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Assiste-se a uma polarização política entre PP e PSOE em Espanha
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Assiste-se a uma polarização política entre PP e PSOE em Espanha

Assiste-se a uma polarização política entre PP e PSOE em Espanha

A um mês das eleições, PP desgasta imagem de Sánchez e PSOE alerta para "riscos" de uma aliança com o VOX

A um mês das eleições, direita insiste na ideia do "fim do sanchismo" para vencer eleições, mas já há cisões entre PP e VOX. Esquerda alerta para os "retrocessos" que representaria aliança à direita.

Esta segunda-feira, a cerca de um mês das eleições gerais em Espanha (que se realizam a 23 de julho), foram publicadas duas sondagens em jornais espanhóis de referência — no El Mundo e no El País. As duas davam a vitória ao Partido Popular (PP) com possibilidade de atingir a maioria absoluta no Congresso dos Deputados, à condição de se coligar com o VOX. O PSOE ficaria em segundo, mas dificilmente conseguiria governar, uma vez que a esquerda estaria longe de conseguir eleger os 176 deputados necessários para assegurar uma maioria.

Numa leitura mais aprofundada, os resultados enviam sinais mistos para os dois blocos em jogo. Na sondagem do El Mundo elaborada pela empresa Sigma Dos e que contou com 2.977 entrevistas, o PP desce face à do mês passado, enquanto o PSOE regista uma subida considerável — agora, os dois partidos estão apenas separados por 5,4 pontos percentuais. Mesmo assim, havia uma maioria absoluta de direita. Por sua vez, a sondagem elaborada pela 40dB para o El País e para a Cadena SER mostra um cenário distinto: os populares sobem, o PSOE estabiliza, o VOX cai.

Não há, portanto, uma tendência definida, com os dois blocos a fazerem de tudo para chegar à maioria absoluta. À direita, o PP e o VOX adotaram o lema “derrotar o sanchismo” com o líder popular Alberto Núñez Feijóo a garantir que a aliança à direita vai ter condições suficientes para governar Espanha, negando um futuro de conflito permanente entre os dois partidos. À esquerda, Pedro Sanchéz, o chefe do governo espanhol, tem colocado ao mesmo nível as duas forças políticas adversárias, lembrando os riscos que pode comportar um governo com a extrema-direita.

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Pedro Sánchez, chefe do governo espanhol, e Alberto Núñez Feijóo, líder do PP

Europa Press via Getty Images

Os dois aliados do PP e do PSOE também se têm esforçado para captar votos, sempre tendo como pano de fundo a aliança que terão de firmar com dois maiores partidos políticos espanhóis. Por um lado, o VOX tem procurado incluir nas suas listas membros menos radicais e garante que pode ser um parceiro fiável, ainda que insista em linhas vermelhas e que não “passará um cheque em branco” ao PP. Por outro, a coligação Sumar, liderada pela vice-presidente do governo espanhola Yolanda Díaz, aliou-se ao Unidas Podemos, aglutinando o espaço à esquerda dos socialistas.

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Embora a coligação entre Sumar e Unidas Podemos e o VOX sejam fundamentais para governar, o que é facto é se assiste a uma “campanha polarizada”. Na opinião do professor em Comunicação Política da Universidade de Navarra, Jordi Rodríguez Virgili, os “dois partidos maioritários apresentam-se de forma dicotómica”. “O PP fala em ‘Sánchez ou Espanha [tem de se derrotar o sanchismo]’ e o PSOE fala em ‘Sánchez ou onda reacionária [progressismo versus fascismo de VOX mais o PP]'”, exemplifica o especialista ao Observador.

No meio disto tudo, e ainda no rescaldo das eleições municipais de 28 de maio que deram a vitória ao PP, a direita está a tentar entender-se em várias comunidades autónomas e municípios com algumas polémicas pelo meio, tais como a da “violência de género”. Ao mesmo tempo, a esquerda está a apontar as falhas, ainda que esteja a braços com a aparente impopularidade de Pedro Sánchez.

"Os dois partidos maioritários apresentam-se de forma dicotómica. O PP fala em 'Sánchez ou Espanha [tem de se derrotar o sanchismo]' e o PSOE fala em 'Sánchez ou onda reacionária [progressismo versus fascismo de VOX mais o PP]'"
Jordi Rodríguez Virgili, professor em Comunicação Política da Universidade de Navarra

A estratégia da direita (e o que pode correr mal)

PP aproveita-se do cansaço de Pedro Sanchéz

Desde as eleições autonómicas e regionais a 28 de maio, que resultaram numa vitória em toda a linha do PP, que os vários líderes partidários do partido têm apostado em duas mensagens. A primeira é que começou um novo ciclo político em Espanha, em que o país vira à direita, após anos de governação socialista; a segunda é que é necessário derrotar Pedro Sánchez e as políticas adotadas pelo chefe do governo espanhol.

“Derrotar o sanchismo” foi, por isso, o lema elegido pela comitiva popular. O estratagema de criar uma dicotomia não é novo, aliás. Por exemplo, nas eleições autonómicas de Madrid em 2021, Isabel Díaz Ayuso, a presidente da comunidade da capital espanhola, escolheu o slogan “socialismo ou liberdade”. O resultado foi francamente positivo com o PP a atingir uma maioria absoluta em Madrid, que se repetiu este ano.

A receita volta a repetir-se nestas eleições gerais. E há um dado, na sondagem do jornal El País, que demonstra que esta estratégia do PP parece estar a resultar. Um total de 37,2% dos inquiridos que assinalaram que vão votar nos populares indicaram que o fazem porque desejam “acabar com o sanchismo”. Este é, aliás, o principal motivo pelo qual votam no partido de Alberto Núñez Feijóo, seguido da “capacidade de gestão” e por ser o “partido que mais defende os interesses dos cidadãos”.

epa10643249 President of the People's Party (PP) Alberto Nunez Feijoo (R) attends a political rally at the bullring in Valencia, Spain, 21 May 2023, with PP's candidate to regional Presidency Carlos Mazon (L). Spain is holding local and regional elections throughout the country next 28 May 2023.  EPA/KAI FORSTERLING

Alberto Núñez Feijóo, líder do PP — o maior partido da oposição

KAI FORSTERLING/EPA

No entender de Francisco Ramón Villaplana Jiménez, doutorado em Ciência Política pela Universidade de Múrcia, o conceito de sanchismo “conseguiu impor-se com êxito como marco narrativo do bloco da direita”, utilizado não só pelo PP, como também pelo “VOX e pelo Ciudadanos”. Ainda assim, são os populares que mais “beneficiam” com esta estratégia, diz o especialista ao Observador.

Existe, prossegue Francisco Ramón Villaplana Jiménez, uma “simplificação do debate político que beneficia o PP, porque deixa em segundo plano as diferenças programáticas que mantêm com a extrema-direita, colocando o foco na alternativa de governo que, obviamente, seria um governo dos populares com ou sem VOX”.

Adicionalmente, os líderes populares nunca definiram concretamente o que é o sanchismo. “É uma ideia tão aberta que permite a cada pessoa interpretá-la da sua maneira, sempre com uma conotação negativa do PSOE e dos seus parceiros governamentais”, concretiza o doutorado em Ciência Política, que realça que, em qualquer caso, a “utilidade eleitoral desta estratégia” ainda terá de ser testada, dependendo igualmente de como “responde discursivamente” o PSOE.

"O sanchismo representa a simplificação do debate político que beneficia o PP, porque deixa em segundo plano as diferenças programáticas que mantêm com a extrema-direita, colocando o foco na alternativa de governo que, obviamente, seria um governo dos populares com ou sem VOX"
Francisco Ramón Villaplana Jiménez, doutorado em Ciência Política pela Universidade de Múrcia

Em declarações ao Observador, Maria Pereira López, professora de Ciência Política na Universidade de Santiago de Compostela, corrobora que a luta contra o sanchismo consiste num “discurso simplista em termos dialéticos que constrói claros antagonismos e a ideia de um inimigo comum que não são necessariamente os socialistas”, mas antes Pedro Sánchez, bem como “algumas das principais políticas que levou ao cabo no seu governo”. “É um relato que se constrói no plano emocional”, tendo com base “emoções negativas” e que se partilham nas redes sociais, um “espaço ideal para a sua replicação e amplificação”.

Numa entrevista publicada este domingo pelo jornal ABC, Alberto Núñez Feijóo repetiu a ideia de o PP quer “derrotar o sanchismo”, como aconteceu nas eleições autonómicas e municipais: “Falta apenas conclui-lo nas eleições gerais”. Explicando no que consiste essa ideia e no que é o sanchismo, o líder popular referiu que vai “derrotar” certas leis, não vai “formar pactos” com o Eh Bildu, a força independentista basca que colocou nas suas listas para as eleições regionais condenados por terrorismo e assassínio, não vai “indultar os independentistas” e vai recuperar o crime de “sedição”, “malversação”, codificando ainda o “delito de referendo ilegal”. 

Para Maria Pereira López, o que é certo é que Alberto Núñez Feijóo não pode apenas fiar-se nesta estratégia como “único argumento da campanha”. O líder popular deve, na sua opinião, demonstrar que “há algo mais” e que é capaz de “oferecer uma alternativa de um governo fiável para o país”.

Por seu turno, Pedro Sánchez apelidou a tática eleitoral da direita como uma “velha estratégia” que utiliza quando está na “oposição”. “É desumanizar, caricaturar, descrever o líder progressista que está à frente do governo como uma pessoa egoísta, que não tem nenhum tipo de escrúpulos e que faz qualquer coisa para se manter no poder. Fizeram-no com Felipe [González], chamando um felipismo ao socialismo; fizeram-no com José Luís [Zapatero], chamando-o zapaterismo; e fazem-no comigo”.

"É desumanizar, caricaturar, descrever o líder progressista que está à frente do governo como uma pessoa egoísta, que não tem nenhum tipo de escrúpulos e que faz qualquer coisa para se manter no poder"
Pedro Sánchez sobre o uso da expressão 'sanchismo'

Questionado sobre o motivo pelo qual esta “velha estratégia” estava a resultar, o socialista respondeu que este tipo de declarações ressoa na “Espanha conservadora, que, evidentemente, assume e assimila esses discursos que geram ódio”, traçando um paralelismo com a tática usada pelo antigo Presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Donald Trump.

A polarização política — e o fim do Ciudadanos

Após criticar a direita pelo que diz ser o “antisanchismo”, Pedro Sánchez apontou para uma “disjuntiva clara”, dando vários exemplos em que esta ideia se manifesta: “Se Espanha avança, ou retrocede. Se tem um presidente de governo progressista ou se tem Feijóo como presidente e Abascal como vice-presidente”. “Foi por isso que antecipei as eleições, porque acredito que é importante que Espanha aclare e dê um mandato inequívoco sobre quem vai ser o próximo presidente do governo. Nós temos orgulho, o projeto, o plano e os factos que Espanha necessita. O país merece mais quatro anos de políticas progressistas.”

Tal como o seu adversário, Pedro Sánchez aposta numa polarização da cena política espanhola, numa luta entre esquerda e direita, deixando os partidos mais radicais completamente dependentes do PP e do PSOE. Na opinião de Jordi Rodríguez Virgili, esta tendência já influiu na “própria apresentação de candidaturas”.

“Estas eleições polarizadas funcionam como um referendo a Pedro Sánchez, tal e qual foram as autonómicas e municipais”, acredita o professor em Comunicação Política da Universidade de Navarra. Tudo isto leva a que a mobilização dos votos insatisfeitos contra o chefe do governo espanhol seja um trunfo para a direita, particularmente para o PP.

Polarização ajuda particularmente o PP

Europa Press via Getty Images

Mesmo assim, a polarização “ideológica e afetiva”, embora fortalecendo indiscutivelmente o adversário, não é prejudicial para Pedro Sánchez. “Dividiu grande parte da sociedade em dois blocos que enfrentam uma guerra cultura e até moral, reforçando as dinâmicas de identidade política dentro dos dois blocos”, sublinha Francisco Ramón Villaplana Jiménez.

Como grande político da direita — e encarado como a única solução para derrotar o sanchismo —, o PP (e o PSOE, em menor medida) ganham com a “falta de proporcionalidade do sistema eleitoral na maioria dos círculos eleitorais“, enfatiza o doutorado em Ciência Política pela Universidade de Múrcia, acrescentando que isso favorece a “concentração de votos em partidos que lideram cada um destes blocos”, isto apesar do “entusiasmo inicial” que geraram os “partidos de protesto”, como o Unidas Podemos ou o VOX.

Sendo interpretado como a única alternativa para o PSOE sair do poder, o PP está a concentrar todo o espaço da direita, mas também do centro político, que, ao que mostram as sondagens, está afastado de Pedro Sánchez. Tanto assim é que o Ciudadanos, partido que representava aquele espaço ideológico, decidiu não apresentar candidatura nestas eleições, após o desaire que sofreu nas autonómicas e regionais, que lhe fez perder praticamente toda a representação local. “O partido defendia uns posicionamentos muito próximos aos do PP, tornando-o desnecessário, inclusivamente prejudicial aos olhos do eleitorado”, constata Francisco Ramón Villaplana Jiménez.

O fim do Ciudadanos beneficia o PP

MARISCAL/EPA

A sondagem publicada no El País mostra uma transferência de votos do eleitorado do Ciudadanos para o PP. Um total de 53% dos eleitores que votaram naquela formação política que se assumia de centro em 2019 estão inclinados para confiar o seu voto aos populares, ao passo que apenas 4% dos eleitores do Ciudadanos deverão votar no PSOE. 

Com mais de metade dos votos do Ciudadanos de 2019 (que obteve 6,8% dos votos), o PP assume-se como o único voto que poderá levar Pedro Sánchez a sair do cargo de chefe do governo espanhol. Para mais, ao Observador, Silvia Claveria, professora de Ciência Política da Universidade Carlos III, em Madrid, também nota que, desde as eleições de 28 de maio, é o “bloco da direita” que mais tem “marcado a agenda”, nomeadamente com os temas relacionados com as polémicas do Eh Bildu.

A normalização do VOX

A par de tentativas para tentar moderar a imagem de partido antissistema e de extrema-direita, o VOX é o parceiro de que o PP não queria ter de precisar, mas, para — conseguir governar — o cenário mais provável é que seja necessário firmar uma aliança com Santiago Abascal. “O meu objetivo não é governar com o VOX”, esclareceu Alberto Núñez Feijóo numa entrevista à esRadio.

Santiago Abascal, líder do VOX

AFP via Getty Images

“O contexto é: se o PSOE perde as eleições e o PP não consegue uma maioria absoluta, há que repeti-las porque o PP não pode coligar-se com ninguém. Não me parece que isso um contexto muito democrático”, justificou o líder popular, que disse ainda que não recebia lições dos socialistas, que, lembrou, fizeram acordos com os “partidos de esquerda mais radicais” e com os “independentistas”.

Dando como exemplo o que se passa na Comunidade Valenciana, em que o PP chegou a acordo com o VOX para governar aquela região, Alberto Núñez Feijóo insistiu que o partido não conseguiu maioria absoluta, não obtendo, ainda assim, o respaldo dos socialistas para conseguir formar governar. A única alternativa, frisou o líder popular, foi coligar-se com a força política liderada por Santiago Abascal, ou então ter-se-ia de realizar “eleições novas”.

O argumento utilizado por Alberto Núñez Feijóo nas comunidades autónomas — de que é evitável a realização de umas novas eleições, colocando o ónus no PSOE — deverá ser replicado nestas eleições, tendo sempre presente a ideia de que é mais vantajoso uma coligação do VOX do que um cenário de instabilidade política que obrigaria à realização de um novo ato eleitoral.

Certo é que, mesmo assumindo um cariz abertamente antissistema, existe uma maior recetividade na sociedade espanhola em aceitar um governo que integra um partido como o VOX, como observa Sílvia Claveria ao Observador. “Dá a sensação que desde a coligação em Castela e Leão, na Comunidade Valenciana e em outras autarquias, vai-se normalizando cada vez mais a entrada da extrema-direita em instituições e o efeito do medo a esta entrada é menor.”

"Dá a sensação que desde a coligação em Castela e Leão, na Comunidade Valenciana e em outras autarquias, vai-se normalizando cada vez mais a entrada da extrema-direita em instituições e o efeito do medo a esta entrada é menor"
Silvia Claveria, professora de Ciência Política da Universidade Carlos III

Contudo, as coligações nas comunidades autónomas, formadas na ressaca das eleições espanholas, podem já antever os primeiros problemas de uma possível aliança. Por exemplo, na Estremadura, o PP e o VOX não chegaram a acordo e, por conseguinte, deixaram a governação da comunidade autónoma em mãos socialistas, antevendo-se um cenário de ingovernabilidade para o PSOE e provavelmente novas eleições.

No caso da Estremadura, o VOX exigia entrar no governo regional, mas o PP vetou a entrada, oferecendo-lhe, em troca, a liderança do parlamento. Mas a força de extrema-direita rejeitou. O vice-presidente da força de extrema-direita e membro do parlamento daquela comunidade autónoma, Jorge Buxadé, lamentou que não houvesse “respeito” por parte dos populares que, pela voz da líder local María Guardiola, censuraram o facto de o VOX, “quando tinha a possibilidade de mudar e tirar um governo do PSOE, prefere que nada mude”.

Não foi o único foco de tensão. Contrariamente ao que aconteceu na Estremadura, os dois partidos de direita superaram as diferenças e conseguiram unir-se na Comunidade Valenciana, num acordo que a força liderada por Santiago Abascal quer replicar noutros territórios. Um dos pontos que mais gerou controvérsia consiste na “violência de género” — termo que o VOX exigiu que se alterasse para “violência intrafamiliar”, tendo em vista a erradicação deste fenómeno, em especial aquela que mulheres e crianças sofrem.

"O VOX quando tinha a possibilidade de mudar e tirar um governo do PSOE, prefere que nada mude"
María Guardiola, candidada do PP na Estremadura

Ora, não foi uma simples mudança de termo. A esquerda condenou a alteração, acusando o PP e o VOX de ignorarem o fenómeno social da violência infligida às mulheres. “É o pacto da vergonha”, descreveu a porta-voz do governo socialista e ministra de Política Territorial, Isabel Rodríguez. “Faz-nos retroceder nos avanços e inclusivamente questiona algo tão grave que nos atinge a todas e a todos que é a violência de género.”

Ao assumir este acordo com o VOX, a esquerda acusou os populares de voltar atrás nas políticas adotadas nessas matérias — e até a entrar em contradição com votações anteriores no Congresso dos Deputados. A controvérsia à volta da questão obrigou Alberto Núñez Feijóo a reagir, escrevendo na sua conta pessoal do Twitter que a “violência de género existe e cada assassínio de mulher” comove a sociedade espanhola. “O Partido Popular não dará um passo atrás nesta luta. Não vamos renunciar aos nossos princípios, custe o que custar.”

Em reação, o líder do VOX lamentou que o PP se tenha vendido às “calúnias da esquerda”, explicando que o partido entende que violência de género é um “conceito ideológico”. “Acreditamos que o sexo é uma questão biológica, mas o género é um conceito ideológico que não partilhamos”, defendeu Santiago Abascal.

Mesmo que o PP se tenha afastado de um discurso “que nega a violência machista” — ainda que em última instância tenha concordado com ele ao aceitar o acordo com o VOX —, Sílvia Claveria não antevê que isso vá prejudicar gravemente os populares nas eleições gerais. “Os acordos estão a formar-se muito rapidamente e não vão estar a ser discutidos quando chegarem as eleições”, afirma. Ainda assim, cria a semente da discórdia — que pode desenvolver-se a partir de 23 de julho, se os populares cumprirem as expectativas e vencerem as eleições.

A estratégia da esquerda (e o que pode correr mal)

Sánchez alerta para perigos da extrema direita e da direita extrema

Apostando numa polarização da cena política, o PSOE tem essencialmente adotado o que se tem designado de “estratégia do medo”, alertando para os perigos e para o retrocesso que significaria a chegada do PP e do VOX ao poder. No domingo, num evento na Andaluzia, Pedro Sánchez reiterou que quer “parar a direita e a extrema-direita”, de modo a que Espanha “avance mais quatro anos e não retroceda cinco, dez ou quarenta anos”.

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PSOE tenta colar Feijóo, líder do PP, a Abascal, do Vox

Getty Images

Para além disso, os socialistas têm colado o PP ao VOX, diminuindo ao máximo as fronteiras entre os dois partidos, alegando que são “semelhantes na forma e na sua base”. Pedro Sánchez até cunhou um termo para o assunto: a “extrema-direita” — do VOX — e a “direita extrema” — do PP. Antevendo um governo que vai recuar em áreas como os “direitos humanos, a liberdade e o compromisso europeu em Espanha”, o líder do governo espanhol tem apelado para que se trave a “onda reacionária”.

“Espanha progressista ou trumpista” ou “Espanha progressista ou reacionária”. Esta é a dicotomia explorada pelas socialistas, aproveitando todos os deslizes — como a questão da violência de género na Comunidade Valenciana — para elencar que as políticas aplicadas nos últimos anos desvenescer-se-ão com a chegada da direita ao poder. 

Na entrevista ao El País publicada no domingo, o chefe do governo espanhol frisou que é “perigoso” que o PP tenha assumido “as políticas do VOX”. “E é isso que estamos a ver: o negacionismo dos consensos políticos, sociais e científicos. Que o governo da Comunidade Valenciana não coloque uma frase sobre as alterações climáticas é um negacionismo perigoso”, expõe Pedro Sánchez, que colocou nos socialistas a responsabilidade de “advertir a sociedade espanhola” para as “graves consequências que pode implicar um governo do PP e do VOX”. 

epa10292604 Spain's Prime Minister Pedro Sanchez speaks during the 2022 United Nations Climate Change Conference (COP27),  in Sharm El-Sheikh, Egypt, 07 November 2022. The 2022 United Nations Climate Change Conference (COP27), runs from 06-18 November, and is expected to host one of the largest number of participants in the annual global climate conference as over 40,000 estimated attendees, including heads of states and governments, civil society, media and other relevant stakeholders will attend. The events will include a Climate Implementation Summit, thematic days, flagship initiatives, and Green Zone activities engaging with climate and other global challenges.  EPA/KHALED ELFIQI

Pedro Sánchez reclamou para si a necessidade de "alertar" para os perigos da extrema-direita

KHALED ELFIQI/EPA

Essa estratégia adotada por Pedro Sánchez resultará? Jordi Rodríguez Virgili duvida: “O discurso do medo e esse alerta antifascista não funcionaram nas eleições andaluzas, nem nas da comunidade de Madrid, nem tampouco nas recentes municipais e autonómicas”. Para mais, o especialista não acredita que este discurso vá roubar votos ao PP, ou ao VOX, podendo “apenas mobilizar um certo eleitorado socialista ou de esquerda que esteja descontente com Sánchez, que pode vê-lo como um mal menor frente à extrema-direita”. “Mas não acredito que será suficiente.”

O motivo pelo qual Pedro Sánchez leva a cabo este discurso é para tentar mobilizar o voto útil à esquerda, fruto da polarização política que se vive em Espanha. “Tem de procurar eleitores à esquerda do seu partido”, destaca Maria Pereira López, o que justifica esta “estratégia discursiva” de tudo ou nada.

Ainda assim, os socialistas não devem atirar a toalha ao chão no que diz respeito aos votos de centro, realça Maria Pereira López. “Ainda falta alguma disputa eleitoral, principalmente entre os eleitores que estão zangados com Pedro Sánchez”, aclara a especialista, vincando que o líder do governo espanhol deve ser “capaz de desligar a emoção da sua figura pública, assim como deve tentar afastar-se de medidas polémicas levadas a cabo pelo seu governo”.

"Ainda falta alguma disputa eleitoral, principalmente entre os eleitores que estão zangados com Pedro Sánchez"
Maria Pereira López, professora de Ciência Política na Universidade de Santiago de Compostela

Neste sentido, a professora universitária na Universidade de Santiago de Compostela salienta que o chefe do governo espanhol deve vincular a sua imagem ao “êxito das políticas públicas e à sua presença europeia” para tentar conseguir captar alguns votos do centro político — que estão a ser transferidos maioritariamente para o PP.

A união entre o Unidas Podemos e o Sumar — e os problemas

À esquerda do PSOE, existe uma novidade nestas eleições gerais. Após a derrocada que o Unidas Podemos sofreu nas últimas eleições municipais e autonómicas, o partido decidiu aliar-se à coligação Sumar, liderada e fundada pela vice-líder do governo espanhol, Yolanda Díaz. O objetivo é tentar mobilizar todo o espaço político da esquerda não socialista, mas tendo sempre na mira uma possível aliança com Pedro Sánchez, repetindo a solução de 2019.

Apesar de estarem próximos no espetro político e de defenderem vários valores em comum, não foi a ideologia que juntou as duas forças políticas. Muito menos foi o projeto de uma visão comum, já que Yolanda Díaz é criticada por vários setores do Unidas Podemos, dado que abandonou aquela formação política e fundou outra. É mais por uma questão eleitoral. “Uma esquerda fragmentada entraria dificilmente no Congresso dos Deputados”, expõe Jordi Rodríguez Virgili.

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Yolanda Díaz, fundadora da Sumar e vice-líder do governo espanhol

Getty Images

Silvia Claveria concorda que a união das duas forças políticas tem um “efeito positivo”, visto que o “sistema eleitoral espanhol” acaba por beneficiar os partidos com mais votos. “Assim, ao irem juntos a votos, pode ter um efeito positivo no número de deputados que conseguem eleger.”

Em contrapartida, devido ao passado recente, Silvia Claveria recorda os “ódios” entre os “militantes de ambas as formações”. “Isso não ajudou nem as negociações nem as purgas” que Sumar e Unidas Podemos tiveram que realizar para “chegar um acordo”. O efeito pode ser negativo nas urnas, aponta a docente universitária: “Pode haver a ideia de que os políticos destas formações se centraram mais na sobrevivência da própria organização dos seus projetos do que na apresentação de projetos para a cidadania”.

Contudo, Silvia Claveria lembra que Yolanda Díaz pode ter um “efeito mobilizador”, por ser um rosto novo na política espanhola, podendo cativar eleitores de esquerda desiludidos com as políticas de Pedro Sánchez. A mensagem das duas forças políticas é, aliás, idêntica: a luta contra a direita e o riscos que pode representar um governo entre o PP e o VOX.

 
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