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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A tradução à Marcelo, a química de Costa e a felicidade de Lula. O regresso das relações Portugal-Brasil pela troika do bacalhau

O primeiro dia de visita oficial mostrou cumplicidade de Lula com a dupla Costa-Marcelo. Guerra na Ucrânia foi irritante, mas os negócios e o piscar de olho à Europa falaram mais alto no dia 'L'.

Pareciam parceiros de sueca e, quando Lula tomou a palavra, fez questão de tirar uma piada de avô da algibeira. O presidente brasileiro lembrava que o Presidente português “mergulhou no Lago Paranoá” e que, “na semana seguinte, apareceu um jacaré“, fazendo, por isso, um pedido à comitiva portuguesa: “Da próxima vez, por favor, não deixem o Presidente Marcelo nadar”. Os sorrisos seriam cúmplices até ao momento em que ambos tiveram, por força das perguntas dos jornalistas, de falar da Guerra da Ucrânia, o grande “irritante” e “ruído” da visita.

Perante a pergunta dos jornalistas portugueses sobre o tema, Lula da Silva — que pediu novamente que o Português seja Língua Oficial da ONU — não entendeu bem o Português de Portugal. A questão era se mantinha as declarações, feitas na China, de que a União Europeia, incluindo Portugal, promovem a Guerra na Ucrânia. “Sinceramente, não consigo entender“, confessava Lula. Marcelo segurou então no braço do Presidente brasileiro e prontificou-se a fazer uma tradução truncada: “É sobre as suas palavras sobre a Ucrânia”. O líder brasileiro voltou ao púlpito e, a partir daí, ficariam evidentes as diferenças.

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Um destacado empresário luso-brasileiro, que assistiu à conferência, dizia minutos depois ao Observador: “Está ali o retrato das relações Portugal-Brasil, a Língua é a mesma, mas há muita coisa que se perde na tradução“. E logo justificaria a posição dúbia do Brasil sobre a Guerra da Ucrânia: “A Rússia é o 34º país para onde o Brasil mais exporta, mas a Rússia é o 5º país do qual o Brasil mais importa. E importa o quê? Fertilizantes. Essenciais para a safra, para a economia brasileira”. É a “realpolitik“: a economia brasileira precisa da Rússia.

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Voltando às divergência, o Presidente português, ao lado de Lula, explicava que a posição do presidente brasileiro “supõe a prioridade a uma via negocial” e dizia claramente que a “posição portuguesa é diferente”, pois “entende que o caminho para a paz supõe previamente o direito da Ucrânia de reagir à invasão, recuperar a sua integridade territorial”.

Marcelo insistia que Portugal, “solidário com a NATO e com a UE”, não abdica da exigência de uma retirada prévia da Rússia antes de se iniciarem as negociações. Já Lula não resistiria a voltar a atirar-se ao Ocidente: “Se você não faz paz, contribui para a guerra“. E lembraria ainda como se recusou, apesar do pedido de Olaf Scholz, a fornecer mísseis à Ucrânia, considerando que isso era alinhar na Guerra. A posição criticada é, aliás, a de Portugal.

O Observador sabe que o assunto Ucrânia foi discutido nas várias reuniões bilaterais, incluindo na que decorreu em Belém entre Marcelo e Lula e houve uma compreensão mútua das posições tendo em conta aqueles que são os interesses “geoestratégicos” de cada país.

A crise dos mísseis foi o “irritante” entre Marcelo e Lula. Cavaco foi escudo e Ventura alvo

Mais tarde, o Governo Lula assinaria, com o Governo Costa, uma declaração conjunta sobre a Guerra na Ucrânia em que os dois chefes de Governo “enfatizaram o seu compromisso com o direito internacional, a Carta das Nações Unidas e a resolução pacífica de conflitos.” Num aspeto fundamental para Portugal e o Ocidente, ambos “deploraram [no mesmo documento] a violação da integridade territorial da Ucrânia pela Rússia e a anexação de partes do seu território como violações do direito internacional”.

Lula sem ladrão e o 25 de Abril pela metade

Momentos antes de começar a visita oficial, num café de esquina junto ao Mosteiro dos Jerónimos, o empregado de mesa dizia a um cliente habitual que bebia uma bica: “Hoje isto está mau para ti, ainda és tu que és agarrado”. Depois de o homem sair e desaparecer da vista, o mesmo empregado comentava: “Este hoje não tem sorte nenhuma: é carteirista e isto está cheio de polícia”. Foi o mais parecido com referências a ladrão que a manhã teria.

O aparato policial era grande, como habitual nestas circunstâncias. Em vez dos gritos de “Lula ladrão”, os críticos do Presidente Lula não apareceram e, junto às grades (de separação), só se viam apoiantes do PT, o partido de Lula, com cânticos de claque: “Olé, olé, olé, olá/Lulá, Lulá“.

Os mesmos apoiantes tinham cartazes, um deles com a cara de Lula e com a frase: “25 de Abril, sempre”. O Presidente brasileiro vai discursar no dia 25 de Abril no Parlamento, mas não fica para assistir à sessão solene (que terá sido um dos palcos ponderados para a intervenção solene). Lula justificou a ausência com questões de agenda.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A presença na Assembleia da República tem contado com a frontal oposição de vários partidos, incluindo o Chega. Ao lado de Marcelo, logo na primeira intervenção da visita oficial, Lula da Silva faria crítica velada ao Chega, que associou aos movimentos pró-bolsonaro: “Eu não conheço bem a política portuguesa, mas sei que aqui tem um linguajar muito próximo com o utilizado pela extrema-direita no Brasil, que diria que de direita ideológica não tem nada, tem muito de fascismo mesmo.”

Minutos depois, André Ventura voltaria a atacar a visita de Lula da Silva, dizendo que a presença do Chefe de Estado brasileiro “destrói” a “credibilidade das instituições portuguesas”. Por essa altura, já Lula da Silva estava com António Costa, o primeiro-ministro que o apoiou enquanto ainda era só candidato.

Um empresário português que acompanha atentamente a visita e as relações bilaterais diz ao Observador que há uma “grande iliteracia relativamente à política portuguesa” e por isso havia oráculos, até oficiais, das transmissões online que diziam que o Palácio de Belém eram a “sede de Governo”. E que, para muitos brasileiros “o chefe de Governo é o Marcelo”.

Mas conhaque é conhaque, negócios são negócios. E esses são mesmo com António Costa.

Treze acordos selados a bacalhau e Margareth, segundo Xi

Portugal e Brasil não tinham uma cimeira há sete anos e, para Costa e Lula, há um culpado: o antigo presidente Jair Bolsonaro. Se o atual presidente brasileiro o disse de uma forma mais vocal, Costa não deixaria de dizer que a prova de que as relações não estavam boas é que “Chico Buarque de Hollanda só vai receber o Prémio Camões na segunda-feira, quatro anos depois” de lhe ter sido atribuído.

Já Lula da Silva aproveitaria para dizer que o Brasil ficou isolado no tempo de Bolsonaro — em “que ninguém queria receber nem ser recebido pelo presidente brasileiro” — e que essa política externa do antecessor foi uma “irresponsabilidade“. O erro foi cometido também com Portugal: “Como é que se explica? Um país não reconhecer a importância de Portugal? Não em termos populacionais, mas de importância histórica?” Costa ia sorrindo perante as críticas a Bolsonaro, que Lula também acusou de ter destruído políticas sociais no Brasil como uma verdadeira “praga de gafanhotos“.

Costa e Lula culpam Bolsonaro e prometem tirar relações Portugal-Brasil das águas de bacalhau

Lula esteve sempre tão afetuoso com Costa como com Marcelo. Ainda relativamente às relações com os países, o presidente brasileiro defendeu que “política é uma coisa química”, que a “relação humana é química” e que esta não funciona se as pessoas “não se conhecem, não se abraçam, ombro no ombro”.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

O clima foi assim de cumplicidade entre os dois chefes de Governo. Lula confessou a Costa que ainda não comeu bacalhau e deixou um desejo para o jantar — à porta fechada, onde estará também Marcelo Rebelo de Sousa: “Espero que hoje [ao jantar] tenha bacalhau.” É o desejo de uma espécie de cimeira do bacalhau.

O presidente brasileiro lamentou durante a intervenção que a ministra da Cultura, Margareth Menezes, não tivesse cantado. E Costa corrigiu-o de imediato: “Cantou, sim”. E Lula: “Para você; para mim não”. E, ainda num tom humorado, acrescentou: “Ela [Margareth Menezes] cantou para o Xi Jinping na China. E ele disse para mim: ‘Não entendi nada, mas gostei'”. Ambos sorriram.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Apesar do convívio, o que os levou ali foram negócios. E, aí, houve 13 que ficaram por escrito em áreas que vão desde as agências espaciais às agências noticiosas. O dia de Lula termina com um jantar oficial (fechado à comunicação social) oferecido pelo Presidente da República no Palácio Nacional da Ajuda, num dia longo que começou com uma entrevista à RTP às sete da manhã (emitida às 20h30). Depois da maratona deste sábado — em que acabou a surfar uma onda mais ocidental e menos BRIC — Lula deu-se a si próprio uma folga ao domingo com paragem na zona centro: “A Nazaré me espera”.

 
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