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A rainha Frederica da Grécia foi a argumentista de um episódio único na história da realeza europeia na segunda metade do século XX. Juntou dezenas de membros de diferentes famílias a bordo de um navio em passeio pelas ilhas gregas que ficou conhecido como “o cruzeiro dos reis”. Em 1954 ainda se saravam as feridas da Segunda Guerra Mundial quando, por alguns dias, elementos de todas as idades de casas reinantes e depostas se juntaram como uma grande família.
O cruzeiro partiu de Nápoles a 22 de agosto de 1954, há 69 anos. A rainha da Grécia traçou o guia turístico e o Rei fazia as visitas guiadas em cinco línguas. O número de membros da realeza a bordo varia consoante as notícias, com a Pathé Britânica a situar à época a conta em 95. Foram certamente muitos, numa aventura que não se voltou a repetir.
De “cruzeiro dos reis” a “barco do amor”
Foi a rainha Frederica da Grécia, mãe da rainha Sofia de Espanha, quem teve a ideia do cruzeiro. Os objetivos oficiais desta iniciativa eram voltar a reunir a grande família da realeza europeia depois da Segunda Guerra Mundial e promover a Grécia como destino turístico, uma vez que o país acabava de sair não só da guerra mundial (1939/45), mas também de uma guerra civil (1941/46). Contudo, havia um outro objetivo subentendido, que valeu à rainha Frederica a alcunha de “casamenteira” e consistia em criar uma oportunidade para os membros mais jovens das casas reais se conhecerem e, quem sabe, se apaixonarem. Ou seja, fazer deste cruzeiro também uma espécie de “barco do amor”, uma vez que não existiam há vários anos as habituais festas e eventos em que os jovens royals se conheciam e conviviam. E, na verdade, desta aventura até resultaram casamentos, tendo um deles ocorrido apenas meses depois e em Portugal, mais precisamente em Cascais. Foi a união de Maria Pia de Itália com o príncipe Alexandre da Jugoslávia. Foi aqui que se conheceram Juan Carlos e Sofia, futuros reis de Espanha. Mas já lá iremos.
Segundo conta o jornal El Mundo, a rainha Frederica tinha aceitado ser madrinha de um navio do armador grego Eugenides e, como presente, este enviou-lhe uma pregadeira com diamantes. Contudo a soberana não aceitou a oferta e pediu antes que lhe fosse “emprestada” uma outra embarcação, a Agamemnon, para que pudesse concretizar o seu projeto de cruzeiro real. O armador morreu em abril de 1954 e não assistiu ao monumental passeio.
Donos de petroleiros que transportavam combustível para todo o mundo, o poder dos armadores gregos era então indiscutível, e nomes já à época sonantes, como Niarchos ou Onassis, ainda hoje são bem conhecidos. No entanto, Eugenedes tinha barcos de transporte de passageiros que faziam uma rota que incluía Atenas, Nápoles e Nova Iorque, e aquela era uma época de emigração massiva para os Estados Unidos, conta Pilar Eyre. Segundo a autora de livros sobre a família real, o armador acusava problemas no seu negócio e a rainha comprometeu-se a ajudá-lo a recuperar a empresa desde que ele lhe “emprestasse um iate para passear 100 pessoas”. O Agamemnon era um iate de 5500 toneladas e o seu nome remete-nos para a mitologia grega, uma vez que se trata de um Rei de Micenas que comandou os gregos durante a guerra de Tróia. A sua história também deu uma peça de teatro e em filmes o próprio Agamemnon já foi interpretado por atores tão conhecidos como Sean Connery ou Brian Cox.
Quem subiu a bordo?
Neste cruzeiro estiveram presentes cerca de 90 membros de casas reais europeias, mas a ideia era que fosse como uma grande reunião de família. Juntaram-se representantes das casas reinantes da Grécia, Países Baixos e Luxemburgo, Noruega, Dinamarca e Suécia. Mas também príncipes deserdados e desterrados de casas como as de Itália, Espanha, Roménia, Jugoslávia e Bulgária. Os convites foram ainda alargados aos parentes reais de casas que, entretanto, deixaram de ser reinantes, como a Bourbon-Parma, Mecklenburg, Schaumburg-Lippe, Hesse, Thurn und Taxis e Hohenlohe-Langenburgs, relata a revista Time.
A vontade de se reencontrarem seria muita, porque houve casas reais que partiram em família para este cruzeiro. Foi o caso dos Países Baixos, que estiveram representados a bordo pela Rainha Juliana, o marido, o príncipe Bernardo, e as filhas, uma delas Beatriz, a atual Rainha emérita. Segundo a Vanity Fair, estavam lá Juan e Josefina Carlota, herdeiros do Luxemburgo, Michael da Roménia e ainda Humberto II de Sabóia, que estava também a viver o seu exílio em Portugal — e que teve de embarcar na ilha grega de Corfu, uma vez que estava proibido de entrar em Itália. Também se juntavam à lista o infante Alfonso de Orléans e os príncipes Jorge da Grécia e Viggo da Dinamarca, que, segundo a Vanitatis, eram galãs da sua época. Foram também os condes de Barcelona, dom Juan e dona Maria, com os dois filhos adolescentes, Juan Carlos e a infanta Pilar (com 18 anos na altura), enquanto os dois filhos mais novos eram demasiado pequenos e terão ficado com uma prima em Itália. Segundo a lenda, D. Juan terá ido comprar um batom antes do embarque para que a infanta pintasse os lábios de forma a ficar mais ao estilo das outras princesas da sua idade.
“Então és tu que tens a sorte de viver em Espanha”, disse o conde de Barcelona, o pai de Juan Carlos, ao jovem Simeão antes de o barco partir. O búlgaro era, afinal, um Rei deposto, e em 1951 o governo espanhol concedeu asilo à família real búlgara, depois do fim da monarquia no seu país. Falharam à chamada para o evento social do ano as casas reais do Reino Unido e da Bélgica. O membro mais velho tinha mais de 80 anos e o mais jovem era o príncipe Jorge com apenas 13, ambos da família real grega.
Juan Carlos conheceu a futura noiva e fez um amigo para vida
Foi neste cruzeiro que o jovem Juan Carlos de Espanha conheceu a princesa Sofia da Grécia e, embora na altura não tenha havido qualquer química entre os jovens de 16 e 15 anos, eles viriam a casar-se oito anos depois, em 1962, na Catedral de Atenas. Dom Juanito, como era conhecido na altura, era o filho do pretendente ao trono de Espanha e o pai já o havia enviado para ser educado junto do ditador Franco, enquanto a família estava exilada em Portugal. Sofia era a primogénita dos anfitriões do cruzeiro. O início da relação até foi atribulado, uma vez que, durante o passeio, Juan Carlos terá gozado com o facto de dona Sofia estar a aprender artes marciais e esta optou por lhe responder com uma prova dos seus dotes, atirando-o ao chão.
Foi também a bordo do Agamemnon que Juan Carlos conheceu Simeão da Bulgária e ficaram amigos para a vida. “A rainha Frederica lembrou-se de reunir toda a gente. Foi uma ideia genial que abriu a Grécia, recém saída de uma guerra civil, ao turismo, não apenas a historiadores e arqueólogos”, contou o Rei Simeão à Vanity Fair. “Toda a gente se conheceu ali; depois das restrições [da Segunda guerra Mundial], as famílias reais ficaram nos seus países, ou onde quer que fosse, mas também no lado que tinham escolhido. Lembro-me da minha primeira visita a Londres, depois da guerra. Pensei para dentro: somos da mesma família e temos o mesmo apelido, Saxe-Coburg. Contudo, durante o conflito éramos inimigos”, contou o último Rei da Bulgária.
Um cruzeiro turístico e uma viagem de família
Tanto a rainha consorte Frederica como o Rei Pavlos receberam pessoalmente todos os seus convidados no cais antes de embarcarem. Os soberanos gregos também navegaram no seu cruzeiro acompanhados pelos três filhos, Constantino, Sofia e Irene. Terá sido a própria rainha helénica a desenhar o percurso do cruzeiro que passou por Creta, Corfu, Salónica, Rhodes e Mikonos, as principais ilhas gregas.
Pilar Eyre conta num episódio do seu canal de YouTube, “Al aire de Pilar Eyre”, que falou uma vez com uma pessoa que tinha estado a bordo deste mítico cruzeiro, para o seu primeiro livro. Contaram à autora que era necessário madrugar e cabia ao Rei Pavlos fazer as visitas guiadas porque falava cinco línguas e tratava de partilhar a informação em cada uma delas. Durante o percurso pararam em Creta, com uma visita ao palácio de Minos, e realizaram passeios às cidades de Olimpia e Delfos, conta a Vanity Fair.
A rainha Frederica queria um ambiente descontraído, proibindo o protocolo real e a indumentária formal. Apenas o príncipe Jorge da Grécia, com 85 anos, teve direito a um criado particular. Os reis da Grécia ocuparam os aposentos do capitão e do primeiro oficial da embarcação, a grã-duquesa do Luxemburgo terá ficado com o beliche do engenheiro chefe e ao antigo Rei Michael da Roménia e à mulher terá calhado um camarote duplo, conta a revista Time. À hora da refeição, os lugares eram sorteados para que jovens e mais velhos se juntassem e convivessem.
Como em todos os grandes ajuntamentos familiares, não faltaram os momentos de convívio. O programa da viagem incluiu visitas de autocarro e passeios de mula. Os mais novos aproveitavam os estádios antigos para encenar jogos olímpicos, mas também havia sessões de cinema à noite e danças, como o mambo e a rumba e a rainha Frederica seria uma verdadeira apreciadora deste momentos. Numa noite especialmente entusiasmada, o príncipe Christian de Hannover foi atirado para a piscina pelos primos totalmente vestido, e depois também eles mergulharam, o que levou a rainha Frederica a ordenar que se esvaziasse a piscina todas as noites às 2h00 da manhã, relata a Time. Os mais jovens “engoliam galões de Coca-Cola”, enquanto os mais velhos trocavam champanhe por whisky, acrescenta a revista.
O cruzeiro durou mais de 10 dias em passeio pelas ilhas gregas e terá custado mil libras por dia, noticiava na altura da sua partida a Pathé Britânica. Acabou a 3 de setembro, quando atracou em Nápoles — e foi considerado um sucesso.