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ARMANDO BABANI/EPA

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Afinal para que servem as campanhas eleitorais?

As estratégias consoante os partidos. As mensagens de acordo com os eleitores. As diferenças entre estar no poder ou na oposição. E tudo o que pode mexer numa campanha. Ensaio de José Santana Pereira.

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Estamos no fim do período oficial de campanha para as eleições europeias de 26 de Maio de 2019, embora – como é costumeiro desde que a lógica de campanha permanente se instalou nas democracias consolidadas – todos os partidos tenham começado há já algum tempo os seus esforços de comunicação destinados a obter um bom resultado na competição eleitoral europeia. Neste contexto, e num ano eleitoral intenso – europeias, regionais e legislativas – vale a pena regressar à pergunta clássica que os cientistas sociais, os políticos e os cidadãos interessados em política se colocam desde que há eleições livres e justas, especialmente quando confrontados com a magnitude dos recursos financeiros, materiais e simbólicos investidos: para que servem as campanhas? Ou, reformulando, o que é que as campanhas desejam obter?

Neste curto ensaio, abordo algumas das respostas possíveis a esta pergunta, com base na investigação científica sobre as campanhas eleitorais, bem como três outras temáticas associadas:

  1. As diferenças entre partidos em termos de marketing político e posicionamento estratégico;
  2. A lógica subjacente à identificação dos eleitorados-alvo;
  3. A importância do estado da economia no comportamento dos eleitores e, consequentemente, na comunicação política em contexto pré-eleitoral.

A definição de campanha aqui utilizada é proveniente da literatura especializada. Num importante livro de 2002 intitulado Do Political Campaigns Matter? (em português, As Campanhas Políticas Importam?), os politólogos Rüdiger Schmitt-Beck e David Farrell definem campanha política como uma actividade de comunicação organizada, que envolve vários actores (partidos políticos, candidatos, outras organizações) e tem o propósito de influenciar o resultado dos processos de tomada de decisão política através de um impacto na opinião pública. Ora, as campanhas eleitorais são um subtipo específico de campanha política, sendo caracterizadas pela existência de vários temas em discussão na esfera pública e vários partidos ou candidatos em competição (as campanhas para referendos também são competitivas, mas focam-se num único tema; as campanhas de imagem e de informação tocam, respectivamente, vários ou um único tópico, mas não acontecem necessariamente em ambiente competitivo).

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Para que servem as campanhas?

Uma resposta rápida a esta pergunta, dada por um qualquer transeunte a um jornalista nos estafados vox pop televisivos, poderia perfeitamente ser “tentar convencer as pessoas a votar neles”. Se é verdade que as campanhas, na óptica dos partidos e dos candidatos, têm como propósito final maximizar os seus resultados eleitorais, em sentido estrito e concreto as campanhas não são pensadas, planeadas ou destinadas meramente a persuadir directamente, ou tentar convencer os eleitores a votar num determinado partido ou candidato. Aliás, a investigação sobre efeitos persuasivos da exposição à comunicação política demonstra frequentemente que os mesmos são modestos, complexos, indirectos e restritos a subgrupos bastante específicos da população – na prática, os esforços de comunicação destinados à persuasão funcionam apenas em condições bastante particulares. Ou seja, por mais que ainda vigore esse pressuposto em alguns momentos no debate público, a ideia de que a exposição a informação tem o mesmo efeito abrangente e imediato que uma injecção (o famoso modelo hipodérmico dos efeitos dos média e da comunicação política) foi refutada há mais de 70 anos.

A investigação sobre efeitos persuasivos da exposição à comunicação política demonstra frequentemente que os mesmos são modestos, complexos, indirectos e restritos a subgrupos bastante específicos da população – na prática, os esforços de comunicação destinados à persuasão funcionam apenas em condições bastante particulares.

É por isso que, como veremos em baixo, existem vários caminhos para uma campanha atingir os seus propósitos para além dos esforços explícitos de persuasão. Uma campanha bem-sucedida tem vários objectivos e desenvolve diferentes estratégias para desencadear efeitos junto de subgrupos específicos do eleitorado em geral ou do seu eleitorado potencial. Recorro mais uma vez ao auxílio de Rüdiger Schmitt-Beck e David Farrell para oferecer ao leitor uma resposta sistemática a esta questão.

Em primeiro lugar, uma campanha deve garantir que o candidato ou partido obtém atenção ou notoriedade. Este é um resultado aparentemente básico, mas não despiciendo, dado que, obviamente, o primeiro passo no processo de decisão sobre em que se vota é a identificação dos vários concorrentes numa determinada eleição. Quem não tem notoriedade nem sequer entra na equação. Claramente, a notoriedade é particularmente relevante para partidos recentes ou candidatos relativamente desconhecidos do público. Nessa lógica, os esforços de campanha são focados no incremento da visibilidade do partido ou do candidato junto da opinião pública. Isto faz-se tanto quanto possível através dos meios de comunicação social tradicionais, como os jornais e a televisão, dos novos média (especialmente se grande parte do público-alvo do candidato ou partido é utilizadora regular dos mesmos para fins políticos ou outros) e do espaço público, via outdoors e outros instrumentos de comunicação política. Apesar de os caminhos para a notoriedade serem (cada vez mais) diversificados, há opções mais eficazes do que outras. Por exemplo, num contexto como o português, a presença na televisão aparenta ser extremamente importante, dado que a grande maioria dos cidadãos obtém informação sobre a realidade política nacional através desse meio. É precisamente para isso que apontam os dados do Eurobarómetro 90, recolhidos no Outono passado: uma considerável prevalência do meio televisivo enquanto fonte de informação política em Portugal, mais que nos Estados-membros da União Europeia considerados como um todo (figura 1). Ao mesmo tempo, a imprensa escrita, a rádio e outras fontes são bastante menos referidas pelos inquiridos enquanto provedoras de informação politicamente relevante. No entanto, há casos particulares. Por exemplo, para partidos de nicho cujo eleitorado potencial exiba outros padrões de consumo de informação sobre política, a internet (e, em particular, as redes sociais) pode constituir uma plataforma útil. Nalguns contextos, o ambiente online permite até mesmo uma equalização de forças dos partidos que, no mundo offline, dispõem de recursos e acesso aos meios de comunicação social tradicionais muito díspares.

Um segundo propósito possível das campanhas eleitorais é a mobilização de apoiantes. Para qualquer partido ou candidato, de nada serve que uma proporção considerável da opinião pública simpatize consigo se essa mesma simpatia não se traduzir num comportamento muito concreto no dia das eleições: ir até à secção de voto e expressar uma preferência pela candidatura no boletim de voto. Para atingir os seus objectivos, os partidos necessitam de garantir que o apoio simbólico se traduz em apoio concreto. É por isso que grande parte dos esforços das campanhas eleitorais se centra na mobilização da base de apoio dos partidos ou candidatos, com o propósito de convencê-la da importância de efectivamente votar no dia das eleições – o famoso apelo ao voto.

Os dados recolhidos pelo Eurobarómetro 90 demonstram que a mobilização pode ser realmente muito necessária. Neste inquérito, perguntou-se aos cidadãos europeus qual a probabilidade de votarem nas eleições europeias deste mês. Mesmo tendo em conta o facto de a pergunta ter sido feita mais de seis meses antes da eleição, as respostas revelam pouco entusiasmo com as eleições europeias (figura 2): apenas em quatro países ou áreas da União Europeia (a zona ocidental da Alemanha, a Holanda, a Suécia e a Dinamarca) há mais de metade dos cidadãos a expressar uma elevada probabilidade de se mobilizar. Em Portugal, por sua vez, apenas 13% dos inquiridos afirmou ser altamente provável votar nestas eleições – uma percentagem que coloca Portugal na cauda dos países da UE. Um objectivo das campanhas que agora começam oficialmente será, muito provavelmente, o de tentar fazer subir estes números.

Outro objectivo possível de uma campanha pode ser a activação das predisposições políticas latentes dos cidadãos. Esta necessidade resulta da percepção de que, para muitas pessoas, a política não tem grande relevância no seu dia-a-dia, ocupando um lugar residual em relação à sua vida familiar, profissional e social. Um claro exemplo disto são os níveis razoavelmente baixos de interesse pela política reportados pelos cidadãos, como demonstram os dados do Inquérito Social Europeu de Dezembro de 2016 (disponibilizados pelo Portal de Opinião Pública) que apresento em seguida. Como vemos na figura 3, num conjunto de vinte países, apenas oito apresentam uma média de interesse pela política por parte dos seus cidadãos acima do ponto médio da escala (2,5) – e mesmo nestes casos os valores são modestos. A tendência de desinteresse significa que até mesmo as pessoas que têm uma posição ideológica clara e preferências partidárias concretas necessitam de um “empurrãozinho” por parte dos esforços comunicacionais dos partidos em momentos-chave, como aqueles que antecedem uma eleição, para que tais identidades e preferências políticas se tornem mais salientes e se traduzam, durante a campanha e especialmente no dia da eleição, em comportamentos concretos.

Se pode ser necessário activar as predisposições políticas estáveis dos cidadãos, é ainda mais imprescindível reforçar e estabilizar predisposições pouco sólidas. Neste caso, o propósito é fazer com que essas inclinações frágeis resistam aos esforços persuasivos das outras campanhas, especialmente daquelas organizadas pelos partidos ou candidatos ideologicamente ou pragmaticamente mais próximos.

Alguns partidos ou candidatos podem ainda considerar útil adoptar como estratégia de campanha a influência das percepções dos eleitores a respeito das suas perspectivas eleitorais e das dos seus concorrentes, com o propósito de fomentar efeitos bandwagon ou o recurso ao voto estratégico. Mas de que falamos exactamente? O efeito bandwagon corresponde a uma alteração da intenção inicial ou “sincera” de voto, baseada em preferências ideológicas ou partidárias, que leva o eleitor a abandonar a sua preferência inicial para votar no aparente vencedor (juntando-se assim à festa dos vitoriosos, e sentindo-se parte da nova tendência política do país, tendo-se comportado eleitoralmente como a maioria das outras pessoas). Os efeitos bandwagon são também aqueles que os partidos explicitamente tentam estimular, criando em torno de si uma aura de vitória nos estádios finais da campanha. Já o voto estratégico passa também pela mudança de sentido de voto, mas esta desencadeada pelo desejo de influenciar o resultado final da eleição, e não, ao contrário do efeito bandwagon, pela vontade de pertencer à maioria (i.e. de agir como toda a gente aparentemente agirá). O eleitor pode decidir votar no segundo maior partido apesar de não simpatizar muito com ele para impedir a vitória indesejada do partido mais forte, ou então votar num partido mais pequeno para impedir uma maioria absoluta (se prefere soluções de governo mais consensuais, baseadas no compromisso e negociação), ou usar o seu voto tendo em conta outras considerações estratégicas e não ideológicas.

A publicação de sondagens por parte dos meios de comunicação social contribui para que os cidadãos possuam a informação de que necessitam para moldar o seu comportamento de voto com base em considerações estratégicas ou psicológicas/emocionais. Não é absolutamente claro se o fundamento das restrições à publicação de sondagens em períodos anteriores ao dia da eleição seja o receio de que os votos sinceros sejam substituídos por votos estratégicos ou de bandwagon (até porque vale a pena sublinhar que a literatura aponta para que estes fenómenos sejam relativamente restritos em termos de incidência no eleitorado), ou uma antiquada crença nos efeitos “hipodérmicos” da exposição a informação sobre a competição eleitoral demasiado perto da eleição, mas a verdade é que muitas democracias adoptaram e implementam tais restrições. O que varia, como podemos ver na figura 4, é a duração do período de silêncio, que pode ir de um dia (o denominado dia de reflexão, que encontramos em Portugal, França, Noruega, Polónia ou Canadá) a quinze dias, como em Itália. Em muitos países, contudo, este blackout pura e simplesmente não existe.

Os partidos ou os candidatos podem ainda estar particularmente focados no aumento da saliência de um determinado assunto aos olhos da opinião pública, ou da parte da opinião pública com que lhes interessa falar – recorrendo ao jargão académico, no agenda setting ou agendamento. Ao aumentar o número de pessoas que consideram um determinado assunto importante, sendo esse assunto “de propriedade” do partido (ou seja, se por razões de ideologia ou desempenho passado o partido é visto como sendo o mais adequado para lidar com o tópico), o partido está indirectamente a promover um bom resultado eleitoral, porque, num segundo momento, e através de um processo a que os cientistas sociais denominam de priming, esse assunto será utilizado como critério de avaliação dos vários partidos ou candidatos em competição.

Persuadir, aumentar a notoriedade, promover a mobilização do seu eleitorado, activar predisposições, influenciar as percepções sobre as perspectivas eleitorais do partido e dar saliência a determinados assuntos – todos estes são impactos intencionais das campanhas eleitorais.

Persuadir, aumentar a notoriedade, promover a mobilização do seu eleitorado, activar predisposições, influenciar as percepções sobre as perspectivas eleitorais do partido e dar saliência a determinados assuntos – todos estes são impactos intencionais das campanhas eleitorais. Mas a investigação demonstra que as mesmas desencadeiam também efeitos não intencionais – aqueles que, não tendo sido planeados, são observados devido à mera ocorrência de uma campanha. Alguns efeitos não intencionais são de sinal positivo – por exemplo, um aumento nos níveis de conhecimento do eleitorado sobre política; outros, claramente negativo – redução nos níveis de confiança no governo, nos partidos e na política em geral, diminuição da percepção de eficácia política dos cidadãos (ou seja, da sua sensação de que são capazes de compreender e influenciar os processos políticos), e até desmobilização para a participação nas eleições. Estes últimos são frequentemente resultado de campanhas excessivamente centradas em ataques contra os outros partidos: as denominadas campanhas negativas.

Os partidos são todos iguais? Nas campanhas, não

A literatura académica sobre campanhas eleitorais há muito que se debruça sobre as diferenças entre os partidos políticos e oferece-nos algumas tipologias que captam a diversidade dos mesmos em termos de esforços comunicativos e de campanha. Abaixo, apresento as principais características de duas tipologias, convidando o leitor a dedicar-se à desafiante tarefa de alocar a cada tipo a um ou a mais casos concretos no panorama partidário português. Estas tipologias exemplificam a diversidade que existe na relação entre os partidos e os instrumentos do marketing político, bem como nos papéis que, no contexto da competição, os partidos ou candidatos ambicionam desempenhar.

A primeira tipologia que vale a pena apresentar foi proposta por Darren Lilleker e Jennifer Lees-Marshment num livro de 2005, com o título Political Marketing: A Comparative Perspective (em português, Marketing Político: Uma Perspectiva Comparativa). Esta taxonomia distingue os partidos de acordo com o seu recurso às ferramentas do marketing político. De acordo com os autores, nesta óptica existem partidos com orientação para o produto, para as vendas e para o mercado.

Um partido com orientação para o produto é fortemente ideológico, baseado em fortes convicções e na luta por um ideal. Este tipo de partido parte do pressuposto de que os eleitores irão perceber o valor das suas ideias e, naturalmente, votar em si. Por esse motivo, recusa mudar as suas ideias (ou o seu “produto”), mesmo que consecutivamente não obtenha bons resultados eleitorais. O recurso ao marketing é, para este partido, relativamente mais pobre que para outros tipos de partido, sem estudos de mercado ou ajustamentos do seu produto de acordo com a informação recolhida pelos mesmos, sendo até possível que o partido pura e simplesmente não recorra aos instrumentos do marketing político.

Por sua vez, um partido com orientação para as vendas tenta chegar aos eleitores através de uma estratégia de comunicação fundamentada no conhecimento das características do eleitorado. Elabora estudos de mercado para o teste de instrumentos de publicidade e de mensagens, mas não para ajustar o seu produto. Em termos muito simples, este partido não tenta mudar para dar às pessoas aquilo que elas querem, mas tenta que as pessoas queiram o que está a oferecer.

Por fim, um partido com orientação para o mercado acredita que, para vencer uma eleição, deve identificar e compreender as prioridades da população para então poder criar e oferecer um produto que as tenha em conta. Regra geral, é um partido pouco estruturado em termos ideológicos ou fortemente baseado nas opiniões do líder, pelo que tem efectivamente uma margem de manobra bastante ampla em relação a partidos com uma bagagem ideológica mais bem definida. Para este tipo, o que importa é desenvolver e oferecer um produto político que satisfaça as necessidades do seu mercado. Os estudos de mercado servem não tanto para testar instrumentos de comunicação, mas para identificar esse mesmo produto. Depois do estudo de mercado, o produto é desenhado, ajustado e implementado.

Mas de que falamos quando falamos do produto de um partido político? No fim de contas, os partidos políticos não vendem detergentes, nem automóveis. Os autores desta interessante tipologia pediram emprestado o termo “produto” ao marketing de bens e serviços e, no campo da política eleitoral, definem-no como uma entidade complexa, composta pelo conjunto das medidas políticas propostas em programa e implementadas quando no poder, pelos líderes (as suas capacidades, imagem, personalidade, relacionamento com o resto do partido e do país), por outros candidatos e detentores de cargos políticos, e até mesmo pelos símbolos (nome, logótipo, etc.).

Uma segunda tipologia, desta feita relativa ao posicionamento adoptado pelo partido no contexto de competição eleitoral, é proposta pelo italiano Marco Cacciotto no livro Marketing Político, de 2015. Esta tipologia pressupõe a existência de quatro tipos de posicionamento possíveis: líder, desafiante, seguidor e de nicho.

O partido líder (leader) ganhou as eleições anteriores ou aparece em primeiro lugar nas sondagens, e é frequentemente alvo de ataque pelos outros concorrentes, em particular pelo partido desafiante. Para defender ou expandir a sua quota de mercado eleitoral, necessita de falar a um espectro alargado de cidadãos, numa lógica catch-all. Por sua vez, o partido desafiante (challenger) é aquele que ficou em segundo lugar nas eleições passadas e/ou ocupa essa posição nas sondagens, podendo colocar em risco a vitória do líder. Precisando também de comunicar com um espectro alargado de eleitores, é essencial que demonstre ser superior e diferente do líder; para tal, pode adoptar estratégias como atacar este partido, outros potenciais desafiantes ou partidos mais pequenos que lhe podem retirar apoio eleitoral. Por sua vez, o partido seguidor (follower) tende a reproduzir as características e comportamentos do líder ou do desafiante, esperando que essa estratégia lhe permita ganhar eleitores e ser considerado como parceiro numa eventual coligação pós-eleitoral. Por fim, os partidos de nicho (niche) concentram os seus esforços de campanha num segmento muito específico do eleitorado: propõem um produto que vai ao encontro das necessidades e ambições do mesmo e delineiam a estratégia de comunicação com base nas características desse target.

Falar para toda a gente é uma estratégia vencedora?

Quer se trate de um partido com ambição de chegar a todos ou de um partido de nicho ou monotemático, o conhecimento do eleitorado é basilar. Para os primeiros, é preciso adaptar as mensagens aos vários segmentos da população eleitoral que desejam atrair. O ponto fundamental é que não se pode dizer o mesmo ou comunicar com os mesmos objectivos com toda a gente – ou seja, não é suficiente ter uma única abordagem, é necessário diversificar. Para os segundos, é necessário identificar o segmento ou segmentos da população que poderá votar em si e focar a estratégia de comunicação nesse(s) grupo(s). A segmentação é um processo essencial para atingir esse objectivo e implica a utilização do conhecimento sobre o eleitorado para dividi-lo em segmentos homogéneos e caracterizá-los, criando um perfil do eleitor ou eleitores-tipo com base em variáveis geográficas, demográficas, socioeconómicas, atitudinais, valorativas ou de relacionamento com a política.

Os esforços comunicacionais devem ser destinados aos eleitores que votam sempre e têm uma elevada probabilidade de apoiar o partido ou candidato (para solidificar a sua base de apoio) e àqueles que, sendo claros apoiantes, nem sempre participam em eleições (para motivá-los a ir votar).

Num manual destinado a fornecer orientações para o planeamento de campanhas eleitorais, o estratega J. Brian O’Day destaca e cruza dois factores: a probabilidade de o eleitor participar na eleição (alta, média, baixa) e a probabilidade de o eleitor apoiar o partido ou candidato (alta, média, baixa). Assim, os esforços comunicacionais devem ser destinados aos eleitores que votam sempre e têm uma elevada probabilidade de apoiar o partido ou candidato (para solidificar a sua base de apoio) e àqueles que, sendo claros apoiantes, nem sempre participam em eleições (para motivá-los a ir votar). Em termos de actividades de persuasão, o enfoque deve ser colocado em primeiro lugar nos votantes habituais cujas características e atitudes os podem levar a apoiar o partido ou candidato. Se a campanha dispuser de recursos adicionais, será sempre possível desenhar elementos de campanha para pessoas que votam sempre mas cuja probabilidade de votar no partido é reduzida, ou, por outro lado, para abstencionistas habituais que têm uma elevada probabilidade de o apoiar. Os restantes segmentos do eleitorado simplesmente não devem ser alvo de uma estratégia de comunicação consolidada – a elevada improbabilidade de conseguir obter apoios concretos e votos faz com que o investimento de recursos nesses segmentos não se justifique.

É a economia, estúpido?

Um dos temas mais importantes em qualquer campanha eleitoral é o estado da economia do país. Esta constatação é também verdade em eleições europeias. Primeiro, porque estas são consideradas pelos especialistas como sendo de segunda ordem, o que significa que as considerações dos eleitores sobre o plano doméstico tendem a ser preponderantes nas suas escolhas de voto e existe frequentemente um vazio na esfera pública em termos de discussão em torno de temáticas europeias. Segundo, porque os acontecimentos da última década poderão ter tornado mais clara a relação entre a saúde das economias nacionais e as decisões tomadas pelas instituições europeias.

A teoria do voto económico, uma das teorias clássicas da ciência política, estabelece que, quando as condições económicas são favoráveis, o partido em funções tende a ser recompensado pelos eleitores, enquanto em condições económicas negativas tende a ser punido. Vale a pena destacar que as percepções subjectivas dos eleitores sobre o estado da economia tendem a ser mais importantes para moldar o seu comportamento que as condições objectivas (inflação, crescimento do PIB, taxa de desemprego, etc.), o que significa que as campanhas têm alguma margem de manobra para enquadrar a economia de uma maneira que lhes seja favorável, sem necessariamente faltarem à verdade. Por outro lado, a magnitude da punição/recompensa pode depender de quão fácil é identificar a responsabilidade pelo estado da economia (por exemplo, governos apoiados em maiorias monopartidárias geram uma clareza de responsabilidade muito maior que governos de coligação com vários partidos envolvidos na governação), o que também é relevante para a estratégia de comunicação eleitoral.

O posicionamento do partido ou candidato em relação ao estado da economia é a base da tipologia de campanhas eleitorais proposta por Lynn Vavreck no livro de 2009 The Message Matters (em português, A Mensagem Importa). De acordo com a autora, é benéfico para o partido/candidato focar a campanha no estado da economia quando o mesmo é incumbente e a situação económica é boa, ou quando está na oposição e o país afronta uma má situação económica. Nestas situações, deve-se falar sobre a economia mais do que sobre outra coisa qualquer, para reduzir o grau de incerteza dos eleitores sobre a relação do partido ou do candidato com o estado da economia. Por sua vez, quando a situação económica é prejudicial ao candidato (ou seja, este é incumbente e há uma crise, ou pertence à oposição e a economia está a crescer), a estratégia deve passar por uma campanha de insurgência, escolhendo-se um assunto em que se tem vantagem sobre o concorrente e focando nele a sua campanha. Tanto num caso como no outro, o objectivo final é o aumento do peso do assunto durante a campanha e a redução da incerteza sobre a posição e responsabilidade do candidato em relação ao mesmo. De acordo com Vavreck, 61% dos candidatos à presidência dos Estados Unidos entre 1952 e 2000 que respeitaram esta lógica obtiveram sucesso nas eleições, sendo que apenas 25% dos que a não respeitaram (fazendo campanhas de clarificação em vez de insurgência, e vice-versa) foram eleitos (figura 5).

Reflexões sobre a campanha em curso

2019 é um ano intenso para os partidos políticos em termos de campanha e comunicação. Os partidos tradicionais tentarão manter ou reforçar a sua posição nas instituições parlamentares europeia e nacional, e os novos partidos tentarão abrir brechas e conquistar um ou mais lugares nestes parlamentos. As expectativas em termos de resultados eleitorais são distintas, tais como os recursos disponíveis para investir na campanha e o acesso aos meios de comunicação tradicionais – especialmente à televisão, que tende a privilegiar, devido à sua lógica interna e fora dos tempos de antena, os partidos políticos com maior visibilidade e valor-notícia.

Mas se, em termos gerais, mais dinheiro e mais espaço nos média ajudam a fazer com que a campanha cumpra melhor os seus propósitos, é perfeitamente possível fazer uma campanha bem-sucedida com pouco dinheiro e presença nos média. Vale a pena recorrer ao exemplo do PAN, cuja campanha de 2015 contava com um orçamento de 30 mil euros e foi feita essencialmente fora dos média tradicionais, tendo levado à eleição de um deputado, e contrastá-lo com o caso do Livre/Tempo de Avançar, cujo orçamento de campanha para as mesmas legislativas era várias vezes superior e que beneficiava de maior interesse mediático, mas que obteve pouco mais de metade dos votos do PAN e ficou de fora da Assembleia da República. Estes exemplos mostram que o sucesso eleitoral não é meramente função da profusão dos recursos financeiros da campanha ou do acesso frequente e constante à televisão, mas acima de tudo da utilização estratégica e criteriosa dos recursos disponíveis, de uma boa mensagem e da selecção dos meios que permitem chegar aos grupos de eleitores com que se deseja comunicar – e, para muitos partidos e eleitores, existem muitas alternativas à televisão generalista…

Se, em termos gerais, mais dinheiro e mais espaço nos média ajudam a fazer com que a campanha cumpra melhor os seus propósitos, é perfeitamente possível fazer uma campanha bem-sucedida com pouco dinheiro e presença nos média. Vale a pena recorrer ao exemplo do PAN, cuja campanha de 2015 contava com um orçamento de 30 mil euros e foi feita essencialmente fora dos média tradicionais, tendo levado à eleição de um deputado.

Os exemplos do PAN e do Livre/Tempo de Avançar podem ser particularmente úteis para os três partidos/coligações que se apresentam pela primeira vez a escrutínio eleitoral no fim deste mês. Sabemos que a Aliança, o Basta e a Iniciativa Liberal têm despertado um interesse desigual nos meios de comunicação social tradicionais, bem como que possuem recursos financeiros díspares. Por um lado, devido às características das suas lideranças, tanto a Aliança como o Chega (cujo líder é o cabeça-de-lista da coligação Basta) têm merecido mais cobertura mediática; por outro, de acordo com a informação depositada no Tribunal Constitucional, a Aliança tem um orçamento tão elevado quanto o CDS-PP e os recursos financeiros da coligação Basta chegam ao meio milhão, enquanto que a Iniciativa Liberal apresentou um orçamento de menos de 30 mil euros. No dia 26 de Maio, veremos até que ponto estas disparidades se traduziram efectivamente em grandes diferenças em termos de votos conquistados.

José Santana Pereira é professor de Ciência Política no ISCTE-IUL e autor do ensaio “Política e Entretenimento” (2016), publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS). É doutorado em Ciências Políticas e Sociais pelo Instituto Universitário Europeu de Florença (2012).

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