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A Talkdesk vale mil milhões de euros. É o terceiro "unicórnio" com ADN português

Sete anos depois de ter sido fundada por Tiago Paiva e Cristina Fonseca, em 2011, a Talkdesk fecha uma ronda de investimento de 100 milhões de dólares que a avalia em mais de 1,2 mil milhões.

A Talkdesk é o terceiro “unicórnio” (empresa avaliada em mais de mil milhões de dólares) de origem portuguesa. Três anos depois da primeira ronda de investimento, Tiago Paiva tinha seis propostas de fundos de capitais de risco em cima da mesa. Escolheu a dos nova-iorquinos Viking Global: 100 milhões de dólares (86 milhões de euros) que avaliam a empresa que fundou em 2011 com Cristina Fonseca em mais de 1,2 mil milhões de dólares (mil milhões de euros). Na ronda de investimento Série B que fechou esta quarta-feira, também participa a capital de risco californiana DFJ, que já tinha financiado a empresa em rondas anteriores. Desde 2011, a startup que promete “montar um call center em cinco minutos” captou 124,5 milhões de dólares (107,3 milhões de euros).

“É claramente o maior levantamento de capital de uma empresa privada no nosso setor”, descreve ao Observador Marco Costa, diretor-geral da Talkdesk para Portugal, Europa, Médio Oriente e África. No panorama das startups portuguesas, também é a ronda Série B (segundo levantamento de capital junto de investidores de capital de risco) com o valor mais elevado: nesta mesma fase, a Farfetch levantou 18 milhões de dólares em 2012, a OutSystems levantou 5,4 milhões em 2007 e a Feedzai levantou 17,5 milhões de dólares em 2015. As duas primeiras também são consideradas “unicórnios” — a empresa fundada por José Neves atingiu uma avaliação superior a mil milhões em 2015 e estreou-se na bolsa nova-iorquina a 21 de setembro (fez um IPO – Initial Public Offering –, sigla inglesa para Oferta Pública Inicial), a valer mais de 5 mil milhões de dólares; a segunda atingiu o mesmo estatuto em junho de 2018.

Tiago Paiva e Cristina Fonseca eram colegas de curso e lançaram juntos a Talkdesk, em 2011

Talkdesk

Até fechar o investimento com a Viking Global, a startup de origem portuguesa tinha acumulado 24,5 milhões de dólares em investimento, mas há três anos que não procurava capital. “Temos vindo a crescer de uma forma muito orgânica, o que é ótimo. Crescemos muito a nossa base de clientes e a partir daí suportámos o investimento”, explica Marco Costa. “Os 25 milhões que tínhamos serviram para fazer crescer a empresa até este ponto“, diz. Agora, precisaram de combustível extra para continuar a crescer. Das seis empresas que bateram à porta de Tiago Paiva, apenas uma foi vencedora — a Viking Global — responsável pela maioria do financiamento. Porquê esta capital de risco e não outras? Porque “tem uma experiência muito interessante de conduzir empresas até ao IPO (admissão em bolsa)”, explica Marco Costa. Wall Street à vista?

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Com os 100 milhões investidos pela Viking Global e pela DFJ, a Talkdesk não descarta a possibilidade de avançar para uma admissão em bolsa, mas também não se compromete. “O nosso grande objetivo é continuar a fazer crescer a empresa, ter mais clientes, um melhor produto, mais robustez e mais solidez, estarmos em mais sítios, mais globais ainda e quando tivermos isto tudo vamos ter mais opções. Um IPO será uma boa opção, mas temos de ter outras. Não ter opções é que é mau”, diz o responsável pelo mercado europeu. O caminho agora faz-se com foco em “aproveitar bem o momento positivo do mercado”, o montante que lhes foi “confiado”e o conhecimento de quem anda há perto de 20 anos a investir em startups.

Marco Costa é diretor da Talkdesk para a Europa, Médio Oriente e África há um ano e meio

Sete anos depois de Cristina Fonseca e Tiago Paiva terem criado o “software que permitia montar um call center em cinco minutos”, Marco Costa explica que a definição da Talkdesk se mantém, mas que o slogan já não chega para tudo aquilo que a empresa faz. “É uma boa definição, mas hoje já é um bocadinho limitativa do nosso produto, ou seja, esse pilar de sermos muito ágeis, muito fáceis de integrar e de utilizar é um pilar importante que está lá e é um fator que nos distingue, mas não é só esse”, diz ao Observador. Hoje, a Talkdesk emprega 400 pessoas: 250 em Portugal e 150 nos EUA, onde a empresa tem a sede. No portefólio de clientes, contam-se 1500 empresas, como a Glintt, a IBM, a Dropbox ou a Pivotal.

Do vídeo no YouTube à saída de Cristina Fonseca

O produto pode ter evoluído, mas foi com a ideia do call center em cinco minutos que os dois ex-colegas do curso de Engenharia de Teleco­municações e Informática, do Instituto Su­perior Técnico, ganharam o concurso de empreendedorismo da empresa norte-americana Twilio. Depois de várias ideias, bastou-lhes um vídeo e um protótipo feito em 15 dias para convencer o júri, contou Tiago Paiva à edição portuguesa da Forbes. O prémio era um computador portátil, mas a participação valeu-lhes uma entrada direta para uma das mais conhecidas incubadoras e fundos de investimento de Silicon Valley, a 500 Startups — foram os primeiros empreendedores portugueses a consegui-lo. Foi também em São Francisco que acabaram por criar a empresa, com os 450 mil dólares que receberam da 500 Sartups e do investidor particular Alex Khein.

“A sede continua nos Estados Unidos da América. A empresa nasceu assim porque, logo no início, quando o Tiago foi para os EUA, teve a oportunidade de ter um investimento muito pequenino, de 50 mil dólares. Estava lá, montou a empresa lá”, conta. O know-how tecnológico, esse, é — e vai continuar a ser — 100% português. “A tecnologia continuará a ser completamente desenvolvida em Portugal“, diz Marco Costa ao Observador. Parte da última ronda de investimento serve para reforçar a equipa de Investigação & Desenvolvimento portuguesa. Até 2020, a Talkdesk quer atingir os 1.000 colaboradores e desde o ano passado que a empresa tem apostado em estabelecer parcerias com várias universidades, para recrutar recém-licenciados. Além destes, a empresa quer trazer engenheiros de software de mercados internacionais para Portugal.

Cristina Fonseca saiu das operações diárias da Talkdesk no início de 2016

Getty Images for TechCrunch

Cinco anos depois de Cristina Fonseca e Tiago Paiva terem lançado a Talkdesk, a Forbes distinguiu os dois portugueses no ranking “30 Under 30” de 2016, na categoria das empresas tecnológicas. “Sinto um mix de responsabilidade acrescida e desta sensação de provar um bocadinho que Portugal está ao nível do mundo. No ano passado, já tínhamos tido três portugueses na lista da Forbes e isso é muito positivo para o país. Com o desenvolvimento dos últimos anos, houve muita gente a ir embora e isto ajuda a acreditar que em Portugal ainda há muita coisa a acontecer”, explicou, na altura, Cristina Fonseca ao Observador. Um mês depois, Cristina Fonseca acabaria por sair das operações diárias da empresa, mantendo-se como acionista.

Num post publicado no Medium, a empreendedora escrevia que queria tirar algum tempo para se poder dedicar às coisas que tinha deixado de fazer antes de começar a viagem em que se tornou a Talkdesk: escrever mais, ter tempo para ler, ter umas boas férias, passar mais tempo com família e amigos, aprender mais, estudar, viajar e trabalhar com pessoas e em projetos diferentes. Na altura em que Cristina Fonseca saiu da Talkdesk, a empresa tinha angariado 24 milhões de dólares, empregava 150 pessoas nos escritórios de Lisboa e de Silicon Valley e tinha clientes em mais de 50 países.

“Investi toda a minha energia e inspiração nesta empresa. Vivi e respirei a Talkdesk todos os dias e todas as noites, mesmo durante os fins de semana e as férias. Trabalhar até muito tarde à noite e acordar muito cedo no dia seguinte não era incomum, mas encontrei sempre a energia para continuar inspirada pela equipa fantástica que temos. Eles fizeram com que as minhas esperanças e aspirações para a empresa se tornassem realidade e quero agradecer-lhes por serem a melhor equipa de sempre”, escrevia a cofundadora. Este ano, Tiago Paiva, foi considerado o 24º melhor líder mundial em empresas de desenvolvimento de software enquanto serviço (SaS), segundo a publicação SaaS Report. Foi o único português a integrar a listagem, sendo que os 50 melhores líderes foram selecionados entre 5 mil nomeações.

Tiago Paiva está entre os 50 melhores líderes mundiais de empresas de software, segundo o SaS Report

Tiago Paiva, Talkdesk

Sobre a saída de Cristina Fonseca e a forma como impactou a atividade da Talkdesk, Marco Costa adianta que a cofundadora era uma uma “pessoa marcante” e que “terá sempre essa marca e essa importância”, mas que a empresa encontrou uma forma de se organizar, de ter pessoas novas e diferentes. “Acredito que não só na Talkdesk, mas em todas as empresas, nenhum de nós é insubstituível. Todos nós, por mais ativos ou mais horas que trabalhemos ou mais impacto que tenhamos, no dia em que sairmos alguém tomará o nosso lugar e alguém fará melhor do que nós, assim o esperemos, e levará a empresa para a frente. As empresas estão acima das pessoas”, explicou.

Tiago Paiva entre os 50 melhores líderes mundiais de empresas de software

“Os últimos anos foram realmente duros”

Os últimos três, quatro anos da Talkdesk não foram fáceis, conta o responsável. “No início, não havia dinheiro para investir, não levantámos muito dinheiro e isso obrigou-nos a focar em clientes. Obrigou-nos a ver o que temos de fazer hoje para garantir que temos clientes amanhã, que temos clientes que nos começam a pagar. Isto foi o grande desafio da Talkdesk e os últimos três, quatro anos foram realmente duros nesse sentido.” Quando a empresa começou a crescer dos pequenos contact centers para contact centers maiores, foi preciso garantir que as prioridades eram as certas e isso implicou mudar a empresa, o produto, o apoio a clientes e o serviço pós-venda. “De seis em seis meses, os desafios da empresa mudam completamente. Enquanto crescemos a empresa a esta velocidade, temos desafios internos. É preciso garantir que as pessoas estão alinhadas, que trouxemos as pessoas certas”, diz.

Com estes 100 milhões de dólares, nascem novos desafios. “Temos de usar bem este dinheiro”, diz Marco Costa. A primeira grande aposta vai para a equipa comercial nos EUA. “Já esta semana vão entrar 20 pessoas, novos comerciais que vão reforçar a nossa presença”, acrescenta. Mas o reforço da equipa comercial não vai acontecer apenas nos Estados Unidos, na Europa também vai ser reforçada. Em Portugal, o objetivo é passar de uma equipa de 10 comerciais para uma de 50. Além do crescimento comercial, a empresa liderada por Tiago Paiva quer continuar a fazer crescer o aquele que considera ser “o produto certo”. Que produto é esse? “Aquele que os nossos clientes precisam e aquele que nós acreditamos que eles precisam, mas que ainda não sabem”, diz. Para tudo isto, são precisas as pessoas certas.

Talkdesk vai contratar mais 100 pessoas e quer chegar às 1000 contratações até 2020

“Procuramos pessoas que tenham a mentalidade certa, que queiram construir, que queiram ter impacto, que tenham uma atitude positiva. Esta área não é fácil, a concorrência é muito forte, move-se muito rápido, temos de ser muito rápidos a fazer bem, a fazer com muita qualidade, com orgulho e, ao mesmo tempo, ter a agilidade para perceber que o mercado se mexe muito, muito rapidamente. Portanto, é muito importante ter as competências técnicas, claro, mas tão importante como as competências técnicas é ter a atitude adequada, ter autonomia, fazer o que tem feito para conseguir encontrar o produto certo”, explicou Marco Costa.

Apesar de revelar dados sobre o crescimento — em três anos, multiplicaram por dez vezes as receitas — , Marco Costa não avança com números de faturação. “Somos, neste momento, a empresa que mais cresce neste espaço. Não partilhamos números de faturação, mas são muitos milhões, muitos, muitos, muitos, milhões mesmo“, diz. Agora que são um “unicórnio”, o que é que pode falhar? “Tanta coisa… Sei lá, depende. Estamos preocupados em maximizar a probabilidade de sucesso”, diz ao Observador, destacando o receio de não encontrarem as pessoas certas para o projeto ou de tomarem as decisões erradas em termos de mercado. “A empresa não vai desaparecer por causa disso, mas não vamos crescer tão rápido”, diz.

Para trabalhar na Talkdesk, "tão importante como as competências técnicas é ter a atitude adequada, ter autonomia, fazer o que tem feito para conseguir encontrar o produto certo"

Talkdesk

Para o futuro, as armas estão apontadas para a Inteligência Artificial. A ideia da Talkdesk não é a de que os softwares de inteligência artificial substituam as pessoas, mas que as ajudem no atendimento ao cliente. “Nós gostamos é de falar com pessoas”, diz o responsável. A ideia é que o operador saiba mais sobre a pessoa que está a ligar e o problema que tem, ainda antes de atender o telefonema. “Queremos, com a análise da inteligência artificial, garantir que não só que sabemos mais sobre a pessoa que nos está a ligar, mas que também sabemos mais sobre os nossos agentes. E fazemos um match perfeito. Muitas vezes, não são só as competências técnicas e os agentes, é também a empatia. Como se mede a empatia? O que é a empatia? E é isso que os nossos clientes querem. Clientes satisfeitos, clientes leais e aí a inteligência artificial pode ajudar muito”, reforça.

E com as falhas e os erros, como lidam? Do lado de lá, risos. “Não temos erros, corre sempre tudo bem”, diz, para logo a seguir clarificar a brincadeira. “Claro que perdemos clientes, perdemos negócios, perdemos pessoas. O que incentivamos sempre que um evento desses acontece é a tirar alguma coisa de positivo. A única coisa que podemos tirar é o que aprendemos, o que fizemos mal, o que não fizemos e devíamos ter feito, o que a nossa concorrência fez melhor do que nós“, disse. Quando há uma decisão que não é bem tomada, quando alguma coisa falha, o que a equipa da Talkdesk faz é um post-mortem, ou seja, as pessoas envolvidas reúnem-se, sentam-se e tentam perceber o que correu mal no processo, o que poderiam ter feito diferente.

“Garantimos que esse conhecimento fica registado, que é escrito e partilhado com a equipa. Tentamos fazer melhoria contínua e isto é válido na equipa comercial e na equipa de produto. Sempre que alguma coisa falha, temos de perceber quais são os mecanismos para tentar reduzir esse erro”, diz, acrescentando que esse momento deve transformar-se numa aprendizagem. “O erro  tem de ser uma forma de aprender. Se não for assim, promovemos uma cultura em que o erro é escondido até ao dia em que é tão grande que já não conseguimos tratá-lo. Esta é a cultura de toda a empresa para o desenvolvimento das pessoas e para o desenvolvimento da empresa. Não tínhamos chegado aqui com uma cultura diferente”, conclui.

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