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Quatro dos sete elementos da equipa de coordenação nacional: os enfermeiros de saúde mental José Carlos Santos, Jorge Façanha, Lúcia Marques e Cândida Loureiro
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Quatro dos sete elementos da equipa de coordenação nacional: os enfermeiros de saúde mental José Carlos Santos, Jorge Façanha, Lúcia Marques e Cândida Loureiro

SÉRGIO AZENHA/OBSERVADOR

Quatro dos sete elementos da equipa de coordenação nacional: os enfermeiros de saúde mental José Carlos Santos, Jorge Façanha, Lúcia Marques e Cândida Loureiro

SÉRGIO AZENHA/OBSERVADOR

Adolescência, depressão e suicídio. O projeto que fala dos temas e previne comportamentos nos jovens

Não faz mal se alguma coisa não estiver bem. Esta é uma das mensagens do projeto +Contigo, que trabalha a autoestima, a expressão de emoções e a detecção de situações de sofrimento mental em jovens.

Promover a saúde mental e o bem-estar e prevenir comportamentos suicidários em adolescentes e jovens do terceiro ciclo e do secundário. Esses são os objetivos gerais do Projeto +Contigo, promovido pela Escola Superior de Enfermagem de Coimbra e pela Administração Regional de Saúde do Centro, financiado pelo plano de Coordenação Nacional das Políticas de Saúde Mental, um órgão do SNS.

Nas salas de aula das escolas associadas, trabalham-se habilidades sociais, o autoconceito, a capacidade de resolução de problemas, a assertividade e comunicação, a expressão e gestão de emoções e a deteção precoce de situações de distúrbio mental. “É um projeto totalmente baseado na prevenção”, diz José Carlos Santos, enfermeiro especialista em Saúde Mental e Psiquiatria e fundador e coordenador do +Contigo.

O projeto trabalha habilidades sociais, o autoconceito, a autoestima, a capacidade de resolução de problemas, com os alunos

SÉRGIO AZENHA/OBSERVADOR

O projeto tem várias etapas antes de chegar aos alunos, que passam pela formação de profissionais de saúde e sensibilização de pais, professores e assistentes operacionais dos estabelecimentos de ensino. “É uma intervenção em rede”, diz José Carlos Pereira, que também é professor na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra e foi presidente da Sociedade Portuguesa de Suicidologia entre 2011 e 2013. O +Contigo está no terreno desde o ano letivo 2008/2009, começou no Agrupamento de Escolas de Ceira, em Coimbra, e estendeu-se ao resto do país, tendo já envolvido milhares de estudantes e centenas de agrupamentos escolares. “Surgiu numa altura em que não era fácil falar de saúde mental nas escolas, muito menos de prevenção do suicídio”, recorda o responsável.

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Tudo começa nos centros de saúde. Os profissionais dessas unidades da área das escolas têm três dias de formação de 21 horas com a equipa coordenadora nacional do +Contigo, centrada em temas como adolescência, depressão e comportamentos suicidários, investindo-se em metodologias ativas como o role-play (representação de situações). Assim se formam as equipas dinamizadores em contexto local. Desde o início do +Contigo, formaram-se 738 enfermeiros, médicos, assistentes sociais e psicólogos, entre outros profissionais, que implementam o projeto no seu horário de trabalho.

Cerca de trinta por cento dos adolescentes do programa apresentaram sintomas depressivos moderados ou graves. No ano letivo 2022/2023 foram referenciados 186 casos, 96 dos quais encaminhados para serviços de pedopsiquiatria ou cuidados especializados. Os restantes foram encaminhados para as equipas dos centros de saúde. “Não pode haver uma situação identificada que não tenha resposta”, diz o coordenador, José Carlos Santos.

A iniciativa inclui ainda uma sessão para professores e assistentes operacionais, onde se fomenta o debate e a discussão sobre mitos e práticas. Desde 2011, sem contar com o atual ano letivo, já foram envolvidos 10973 destes profissionais. Há ainda uma outra sessão para encarregados de educação para apresentar o +Contigo e debater o papel da escola e da família nas questões da saúde mental. Participaram 7270 pais desde 2011 até ao ano letivo passado.

As escolas aderem ao projeto através de propostas das unidades de saúde e, números somados, desde o início do projeto são 965 estabelecimentos de ensino, alguns repetidos de ano para ano, em todos os distritos do país, Madeira e Açores incluídos, e cerca de sessenta mil alunos envolvidos que frequentam o projeto apenas durante um ano letivo.

Tudo começa nos centros de saúde. Os profissionais dessas unidades, da área da escola, têm três dias de formação de 21 horas com a equipa nacional

SÉRGIO AZENHA/OBSERVADOR

Dina Inocêncio, especialista em Saúde Mental e Psiquiatria, é enfermeira numa das Unidades de Cuidados na Comunidade (UCC) do Centro de Saúde de Cantanhede e uma das dinamizadoras do +Contigo em contexto escolar desde i início do projeto. Neste ano letivo tem dez turmas de oitavos anos de dois agrupamentos de Cantanhede, o de Marquês de Marialva e o de Lima de Faria. “Trabalhamos questões do bem-estar individual e de grupo, fazemos brainstormings, o que acham que é o bem-estar, quais os fatores que o influenciam e prejudicam, tendo em conta as suas experiências”, adianta. Esta é uma das dinâmicas, há outras.

“Os alunos colocam-se em círculo, dão as mãos, e dizem duas qualidades deles e dois aspetos positivos do colega que está ao seu lado direito, sabe-lhes bem elogiar o outro”, refere. Foi exatamente isso que aconteceu na última quarta-feira antes das férias da Páscoa numa turma do oitavo ano da EB2,3 de Marquês de Marialva. Dezanove alunos deram as mãos e falaram das suas qualidades e das virtudes dos colegas, em dia de karaoke na escola, com alegria no ar e bom humor espevitado.

“Pedir ajuda não é uma fraqueza”

Fabiana Sargaço estava no oitavo ano quando frequentou o +Contigo na EB Marquês de Marialva, em Cantanhede, e recorda-se bem das sessões. “Trabalhámos a autoestima, o nosso bem-estar e desenhámos na palma da nossa mão, para nos lembrarmos que todos temos coisas boas e como isso nos faz sentir melhor.” Tinha 13 anos, agora tem 17 e está no 12.º ano e garante que o projeto veio na altura indicada. “Na adolescência, uma idade complicada, é tudo um problema, e não tem de ser tudo um problema, e está tudo bem quando alguma coisa não está bem. O projeto fez-me perceber que não faz mal pedir ajuda quando nos sentimos em baixo.”

Dina Inocêncio segue o modelo do +Contigo que tem sete sessões em sala de aula, ao longo do ano letivo. Nesses momentos, estão dois dinamizadores, ambos profissionais de saúde, um mais ativo, outro mais atento a observar o que se passa: os detalhes, o aluno que fala menos, a aluna que demora mais tempo a sair da sala, o mais tímido que parece querer falar e não o faz. Está também um professor que não intervém nas dinâmicas. Na primeira sessão, fazem-se as devidas apresentações das pessoas e do projeto e aplica-se o jogo do estigma. Os alunos são desafiados a imitar uma pessoa com uma perna partida, com diabetes, com um cancro, com uma doença mental, para que percebam que não há assim tantas diferenças entre umas e outras, e que ter um destes desafios nõa é sinónimo de fraqueza, preguiça, violência ou inutilidade.

“Na adolescência, uma idade complicada, é tudo um problema”, diz Fabiana Sargaço, que frequentou o +Contigo numa escola de Cantanhede, quando tinha 13 anos. “Mas não tem de ser tudo um problema e está tudo bem quando alguma coisa não está bem. O projeto fez-me perceber que não faz mal pedir ajuda quando nos sentimos em baixo.”

Na segunda sessão trabalham-se questões ligadas à felicidade, à confiança, à autoestima. Os alunos posicionam-se numa escala de bem-estar, de uma ponta a outra da sala, os mais felizes dão dicas para os menos felizes transmitirem aos que estão no meio, que não se sentem nem bem, nem mal. “Não individualizamos as questões, focamo-las no grupo”, diz o enfermeiro José Carlos Santos. A terceira é focada na resolução de problemas, partilha-se uma situação, seja uma rutura afetiva ou falta de companhia para ir à cantina, baseada em quatro frases: o que se vê, o que se sente, o que se imagina, o que se quer.

As sessões seguintes centram-se no autoconceito na autoestima, em fatores individuais e grupais. Os alunos dão as mãos, ficam numa roda e partilham duas qualidades suas e duas do colega do lado direito. Nas últimas, os estudantes decalcam a sua mão numa folha branca, colocam o nome, a folha circula pela turma que tem de escrever qualidades desse colega na palma e dedos. Por fim, aplica-se um inquérito de avaliação do projeto que permitirá tirar conclusões. Desde o início do projeto, foram validados quase 58 mil inquéritos.

Fabiana Sargaço frequentou o +Contigo no oitavo ano e considera que é importante acontecer na fase da adolescência, em que tudo parece ser um problema

SÉRGIO AZENHA/OBSERVADOR

“Não há ideias erradas, estamos ali para desconstruir certos preconceitos e falar abertamente sobre os assuntos”, explica Dina Inocêncio. Como aceitar o sofrimento mental como algo que pode acontecer a qualquer um. E aqui começam a falar de suicídio e de ideação. “Este projeto trabalha atempadamente essas questões, capacitando adolescentes que estão a crescer, a mudar, para que percebam a importância da saúde mental, para que reconheçam em si e nos outros sinais de sofrimento mental, para que saibam que pedir ajuda não é uma fraqueza”, diz a enfermeira.

Mais sintomatologia depressiva depois da pandemia

Há aspetos que têm sido consistentes ao longo dos anos: os professores notam mais coesão nas turmas, há alunos que aplicam coisas que aprenderam no +Contigo, os índices de bem-estar e saúde mental são sempre piores no secundário do que no terceiro ciclo. E as raparigas são mais vulneráveis do que os rapazes. “Apresentam três vezes maior risco de comportamentos suicidários do que os rapazes”, diz José Carlos Santos, que destaca o antes e o o pós-pandemia. De cerca 20% de sintomatologia depressiva moderada e grave antes da Covid para cerca de 30% depois da pandemia.

Jorge Façanha, enfermeiro especialista em Saúde Mental e Psiquiátrica e co-fundador do +Contigo, realça esse trabalho em rede entre saúde e educação e a proximidade de alunos aos profissionais de saúde, esse vínculo que se cria através do projeto. “É uma porta que se abre a situações de risco e de dificuldade não só de saúde mental, mas também de saúde física”, comenta. “Cria-se uma rede de atendimento em saúde mental, uma verdadeira articulação entre os vários intervenientes.”

O +Contigo está no terreno desde o ano letivo 2008/2009. Já chegou a 965 escolas e cerca de sessenta mil alunos. Já se formaram 738 enfermeiros, médicos, assistentes sociais e psicólogos, entre outros profissionais, e foram envolvidos sete mil encarregados de educação e cerca de onze mil professores e assistentes operacionais dos estabelecimentos de ensino.

Uma das vertentes do projeto é +Contigo Posvenção, ou seja, uma intervenção mais específica em escolas onde houve suicídio de adolescentes. Neste momento, a equipa está em cinco estabelecimentos de ensino devido a essa circunstância. O +Contigo tem uma equipa de coordenação nacional composta por sete elementos, cinco enfermeiros de saúde mental e dois enfermeiros de saúde comunitária com especialização em intervenção escolar. E mais cinco equipas por regiões com cinco pessoas em Lisboa e Vale do Tejo, cinco no Norte, uma no Alentejo, duas no Algarve, e uma na Madeira.

De todos este anos, Dina Inocêncio guarda várias histórias marcantes, como a da adolescente de 13 anos a quem não era permitido viver o luto da morte do pai, apesar de terem passado alguns anos, e que demorava mais tempo a arrumar a mochila depois do final da sessão, como um silencioso pedido de ajuda. “Precisava de alguém que falasse com ela sobre esse luto de uma forma natural.” A conversa aconteceu, o apoio de que precisava também. Ou a história de outra adolescente, da mesma idade, com comportamentos autolesivos que ainda ninguém tinha detetado nem em casa, nem na escola. “Conseguiu verbalizar o que estava a sentir”, recorda. E foi encaminhada para ajuda especializada.

Dina Inocêncio é enfermeira, especialista em Saúde Mental e Psiquiatria, e uma das dinamizadoras do +Contigo, projeto totalmente baseado na prevenção e que aplica jogos psicoeducativos

SÉRGIO AZENHA/OBSERVADOR

Os resultados do ano letivo passado, 2022/2023, já são conhecidos. Foram  envolvidos 14700 alunos de 153 agrupamentos, o que corresponde a 197 escolas ou colégios de todos os distritos do país. Este ano letivo os números não serão muito diferentes, mas só serão revelados em setembro. Nos inquéritos realizados em 2022/2023, com uma amostra de 51,10% de rapazes e 48,90% de raparigas e uma média de idade de 13,44 anos, verificou-se melhorias na sintomatologia depressiva, bem-estar e autoconceito. As raparigas demonstraram maiores vulnerabilidades do que os rapazes em todas as variáveis (índice de bem-estar, resolução de problemas, autoconceito, sintomatologia depressiva), ou seja, piores indicadores de saúde mental.

Ao todo, cerca de trinta por cento dos adolescentes do programa apresentaram sintomatologia depressiva moderada ou grave – um aumento em relação ao ano letivo de 2021/2022 em que essa percentagem foi de 28,5% e comparativamente com 2020/2021 com 28,1%. E 1898 adolescentes encontravam-se em maior risco de adotar um comportamento suicidário (76,4% raparigas e 23,6% rapazes). Foram referenciados 186 casos pelas equipas locais, 96 dos quais encaminhados para cuidados especializados de entidades parceiras, como serviços de pedopsiquiatria hospitalares. Os restantes foram referenciados para as equipas dos centros de saúde e acompanhados pelas equipas locais do +Contigo. Desde o início do projeto foram reencaminhados 859 desses casos para ajuda especializada. “Não pode haver uma situação identificada que não tenha resposta”, garante José Carlos Santos.

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

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