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"Quando chegámos ao United, as condições não eram boas. Pararam no tempo": entrevista a Silvino, antigo internacional e adjunto de Mourinho

Foi técnico de guarda-redes de Mourinho durante 17 anos. Sem clube, ex-internacional não quer acabar carreira. Silvino conta o que viu no United, "que parou no tempo", mas confia no "expert" Amorim.

Dizem que é discreto e que gosta de ficar na reserva mas, mesmo com a sombra de um gigante chamado José Mourinho, Silvino Louro nunca esteve esquecido na equipa técnica do Special One, passasse por onde passasse. De guarda-redes marcante no Benfica e FC Porto, passou a treinador de guardiões de topo, mesmo que esteja parado há três anos. Os convites não têm faltado, mas até agora não aceitou nenhum, o que lhe permite ser mais livre e, por exemplo, viajar até Manchester. Mas o que fará em Inglaterra um treinador de guarda-redes desempregado, que vive em Espanha durante a semana e… numa que fica marcada pela chegada de Ruben Amorim a essa cidade?

Foi essa a pergunta que fizemos assim que soubemos que Silvino estava em Manchester. E como nós também estávamos, fomos ter com o antigo guarda-redes da Seleção Nacional. No lobby de um hotel, falou-se da separação de José Mourinho – e da antiga mulher –, dos problemas que Ruben Amorim vai encontrar no Manchester United e de uma noite que, quase 40 anos depois, ainda lhe continua a tirar o sono, com banda sonora neerlandesa.

Silvino Louro encontrou-se com o Observador na baixa de Manchester

André Maia/Observador

Ouça aqui alguns excertos da entrevista a Silvino à Rádio Observador:

Silvino. “É preciso mais respeito pelo Mourinho”

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Diria para tirarmos já o elefante da sala. Tendo em conta que vive em Madrid… O que é que está a fazer em Manchester numa altura destas?
Estou cá porque a filha da minha esposa está noiva de um inglês e vive aqui, perto de Manchester. E pronto, viemos cá passar uma semana, aproveitámos esta altura.

Portanto, a sua vinda aqui não tem nada que ver com uma certa pessoa que também aterrou em Manchester esta semana [Ruben Amorim]?
Não, não, não… Aliás, ainda bem que me pergunta isso, não vá alguém achar que está relacionado. Eu não procuro isso, sinceramente. Gosto de estar tranquilo. As pessoas já têm a sua equipa e eu tenho muito respeito pelos meus colegas. Sempre fui assim ao longo da minha vida e assim continuarei a ser até acabar. Porque ainda não acabei a minha carreira de treinador de guarda-redes, espero eu. Mas se isso acontecer, também, algum dia terá de ser. Mas espero que não seja agora.

Mas tem estado parado desde 2021. Tem saudades do cheiro da relva?
Lógico que sim, sempre foi a minha vida, sempre foi aquilo que mais gostei de fazer, que é trabalhar com guarda-redes. E eu, felizmente, trabalhei com os melhores guarda-redes do mundo e por alguma razão isso aconteceu. Independentemente de ter trabalhado com a pessoa que trabalhei, que se chama José Mourinho. Quem está numa equipa técnica com o José sobressai sempre. Foi o meu caso.

E desde que parou, desde 2021, já recebeu algum convite de algum clube ou de algum treinador para voltar ao ativo?
Já recebi convites para ir para a Bolívia, para Marrocos, para o Egito e, ultimamente, para a Arábia Saudita. Nestes dois últimos, era para trabalhar com pessoas que eu não conhecia e para isso prefiro estar na situação em que estou agora. É que às vezes as coisas podem correr mal e por acaso, no caso da Arábia Saudita, correu mesmo. Ao segundo jogo mandaram o treinador embora e eu, se tivesse aceitado, também tinha ido. Preferi estar como estou neste momento. É esperar. Se aparecer, muito bem. Se não aparecer, há que seguir em frente, desfrutando da vida como tenho feito. Não estou no campo a trabalhar, mas trabalho em casa, que é algo que eu também gosto de fazer.

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Silvino, num treino nos primeiros tempos de Chelsea, ainda Petr Cech não usava capacete

Mas olhando para todos os treinadores do mundo e para os grandes guarda-redes da atualidade: se tivesse carta branca para escolher um clube, qual é que escolhia?
Há grandes guarda-redes. O caso do Manchester United com o Onana, do City com o Ederson, do Real Madrid com o Courtois, do Barcelona com o ter Stegen, do Neuer, que, mesmo com a idade que tem, continua a ser um grande guarda-redes do Bayern, do caso Atl. Madrid com o Oblak. E há mais, mas assim de repente é difícil. Agora é evidente que há guarda-redes com quem qualquer treinador gostaria de trabalhar. Eu digo isto porque foi o meu caso: trabalhei com os melhores, o Petr Cech, o Júlio César, o Casillas, o Vítor Baía, o De Gea, o Toldo, o Dudek. São guarda-redes com quem qualquer treinador sente um orgulho enorme por ter trabalhado. Mas dizer só um jogador com quem gostaria de trabalhar é um bocado difícil. Posso dizer que gosto muito da maneira como trabalha o ter Stegen, do Barcelona, porque já vi treinos dele. Neste momento está lesionado, mas é um guarda-redes que, pela maneira de trabalhar, se vê que é um grande profissional. E qualquer treinador de guarda-redes gosta de trabalhar com profissionais assim.

Permita-me fazer aqui uma pequena provocação: não sei se sabia disto, mas existe uma dupla portuguesa de acordeonistas que se chama “Sérgio Conceição & Silvino”. Gostava que esta dupla também fosse reeditada no futebol, se é que me entende?
Essa não sabia [risos].

A diferença é que o Silvino acordeonista é “Campos” em vez de “Louro”.
Ah, tira-se o “Campos”, mete-se o “Louro” e está aí a dupla. Eles a dar música nos concertos, o Sérgio a dar música no campo [risos]. Mas não, respondendo à sua pergunta: o Sérgio Conceição já tem um treinador de guarda-redes, que é o Figueiredo, que é uma joia de pessoa, por quem eu tenho muito respeito. Eu não procuro nada. As pessoas podem pensar o que quiserem, mas eu sou uma pessoa muito discreta, escondo-me muito. E respeito muito a minha classe. Eu conheço os treinadores de guarda-redes todos, são meus amigos e há uma relação de respeito recíproca.

Silvino falou com o Observador um dia depois de Ruben Amorim chegar a Manchester, na baixa da cidade

André Maia/Observador

Deixou de ser o treinador de guarda-redes do José Mourinho em 2018. Já explicou várias vezes os motivos dessa separação profissional, mas gostava de lhe perguntar: tem acompanhado o trabalho do Mourinho no Fenerbahçe?
Eu tenho uma relação de irmão com o Zé [Mourinho]. Continua a ser assim. Ainda recentemente estive no casamento da filha, o que foi uma alegria enorme, porque já não o via há muito tempo. E ele também ficou muito feliz quando me viu. É lógico que eu acompanho uma pessoa que me deixou ganhar o que ganhei, nunca poderei esquecer isso. Acompanho-o sempre, desejo que ganhe todos os jogos e mando sempre uma mensagem de boa sorte antes de cada um. E quando ganha, até mando outra a dar os parabéns.

E o que tem achado?
Eu tenho visto os jogos, mas, sinceramente, do que vejo, acho é que há certos árbitros que estão viciados pelo Galatasaray. Hoje até li que o guarda-redes deles, o Muslera, veio falar do Zé. Acho que devia ter um pouquinho mais de respeito quando fala sobre ele. É que o Zé tem muitos títulos e não são do futebol turco. É preciso mais respeito para com o nome de José Mourinho…

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Silvino e Mourinho, no último desafio que juntou os dois: precisamente o Manchester United

Da Turquia, vamos para Espanha. Já aqui dissemos que vive em Madrid. Foi a passagem pelo Real Madrid, com José Mourinho, que o fez apaixonar por Madrid?
Não. Eu não me apaixonei por Madrid, eu apaixonei-me é pela minha mulher, que é de Madrid. Essa é que foi a razão. Eu conheci a minha esposa lá. Não tenho problemas de dizer: eu era casado. Mas a pessoa que estava comigo não me acompanhou quando estive em Inglaterra, Itália e em Espanha. E pronto, às vezes as coisas podem mudar. Conheci então a minha esposa atual. Já estamos casados há seis anos mas já a conheço há 14 e estamos muito felizes. É a lei da vida. Por isso não, não me apaixonei por Madrid. Apaixonei-me foi pela minha mulher.

Falando no Real Madrid: na altura treinou o Iker Casillas, mas também o Antonio Adán, que entretanto está sem clube desde que saiu do Sporting e não se sabe se vai acabar a carreira. Tendo em conta que ele tem 37 anos e que foi noticiado que recebeu algumas propostas, acha que ainda o vamos ver mais uns aninhos no futebol?
Ele fez coisas muito bonitas no Sporting. É um belíssimo guarda-redes. Fez uma campanha muito boa enquanto esteve no Bétis. É verdade que com aquela idade já tem de ter algum cuidado, mas há uma coisa que eu posso dizer: tenho acompanhado nas redes sociais, e ele tem feito ginásio e está a trabalhar. Está perfeitamente em boa forma. Agora é uma questão de apostarem nele. Pode já ter havido alguma coisa, mas se calhar não era aquilo que ele queria. Mas é um belíssimo guarda-redes e fez coisas bonitas no Sporting.

Esperava um impacto tão marcante dele no Sporting, nesta era Amorim?
Lógico que sim, esperava. Não me surpreendeu. Ele ainda jogou connosco e tudo. Teve a infelicidade de num dos jogos ter feito um penálti e ter sido expulso. Aí, o Iker entrou e pronto, o Antonio perdeu o lugar. Depois também contratámos o Diego López. Mas toda a gente o conhece e pela maneira como ele se cuida, eu creio que ainda tem condições para jogar mais um ou dois anos, à vontade.

Eu tenho uma relação de irmão com o Zé. Continua a ser assim. É lógico que eu acompanho uma pessoa que me deixou ganhar o que ganhei, nunca poderei esquecer isso.

Falou aqui do Casillas, que já se reformou. O Buffon também. Já mencionou também o Petr Cech, que também já pendurou as luvas. O Neuer também deixou a seleção da Alemanha. Estamos aqui a assistir ao final de uma geração de ouro dos guarda-redes?
São nomes de se lhe tirar o chapéu, são jogadores que qualquer equipa gostaria de ter.

E a nova geração de guarda-redes que está a surgir? É tão boa como essa que está a acabar?
Quer dizer, isto não é fazer assim [estala os dedos] e já está, tens aí um guarda-redes. Não. Estão a aparecer guarda-redes jovens agora. Olha, o caso do guarda-redes do FC Porto, o Diogo Costa…

Acha que o Diogo pode ser o líder desta nova geração de guardiões?
Depende. Há outros também. Há o Iñaki Peña, do Barcelona, há o miúdo do Benfica, o André Gomes; o Diogo Pinto, do Sporting. Independentemente de ter tido aquele azar, aquela infelicidade, vê-se que há qualidade. Agora é evidente: há que apostar neles. Se um guarda-redes faz um jogo, tem um azar e depois já não se aposta, aí é um problema. Há que dar continuidade a esses guarda-redes e há aí uma nova geração que vai aparecer.

Falou aqui no Diogo Costa: ele tem aquele momento fantástico no Europeu, em que defende os três penáltis contra a Eslovénia. O Silvino também esteve em desempates por penáltis na carreira de jogador. Quão difícil é fazer aquilo que ele fez?
É verdade, é muito difícil. Para ele foi muito importante. Foi falado em todo o mundo e mostrou a concentração que tem. Fiquei muito surpreendido. Eu, infelizmente, tive uma oportunidade dessas, na final da Liga dos Campeões de 1988, contra o PSV, mas…

Era mesmo isso que lhe queria perguntar: e quando é ao contrário e um guarda-redes não defende nenhum penálti? Como é que se recupera disso?
Pode crer que é duro. Se eu lhe disser que ainda hoje não consigo ver esse jogo, acredita?

Nunca mais voltou a vê-lo?
Os penáltis não. Não consigo ver os penáltis. E se me perguntarem para que lado é que os holandeses marcaram os penáltis, eu sei todos. Sei todos e sei o nome deles todos. No primeiro, do Ronald Koeman, eu atirei-me para a direita, ele marcou para a esquerda. O Kieft atirei-me para a direita e ele também meteu na direita. O Vanenburg, que era o capitão, meteu quase no meio. O Lerby mandou uma stickada lá para dentro na direita. E o dinamarquês, um defesa central que era um grandalhão [Nielsen], chegou ali e pum, para a minha direita. Não tive a sorte. E naquela altura era diferente. Nós só treinámos os penáltis um dia antes, nem estávamos preparados para isso. Vou dar um exemplo: o único jogador que no último treino não falhou um único penálti foi o Veloso. No dia do jogo, foi ele que falhou. São situações, não podemos estar a culpar ninguém. É azar, como se diz. Agora, é evidente que fiquei desgostoso. Até porque nos 120 minutos fiz um jogo… Há muita gente que diz que fui eu que levei a equipa para os penáltis. Mas lá não consegui, é essa a minha mágoa. Se tivéssemos ganho, se calhar ainda hoje muitas pessoas do Benfica falariam do meu nome. O futebol é assim mesmo, apesar de ter ficado dias, semanas e meses sem dormir por causa desse desgosto.

Se tivéssemos ganho, se calhar ainda hoje muitas pessoas do Benfica falariam do meu nome. O futebol é assim mesmo, apesar de ter ficado dias, semanas e meses sem dormir por causa desse desgosto.

Falemos de Manchester, já que aqui estamos: por cá, no United, o guarda-redes é Andre Onana, mas o camaronês ainda não convenceu propriamente a massa adepta. Encontrar alternativas para a baliza deve ser uma prioridade para o Ruben Amorim? 
Eu vi no estádio o último jogo europeu deles, contra o PAOK. Vê-se que é um guarda-redes com qualidades, é um guarda-redes que pode defender a baliza do United, ele tem valor. Mas quem trabalha com ele é que tem de decidir o que fazer. Agora já se sabe: quando os resultados não aparecem, às vezes vai-se pela parte mais frágil, que é o guarda-redes, porque sofre os golos. Mas eu acredito nas pessoas que vão trabalhar agora no clube, o Amorim e o Vital. Até tirei o curso de guarda-redes com ele há pouco tempo.

Então e não tirou notas desse jogo do PAOK para mandar ao Vital?
Não, não. Não tenho de tirar notas. Hoje em dia, a tecnologia é uma das prioridades dos treinadores. Eles estão sempre a par de tudo, e o treinador de guarda-redes também o faz. Sabem como é que os jogadores marcam livres, como é que os jogadores marcam penáltis, as movimentações dos avançados, de que local chutam melhor com o pé direito ou com o pé esquerdo. Coisas que no meu tempo não existiam.

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Silvino, nos tempos do Manchester United, onde conquistou uma Liga Europa

O Silvino e o José Mourinho estiveram no Manchester United entre 2016 e 2019. Já na altura, o Mourinho criticava a falta de algumas infraestruturas do clube, que foram acentuadas também pelo Cristiano Ronaldo. Sei que já passaram alguns anos, mas essa falta de meios vai ser o principal desafio que o Ruben Amorim e a equipa técnica vão encontrar aqui?
Quando nós chegámos aqui, as condições de trabalho não eram muito boas para um clube desta dimensão, sinceramente. Pararam no tempo. E não sei se foi pela entrevista do Ronaldo, mas não é por acaso que eles ultimamente melhoraram – e de que maneira – muita coisa. Quando chegámos, demos uma volta aos campos. Isto tinha à volta de seis campos para treinar. E enquanto treinávamos, tínhamos ao mesmo tempo, ali ao lado, a equipa de reservas. Às vezes até bolas vinham parar ao nosso campo. E nós dissemos logo ‘Não, não pode ser’. Um clube como o Manchester United não pode parar no tempo. E agora os jogadores vão ter pela frente uma pessoa que é muito séria, que sabe o que quer, e só precisa de ter sorte. E se Deus quiser, vai ter essa sorte. Porque pelo trabalho que fez no Sp. Braga e no Sporting, está ali um expert. E todos nós apostamos que ele vai ter sucesso aqui, se Deus quiser.

Para terminar: tendo em conta que já trabalhou no Manchester United e conhece os cantos à casa, se pudesse dar um conselho ao Ruben Amorim para este novo capítulo, que conselho é que dava?
Eu não tenho de dar conselhos ao Ruben, porque ele sabe perfeitamente aquilo que quer. Os jogadores só têm é de ouvir e ter a melhor sorte do mundo. Porque às vezes um apitozinho a mais pode ser um problema, às vezes uma lesão pode ser um problema, e as coisas podiam correr melhor. Há essas circunstâncias que podem acontecer, e para as quais às vezes não estamos preparados. Mas não vou pensar que assim seja, até porque eu conheço muito bem o Ruben e ele vai ter essa sorte e vai dar continuação ao seu excelente trabalho que teve no Braga e no Sporting. Vai fazê-lo também aqui no Manchester.

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