais tarde pelo BCE. Ele compreende o chamado Quantitative Easing, em que os bancos centrais compram ativos financeiros de elevada qualidade para colocar liquidez na economia. Alguns bancos centrais com espaço nas taxas têm também reduzido a mínimos históricos as suas taxas de financiamento à banca. Para além desta política, reguladores e supervisores dos mercados bancário e de capitais têm relaxado as regras prudenciais, e encorajado os bancos e sociedades financeiras a darem extensões de créditos ou reformarem esses mesmos créditos, com limitações temporárias. Ou seja, estas políticas podem evitar que o sistema bancário congele, como aconteceu durante a crise financeira de 2007-2009. E podem reduzir os prémios de risco e aumentar a confiança dos agentes económicos numa altura de elevada incerteza.

Caso o PIB da Zona Euro venha a registar uma queda de 5,9% (que nos parece, com os dados de hoje, ser o mais provável), o BCE poderia absorver, se concentrar todas as compra de ativos nas obrigações do Estado, cerca de 73% do acréscimo da dívida emitida devido à crise. Para ter uma maior cobertura, ou o BCE discrimina positivamente a favor dos países com maior nível de dívida pública, ou estes países poderão ter de recorrer ao Mecanismo de Estabilização Europeia, caso venham a registar uma queda acentuada da procura dos seus títulos.

A política do BCE de combate na fase aguda da crise sanitária compreende: (i) compra adicional de ativos no valor de €120 mil milhões até finais de 2020, através dum programa já existente (APP); (ii) prover liquidez aos bancos através de leilões periódicos, com uma taxa fixa de juro a uma taxa de 0,25%, e em condições mais favoráveis que as precedentes para financiamento da liquidez dos bancos a prazos mais longos (TLTRO-III) que reportem entre junho de 2020 e 2021. Mas a medida mais importante é a compra de ativos financeiros públicos e privados, num montante adicional em relação ao atual, de €750 mil milhões (Pandemic Emergency Purchase Program, PEPP) até finais de 2020, alargando o tipo de ativos elegíveis quanto às sociedades privadas (CSPP), e relaxando a qualidade do colateral exigido para as operações de refinanciamento do Eurosistema (MROs, LTROs, TLTROs). O relaxamento das condições do colateral leva a que o BCE passe a comprar mesmo obrigações do Estado grego, decisão que foi adotada em 2015 depois do default da dívida pública.

Como se comparam estas medidas com o FED? As medidas de compras adicionais de ativos são equivalentes a cerca de 7,3% do PIB da Zona Euro de 2019, o que é da ordem de grandeza do FED e do Banco de Inglaterra. O FED cortou as taxas de financiamento aos bancos em 1,5 pontos percentuais, para 0,25%, que é também a principal taxa do BCE. Além disso, alocou $700 mil milhões para a compra de ativos. Esta política de compras maciças de obrigações do Tesouro ou de grandes sociedades, que têm atingido perto de biliões de dólares ou euros, tem sido criticada por alguns economistas e juristas, na medida em que constitui uma forma indireta de monetarização dos défices públicos, que está explicitamente proibida nos estatutos dos bancos centrais, para evitar a inflação.

Os gráficos 1 e 2 mostram os valores elevados de ativos financeiros que o BCE tem comprado desde 2015, em termos mensais e em valor acumulado. Em relação ao PIB da Zona Euro, que em 2019 atingia 12.204 mil milhões de euros, a carteira de títulos adquiridos no balanço do BCE, através do Quantitative Easing, já representava 23% do PIB, em fevereiro de 2020. E o programa de compras, que tinha sido interrompido em 2019, volta em 2020 a regressar aos níveis mensais que atingia entre 2016 e 2018.

O acréscimo de liquidez resultante dos programas de QE anunciados são equivalentes a cerca de 8% do PIB de 2020 e um aumento da carteira de títulos de 35,7%.

O total de ativos do Eurosistema, a 31.12.2019, era de €4,7 biliões (38,5% do PIB). Para comparação, o FED tinha um volume de ativos totais de $4,2 biliões em finais de fevereiro de 2020. Mas, apenas num mês, de 29 de fevereiro a 30 de março subiu de um valor extraordinário: $1,6 biliões para $5,8 biliões, equivalente a 7,2% para 26% do PIB.

Será o programa de compra de ativos do BCE suficiente para suportar o acréscimo de dívida publica? Como veremos, se o programa de compras fosse todo direcionado para títulos públicos, cobriria cerca de 73% do acréscimo da dívida dos países da Zona Euro da nossa estimativa, e 53% da estimativa da Bruegel. Porém, se a Zona Euro cair num cenário mais severo, de queda do PIB de 10%, aquele montante de compras cobriria apenas 35%. Para comparação, o programa de compras do FED cobre bastante menos: 44%, na hipótese de o PIB cair 6,2% (a preços constantes) em 2020.

A supervisão do BCE sobre os bancos sistémicos da Zona Euro já afirmou que iria permitir que os bancos operassem temporariamente abaixo do nível exigido, que é a reserva para conservação do capital, e abaixo do rácio de liquidez. Além disso, alterou as regras de composição do capital para libertar parte desse capital. Assim, o BCE permite a libertação da quase totalidade das reservas contra-cíclicas, e aconselha as autoridades macro-prudenciais nacionais a fazerem o mesmo — o problema é que os bancos de Itália, Espanha e Portugal tem níveis de reservas contra-cíclicas mais baixas do que os dos países do Norte. Também decidiu dar mais flexibilidade na classificação do crédito mal-parado, coberto por garantias do Estado ou relacionado com moratórias decretadas pelos Estados devido ao Covid-19. Por fim, proibiu o short-selling de ações, para evitar a especulação em período de crise, e encorajou os bancos a fazerem a renegociação dos créditos das PMEs quando necessário.

Os programas de Quantitative Easing do BCE estão a provocar uma forte reação de oposição de um conjunto de antigos dirigentes do BCE, como o seu economista-chefe Otmar Issing ou membro do Conselho Jürgen Stark, que argumentam que são um convite à imprudência orçamental, sobretudo dos países já altamente endividados. Por isso mesmo, em conjunto com outros membros de bancos centrais da Holanda, Áustria e mesmo da França, interpuseram uma ação junto do Tribunal Constitucional alemão argumentando que viola o Tratado de Maastricht, na medida em que este proíbe o financiamento dos défices orçamentais. Espera-se para breve uma decisão do Tribunal, que poderá impor limites à forma como o BCE está a atuar. Porém, o Tribunal de Justiça Europeu tinha já declarado um dos programas anteriores de compras de obrigações do Estado em mercados secundários compatível com os Tratados.

Em conclusão, caso o PIB da Zona Euro venha a registar uma queda de 5,9% (que nos parece, com os dados de hoje, ser o mais provável), o BCE poderia absorver, se concentrar todas as compra de ativos nas obrigações do Estado, cerca de 73% do acréscimo da dívida emitida devido à crise. Para ter uma maior cobertura, ou o BCE discrimina positivamente a favor dos países com maior nível de dívida pública, ou estes países poderão ter de recorrer ao Mecanismo de Estabilização Europeia, caso venham a registar uma queda acentuada da procura dos seus títulos.

Impactos sobre os Orçamentos do Estado e explosão da dívida pública

Não restam dúvidas de que a crise do Covid-19 vai ter um impacto muito significativo nos défices públicos, o que vai provocar um salto nos níveis de endividamento público. O quadro 1 apresenta as estimativas desse impacto para uma amostra de países da Zona Euro, incluindo Portugal, para a totalidade da Zona Euro e, em termos de comparação, para os EUA. Todas as variáveis são medidas em percentagem do PIB, à exceção das duas primeiras linhas.

O impacto da crise nos orçamentos do Estado mede-se por duas componentes. A primeira corresponde ao impacto associado à queda das receitas de impostos, em particular dos impostos sobre o rendimento e IVA, e aumento das despesas públicas, em particular, dos subsídios de desemprego, devido ao aumento do número de desempregados. Este impacto mede-se através dos chamados estabilizadores automáticos, que são os fatores que se multiplicam pelo decréscimo do PIB, e que se encontram na segunda linha. Adicionando estes efeitos (negativos) ao défice previsto antes da crise pela Comissão Europeia (projeções do outono de 2019) obtém-se a linha do Défice depois da Crise. Mas a este efeito há ainda que adicionar um segundo efeito que é uma estimativa das medidas discricionárias adotadas pelos Estados para conter a crise, tais como as despesas adicionais com saúde ou o apoio às empresas. Esta estimativa é somada ao défice anterior para se obter a linha “Défice depois da política orçamental discricionária” (Défice com PO). As necessidades de financiamento, medidas pelo défice, são depois adicionadas ao rácio da dívida pública antes da crise, para se obter a estimativa da dívida depois da crise, que inclui também uma componente do apoio do Estado, que se traduz diretamente em dívida, como linhas de crédito ou a parte executada das garantias prestadas.

O impacto sobre os orçamentos e dívida pública estimado é dramático. O défice da Zona Euro, que antes da crise se estimava em 0,9%, atinge 8,6% do PIB, e a dívida pública sobe de 85% para 96% do PIB. Em comparação, as estimativas da Bruegel (para uma queda do PIB na Zona Euro de cerca de 5%) acarretariam um défice de 9% e a dívida a atingir 100% do PIB. Assim, estima-se que Portugal tenha um défice de 5,4% do PIB, e que o rácio da dívida suba de 117% para 123% do PIB, o que faria regressar o rácio ao ano de 2017. O caso mais grave seria o da Itália, que veria o seu rácio da dívida subir para 157% do PIB, o que seria um recorde histórico. Os EUA registariam um rácio de 132%, bastante acima da Zona Euro, que é também um recorde histórico — o rácio mais elevado foi atingido após a II Guerra Mundial, em 1946, com 119%.

A última linha refere a estimativa da Bruegel para um cenário de crise económica mais grave em 2020, que levaria a uma queda do PIB de cerca de 10%. Neste caso, a dívida da Zona Euro subiria para 108% do PIB. Se aplicarmos a mesma variação em pontos percentuais para Portugal, o nosso rácio atingiria 131%, o que se aproximaria do recorde observado em 2014. A Bruegel faz ainda estimativas para uma queda do PIB de 20% que poderá ser consultada na fonte.

Estas preocupações já se estão a refletir no mercado. Por exemplo, os Credit Default Swaps da Itália para as obrigações do Estado a 5 anos saltaram de 99 pontos base, a 22 de fevereiro de 2020, para 263, a 17 de março, o que implicava uma probabilidade de default acima de 20%. Mesmo assim, estes valores estão ainda longe do recorde de 570 pontos base atingidos a 13.12.2011, aquando da crise do Euro.

Em conclusão, a crise económica provocada pelo Covid-19 irá ter um impacto significativo sobre as contas públicas de todos os países desenvolvidos. O impacto no défice público dos países da Zona do Euro será, em média, de 8,6% do PIB, se a queda média do PIB desta união monetária for de 5,9%, aumentando o rácio da dívida pública de 85% para 96% do PIB. Dado que o pacote de medidas orçamentais em Portugal tem sido mais contido, estima-se que o défice atinja 5,4% do PIB, subindo a dívida para 123% do PIB. Se a queda do PIB ficar por este cenário, estes valores parecem-nos que poderão ser absorvidos pelos mercados. O maior problema será enfrentado pela Itália, que mesmo assim atingirá um rácio recorde. Os EUA atingirão também um rácio recorde da dívida, o que poderá ter implicações globais em termos de expetativas de taxas de juro de longo prazo, mas este é um tema para discussão futura.

O MEE, o BEI, a Comissão Europeia e Portugal

O Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) é uma instituição oficial da Zona Euro, criada durante a crise de 2010-2011, que dá financiamento de emergência aos países com dificuldades financeiras, contra o compromisso de os países implementarem um programa de reformas. O MEE sucedeu à Facilidade Europeia de Estabilização Económica. Atualmente a sua capacidade de financiamento é de €700 mil milhões de Euros, tendo desembolsado €250 mil milhões para auxílio a Portugal, Espanha, Irlanda, Grécia e Chipre, pelo que o envelope financeiro disponível é de cerca de €500 mil milhões. A decisão do Eurogrupo, de 9.4.2020, é de alocar metade, cerca de €240 mil milhões, a financiar os programas de mitigação do coronavírus, o que corresponde a cerca de 2% do PIB de cada país membro.

O MEE tem uma estrutura financeira semelhante a outras organizações financeiras internacionais, com um capital paid-in de €80 mil milhões. Não envolve diretamente dinheiros dos contribuintes (só na constituição do capital), pelo que os recursos de financiamento de que dispõe são obtidos pela emissão de obrigações nos mercados internacionais, que têm um elevado rating porque são garantidas pelos países membros. Atualmente, Portugal ainda tem uma dívida de €49,6 mil milhões, contraída durante a crise económica de 2011-2013, a uma taxa de juro bastante favorável.

Na carta dos ministros das Finanças e Negócios Estrangeiros alemães de 6 de abril a Portugal, estes propõem que se estabeleça dentro do Mecanismo de Estabilidade Europeu (MEE) uma linha de crédito, sem condicionalidade, para cobrir necessidades de financiamento dos Estados com as políticas de combate ao coronavírus. Segundo a mesma carta, para Portugal, tal significaria ter acesso a 4,7 mil milhões de euros de “dinheiro fresco”.

A política monetária da Zona Euro parece-nos apropriada para a fase de mitigação da crise, mas terá que ser reavaliada aquando da fase de retoma e de estabilização económica. De facto, a política de compras do BCE das obrigações dos Estados-membros, conjugada com a utilização do MEE, parecem-nos suficientes para financiar o acréscimo da dívida dos países europeus. Tanto mais que os países de ratings mais elevados, como a Alemanha, Áustria, Holanda e Finlândia, poderão obter uma parte significativa dos recursos necessários nos mercados financeiros.

Porém, os Estatutos do MEE são bem explícitos que, exceto o instrumento precaucionário, todos os restantes seis instrumentos estão sujeitos a condicionalidade, vertida num Memorando de Entendimento e elaborada em colaboração com a Comissão e BCE. Segundo o comunicado do Eurogrupo, a alocação aos programas de mitigação do coronavírus será incluída no instrumento preventivo, que foi criado o ano passado com um fundo de estabilização, de forma a não levantar problemas de condicionalidade macroeconómica. Mas juridicamente, não é que deixe de haver condicionalidade, mas essa condicionalidade é restrita à utilização para mitigar a crise do coronavírus. É importante notar que o MEE não tem tetos para os empréstimos a atribuir por país, deixando este ao critério do Conselho de Diretores, o que demonstra um grau de solidariedade superior ao FMI, onde cada país só pode pedir emprestado até um fator baseado na sua quota de contribuição.

A Comissão Europeia está também a propor a criação de um fundo de garantia pan-europeu capaz de assegurar os créditos com os quais o Banco de Investimento Europeu (BEI) disponibiliza liquidez às pequenas e médias empresas nos diferentes países. Isso permitiria garantir, através dos bancos comerciais ou de entidades financiadoras nacionais, financiamentos intercalares, prazos de reembolso mais alargados e novos empréstimos. Na reunião do Eurogrupo, ficou acordado um envelope de €200 mil milhões à disposição dos países membros.

Outro instrumento é a proposta da Comissão para o programa SURE, no montante de €100 mil milhões, para dar garantias aos empréstimos às empresas dos Estados-membros. Desta forma, a Comissão Europeia pretende mitigar os riscos de desemprego em situações de emergência, apoiando o regime de lay-off, ajudando as empresas a salvaguardar os postos de trabalho em tempos de recessão económica. A Comissão também suspendeu as regras de ajuda de Estado durante a crise e apoiou vários centros de investigação.

Finalmente, o Governo alemão propõe ainda incluir a necessidade de relançar e sustentar as medidas de crescimento na fase de estabilização económica dentro das negociações do Quadro Financeiro Plurianual, ou seja, do orçamento da UE para os próximos sete anos.

Olhemos para o que isso significa para Portugal. As estimativas (quadro 1) da necessidade de financiamento da dívida pública a emitir em resultado das políticas de mitigação da pandemia, para o caso português, seriam cobertas em grande parte para o cenário de base, e que correspondem a um acréscimo da dívida de 10% do PIB, conforme mostra o gráfico 4. Nesta hipótese, os 21,4 mil milhões que seria necessário emitir, seriam cobertos da seguinte forma: 11,7 pelas compras do BCE em mercado secundário, 4 mil milhões pelo MEE, e os restantes por uma combinação da Comissão, BEI e Fundos Estruturais Europeus.

A mutualização da dívida pública e as coronabonds

É um facto histórico pouco conhecido de que já houve um caso em que as Comunidades Europeias mutualizaram a dívida. Conforme lembrou o deputado Roderich Kiesewetter (do CDU alemão), a CEE fez uma emissão conjunta de obrigações durante a crise do petróleo de 1974. Mas a grande diferença é que, naquela data, havia um número mais reduzido de membros e maior consistência das políticas económicas entre os países membros.

A ideia das eurobonds já circula há quase uma década, depois da crise do euro, tendo tido apoio da Comissão Europeia em novembro de 2011. A sua formulação em termos teóricos foi feita por alguns dos melhores economistas atuais da área monetária, como o português Ricardo Reis e Mark Brunnermeier da Universidade de Princeton. A sua grande vantagem era criar um ativo de elevada qualidade para a Zona Euro, que permitiria unificar os mercados fragmentados nacionais, dando maior dimensão a este tipo de títulos nos mercados de capitais internacionais. E permitiria quebrar o ciclo infernal da dívida pública e bancos, pois uma crise da dívida leva em geral a uma crise bancária, devido às perdas que acarreta ao sistema bancário.

Contudo, sendo uma ótima ideia no papel, tem sérias dificuldades de implementação na fase atual de integração europeia. Lorenzo Smaghi, que foi membro do Conselho Executivo do BCE, argumenta que o problema é a inexistência de colateral para a sua emissão. As obrigações do Tesouro emitidas por cada país têm como colateral o fluxo de impostos a receber pelo Estado. Ora, a nível europeu, não existem estes impostos, porque os países não quiseram ceder a sua soberania orçamental: e isso é tanto válido para a Alemanha como é para Portugal. Nem está no horizonte a criação de um Tesouro Europeu.

O Presidente Macron (França) e o primeiro-ministro Conte (Itália) lideraram um grupo de nove países (Bélgica, Eslovénia, Luxemburgo, Irlanda, Portugal, Itália, Espanha, França e Grécia), apelando para a emissão de dívida comum em resposta à pandemia e às suas consequências económicas. Como sabemos, esta proposta teve a oposição da Holanda, contrária à mutualização do risco, por razões de “moral hazard”, e da Alemanha, limitando a resposta aos instrumentos existentes, nomeadamente à utilização do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE).

Em resposta à proposta, a chanceler Merkel respondeu que “não era a opinião de todos os países”. Já aquando da discussão durante a crise do euro, Merkel afirmava que primeiro era necessário que houvesse “mais coesão e consistência” das políticas económicas dos países da Zona Euro – os fundamentos de uma união fiscal/orçamental europeia. A Alemanha tem sempre mantido a posição de que as eurobonds violam o princípio de “no bailout” dos Tratados. E o Tribunal Constitucional alemão já deixou bem claro que esta inovação necessitava do apoio do Bundestag, com uma maioria de dois terços, o que hoje seria difícil de conseguir.

Alguns comentadores argumentam que a pandemia é um choque simétrico, de elevada dimensão, exógeno e não endógeno, pelo que preferem chamar ao instrumento de mutualização de “coronabonds”. Por ser um choque que não foi provocado pela má gestão dos Governos, e é comum a todos, não se põe a questão do “moral hazard”. Contudo, esta posição não é inteiramente verdade. Tanto os governos como as empresas e as famílias podem decidir, mais tarde ou mais cedo, regressar ao trabalho. Como os pacotes de auxílio podem ser mais ou menos generosos, não é difícil de perceber que alguns dos estímulos podem desincentivar o retorno dos trabalhadores à procura de trabalho. Além disso, seriam um precedente para a emissão das eurobonds num futuro próximo.

Num inquérito da Universidade de Chicago a um grupo de economistas europeus das universidades top mundiais, os economistas italianos eram a favor das coronabonds e os alemães contra, com alguns dos nomes mais ilustres (Blanchard, Freixas e Gali) a considerarem que a intervenção do BCE-MEE seria suficiente, e a criação das bonds uma medida extrema.

Conclusões

Temos de preservar e acarinhar o bem público que representa para todos nós, cidadãos e políticos, a existência da União Europeia e da Zona Euro. Como dissemos na introdução, caso Portugal não estivesse nestes clubes já teria sido obrigado a pedir ajuda ao FMI, e estaria numa situação incomparavelmente mais precária do ponto de vista económico e financeiro.

Existe um fosso enorme entre como são vistas pelos alemães e pelos portugueses as políticas económicas, e em especial a política monetária da Zona Euro. Enquanto o Presidente da República condecorou o Presidente anterior do BCE, Mário Draghi, a revista Der Spiegel publicou na sua capa uma caricatura de Draghi – o Drácula. E não nos parecem salutares, diríamos mesmo que se podem revelar irresponsáveis, para o futuro da Zona do Euro e mesmo da União Europeia afirmar que a não-aceitação das coronabonds pela Alemanha mostra uma insensibilidade em relação aos países do Sul, ou que se está a pôr em causa a existência da Zona Euro ou da União Europeia. Compreende-se que sejam para consumo interno de cada país mas, como o Brexit mostra, terão custos elevados a longo prazo.

Não somos politicamente corretos nesta afirmação, mas a Zona Euro não está preparada para emitir coronabonds. Sem haver maior integração política e orçamental, não é possível. O Ministério das Finanças da Alemanha argumenta que esta medida iria reduzir a capacidade de financiamento global da Zona Euro (i.e., iria provocar um downgrade da dívida pública da Alemanha e dos países fortes). É, pois não só extemporâneo, como até pode comprometer o avanço das eurobonds num futuro em que estas devam realmente ser criadas: quanto mais os devedores insistem no pedido de crédito, mais desconfia o banco do seu rating. Ou seja, as críticas constantes dos países que têm de recorrer ao auxílio europeu são um sinal que cria “moral hazard”.

Procurámos dar neste ensaio uma visão técnica e equilibrada da situação e das políticas económicas que estão na mesa nesta data e no cenário futuro mais provável neste momento. É evidente que, se o PIB vier a registar quedas a aproximar-se dos 10%, estamos num mundo completamente novo, e que tanto a Zona Euro como a União Europeia terão de adotar políticas mais radicais.

A política monetária da Zona Euro parece-nos apropriada para a fase de mitigação da crise, mas terá que ser reavaliada aquando da fase de retoma e de estabilização económica (como escrevemos aqui). De facto, a política de compras do BCE das obrigações dos Estados-membros, conjugada com a utilização do MEE, parecem-nos suficientes para financiar o acréscimo da dívida dos países europeus. Tanto mais que os países de ratings mais elevados, como a Alemanha, Áustria, Holanda e Finlândia, poderão obter uma parte significativa dos recursos necessários nos mercados financeiros.

Uma última conclusão: este ensaio mostra claramente que o que precisamos é mais Europa – é isso que ressalta dos discursos de Macron, Merkel ou Conte. Os anseios dos políticos tanto do chamado Sul como do Norte, o que mostram abundantemente é que necessitamos de maior integração: integração dos sistemas de saúde, integração das políticas externas – assunto que será posto na mesa quando tivermos de rever os termos da globalização, e sobretudo integração orçamental. Será esta geração capaz de realizar esta tarefa?

P.S.: No último ensaio recomendávamos que o Governo português alargasse substancialmente o montante e as condições de empréstimos às empresas portuguesas no programa de mitigação da crise. Com a aprovação do pacote pela Comissão Europeia de €13 mil milhões, o Governo poderá duplicar o apoio de créditos a pequenas e grandes empresas.

Professor universitário de Economia. Doutorado pela Universidade de Pennsylvania, EUA. Foi economista sénior do Banco Mundial e administrador do Banco de Portugal. Presidiu à Autoridade da Concorrência.

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