A pressão sobre os recursos hidrológicos, incluindo as reservas subterrâneas de água, e o abate de milhares de sobreiros são dois dos impactos mais negativos apontados à solução recomendada pela comissão técnica independente para o novo aeroporto de Lisboa — o Campo de Tiro de Alcochete como aeroporto único, ainda que numa primeira fase a operar com o atual aeroporto Humberto Delgado.
O parecer da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) diz que o aeroporto único no Campo de Tiro de Alcochete é a localização mais preocupante a nível hidrológico por impactar uma massa de água (bacia Tejo-Sado margem esquerda) que está numa situação crítica de seca. Face a elevadas necessidades de água de um aeroporto e estruturas adjacentes, a APA não considera validada a conclusão de que há reservas subterrâneas para abastecerem a infraestrutura.
Já o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) alerta que, do conhecimento que tem, “os valores reais de densidade de sobreiros, e consequentemente de impactos, são muito superiores aos indicados, cerca de cinco vezes mais, em especial nas opções do Campo de Tiro de Alcochete e de Vendas Novas. O ICNF nota ainda que não foram disponibilizadas informações sobre como as acessibilidades poderão afetar esta espécie ou outras. Estas informações constam do parecer sobre o relatório preliminar da comissão técnica independente sobre a melhor solução para o novo aeroporto de Lisboa cujo relatório final e respetivos anexos foram divulgado esta semana, mantendo a recomendação para as opções do Campo de Tiro e Vendas Novas.
Para o ICNF, a informação apresentada no relatório da CTI em relação à existência de sobreiros e azinheiras “é genérica face ao objetivo pretendido” e a metodologia usada — fotointerpretação — não é a mais adequada porque podem existir áreas que não estão referenciadas na COS [carta de ocupação de solos], admitindo que existam outras ocupações que não estão a ser acauteladas, dando como exemplo áreas de pinheiro manso onde existem sobreiros e azinheiras. E defende que é necessário que as amostragens tenham verificação no campo.
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Numa análise mais fina, há outras desvantagens ambientais apontadas a Alcochete. Isto porque o “elevado número de sobreiros que terão de ser abatidos está “numa formação vegetal assente em solos predominantemente arenosos, que constituem áreas de máxima infiltração das quais resultam aquíferos muito importantes que representam reservas hídricas relevantes”. O sobrado, destaca o ICNF, tem uma importante função na conservação do solo, na regularização do ciclo hidrológico e na qualidade da água.
Do ponto de vista hidrológico, Alcochete é a opção “mais preocupante”
O impacto nas reservas de água subterrâneas merece também a atenção da Agência Portuguesa do Ambiente (APA). Para a APA, os efeitos da opção pelo Campo de Tiro de Alcochete (como aeroporto único) a nível hidrológico “foram subavaliados”. Neste parecer, que é um dos anexos ao relatório final, é afirmado que ao nível hidrológico, “a localização do CTA [Campo de Tiro de Alcochete] é a mais preocupante, não obstante o documento ser completamente omisso, pois a avaliação realizada não está devidamente equacionada”.
A APA avisa ainda que o volume extraído pelas captações existentes está próximo dos recursos hídricos subterrâneos disponíveis nas massas de água em estudo para todas as localizações (bacia do Tejo-Sado/margem direita, bacia do Tejo-Sado/margem esquerda e aluviões do Tejo). No caso específico da massa de água bacia do Tejo-Sado há uma situação crítica porque os níveis de água estão abaixo do percentil 20 já há bastante tempo e, não obstante alguns eventos pluviosos, o sistema não tem conseguido recuperar.
Indica ainda a APA que um aeroporto e a construção associada de cidades satélites exigem grandes volumes de água, o que “constitui uma pressão significativa para o estado quantitativo das massas de água subterrâneas, caso estas sejam escolhidas como a origem da água. Por isso, não valida a afirmação do relatório de que existem recursos de água subterrânea para abastecimento de uma estrutura aeroportuária.
Uma vez que esta localização se situa sobre a massa de água das bacias do Sado e Tejo (margem esquerda) devem ser ponderados os seguintes aspetos.
- O estado quantitativo da massa de água é considerado bom, mas está em risco, uma vez que o volume de água extraído não pode ultrapassar os recursos hídricos subterrâneos disponíveis, pelo que terão de começar a ser implementadas medidas a nível do licenciamento, nomeadamente a não autorização de novas captações, nem o aumento de volume das já existentes;
- A massa de água está em situação crítica em termos de seca;
- Esta massa de água assegura o abastecimento de uma população de cerca de um milhão e quinhentos mil habitantes, bem como os abastecimentos industrial e agrícola;
- A intervenção nesta área vai conduzir a uma vasta área impermeabilizada, que irá, certamente, ter implicações num decréscimo da recarga e, consequentemente diminuição na disponibilidade hídrica subterrânea.
Em sede de resposta, a comissão técnica discorda da omissão sobre a avaliação do impacto neste indicador, remetendo para a análise integrada das opções estratégicas na qual “é claramente referido que a maior sobreposição do polígono de implantação do novo aeroporto com áreas estratégicas de proteção e recarga de aquíferos é observada tanto nas soluções de transição, como nas soluções que incluem o Campo de Tiro de Alcochete (assim como as restantes localizações estudadas).
Sobre os aspetos suscitados pela APA, a comissão técnica reconhece que são relevantes, mas devem ser ponderados no quadro da implementação do PGRH (Plano de Gestão da Região Hidrográfica) e não em sede de avaliação ambiental estratégica e pelas autoridades competentes. Quanto à origem e utilização de recursos hídricos pela nova infraestrutura, que também suscitou reservas da parte da APA, os técnicos argumentam que essa matéria deve ser considerada em fase de avaliação de impacte ambiental. É nesta fase que são determinadas medidas de mitigação e compensação desses efeitos no ambiente.
Vendas Novas terá menos impacto nos aquíferos
O ICNF indica que as opções estratégicas estudadas “são suscetíveis de terem efeitos significativos no ambiente, que implicam a afetação direta de territórios florestais”. E elenca vários elementos que considera insuficientes ou em falta na avaliação dos impactos ambientais das soluções estudadas.
Por exemplo, considera necessário avaliar eventuais conflitos em áreas integradas nos corredores ecológicos que visam defender a conexão entre áreas florestais dispersas e áreas de importância ecológica e que são relevantes para a manutenção da biodiversidade. Outro aspeto assinalado é a não inclusão do indicador sobre o potencial de sequestro de carbono que se perderia com a construção do aeroporto em áreas com povoamento florestal.
Para o ICNF, devia ter sido dada mais relevância ao montado de sobro “por incluir alguns biotipos mais importantes ocorrentes em Portugal continental em termos de conservação da natureza, desempenhando pela sua adaptação às condições edafoclimáticas (influência dos solos nos seres vivos) do sul do país, uma importante função na conservação do solo, na regularização do ciclo hidrológico e na qualidade da água”.
Vendas Novas é uma opção “menos perturbadora para a avifauna, logo mais segura para as aeronaves”, mas, segundo o ICNF, não terá impacto muito diferente de Alcochete no que diz respeito aos sobreiros. Já sobre os efeitos sobre os aquíferos, considera que Vendas Novas terá menos impacto porque a localização proposta encontra-se numa zona marginal da área de maior efeito de recarga destes aquíferos.
O ICNF considera contudo que dos 42.000 sobreiros que se estima que tenham de ser abatidos na solução do Campo de Tiro de Alcochete para implantar o perímetro aeroportuário alguns possam estar em estado decrépito ou em fim de vida, pelo que recomenda uma análise mais detalhada ao seu estado fitossanitário para avaliar a saúde das árvores e também a função que desempenham em termos de suporte para avifauna.
O Instituto aponta ainda a existências de ninhos de Águia-de-bonelli, uma espécie ameaçada com estatuto de conservação em perigo, em áreas envolventes aos perímetros previstos para Alcochete e Vendas Novas. E diz que a avaliação “não considera a potencial fragmentação de áreas naturais e a perda de conetividade entre as áreas classificadas, podendo ser afetado o estado de conservação de espécies e habitats que lhe estão associados”.
Na resposta a estes comentários, a CTI reconhece que as áreas exteriores às áreas classificadas não foram analisadas no quadro da avaliação ambiental estratégica com exceção das que estão localizadas numa faixa de três quilómetros em redor do perímetro de implantação. Mas justifica que a análise desenvolvida foi a considerada adequada para uma avaliação estratégica. Admite ainda que o potencial de sequestro de carbono associado às espécies a abater não foi escolhido como um indicador na sua avaliação, remetendo os impactes associados à desflorestação para uma avaliação de impacte ambiental à localização que vier a ser escolhida.
O relatório final confirmou as opções que incluem o Montijo — Montijo sozinho ou Montijo com aeroporto Humberto Delgado — como as piores do ponto de vista de saúde, pela população diretamente afetada pelo ruído e qualidade do ar. Do ponto de vista ambiental, esta é também a apontada como opção mais negativa na afetação dos potenciais corredores de movimentos de avifauna e áreas naturais classificadas. Nota negativa ainda para o risco de subida do mar e proximidade ao rio Tejo. Mas sem impactos no montado e com menor vulnerabilidade à contaminação dos aquíferos em profundidade,