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FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

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Alba Batista: “Agora é a minha vez, daqui a uns tempos vai passar e está tudo bem”

A chegar aos 23, estreia-se como protagonista em "Warrior Nun", que chega esta quinta à Netflix. Em entrevista, Alba Batista mostra saber o que quer e, principalmente, o que não ambiciona: o estrelato

Há uma ideia muito antiga, e talvez preconceituosa, de que quem é jovem raramente sabe bem o que quer. Por vezes, surgem exemplos que contrariam a regra. Alba Batista, que está a poucos dias de fazer 23 anos, sabe bem qual o seu caminho. Sabe que, mesmo que a empurrem para lá e de o ter de aceitar, não anseia o estrelato. Que quer, se for possível, dedicar-se ao cinema europeu, mais experimental, onde “o sentido  de equipa tem de estar presente e os egos têm de ficar fora do estúdio”. Que gostava de estudar filosofia. E que um dia pode abandonar a representação para ir realizar, escrever ou fazer outra coisa qualquer. Porque ser atriz não a define, mesmo que essa a arte a tenha seduzido aos 15 anos, quando entrou na curta “Miami” (2014) de Simão Cayatte. Vieram os “Jardins Proibidos”, outras novelas na televisão nacional, o cinema português (“Leviano”, “Caminhos Magnétykos” ou “Patrick”) e agora uma grande produção internacional: “Warrior Nun” (de Simon Barry), que estreia esta quinta-feira na Netflix. Ganhou o papel quando fez a sua primeira selftape (uma audição gravada pelo próprio artista e enviada remotamente) e viajou até à Irlanda, para um prestigiado festival de cinema. Agora seguem-se mais selftapes e uma longa metragem, a ser gravada em finais de julho em Portugal.

Alba Batista é a protagonista: Ava, uma jovem que ressuscita, junta-se a uma sociedade de freiras e decide combater demónios. Tem ação, ficção científica, fantasia, feminismo. As mulheres estão no pelotão da frente. Recebeu uma edição limitada da famosa manga, muito diferente do guião da série, e ainda viu o criador, Ben Dunn, lavado em lágrimas, depois de ter percebido que a atriz encaixava perfeitamente naquilo que tinha imaginado, assim que os desenhos saltassem para o ecrã. Para o papel, teve de ir buscar uma parte de si que costuma ficar reservada: o de “miúda parva”. “A minha pesquisa foi esquecer-me da Alba que gosta de ficar num canto a ler e ser uma miúda parva a correr por todos os lados. Ficava em casa a ouvir música que achava que a Ava ouviria. Ouvir Arcade Fire e ficar a dançar sem controlar os movimentos”, conta.

Nesta conversa com o Observador, falou-se não de demónios que vêm do além, mas sim dos que pairam na cabeça de alguém que tem dúvidas, anseios, perguntas ainda sem resposta e certezas, apesar de já ter o selo de grande promessa da representação. É que, pese embora o currículo sólido, Alba Batista ainda tem vergonha de dizer que é atriz, cada vez que viaja para fora. Não sabe o porquê, só que poderá ser da sua timidez. É lisboeta, mas estudou na Escola Alemã, algo que a ajudou a meter o trabalho em primeiro lugar e o sucesso depois. No entanto, não deixa de explorar um lado artístico, fora dos palcos, que também poderia ter sido o seu caminho. Um lugar onde há pintura e piano, que a levou um dia a cumprir a promessa feita à avó de lhe tocar “Clair de Lune” de Debussy. Mas esse lado fica para si e para os seus, longe do foco mediático, das entrevistas e das redes sociais. Alba Batista quer continuar a experimentar, “a brincar”, a ir contra a maré tendo os pés assentes na terra. E a questionar. Porque, no fundo, nunca sabemos bem o que queremos. Num dia somos uma freira guerreira, noutro somos só uma pessoa com 22 anos.

Como foi este período de quarentena para si que, de repente, deu este salto para a Netflix?
Foi a primeira vez, desde os oito anos em que estou a trabalhar, em que parei mais de um mês. Custou um bocadinho mas soube muito bem, estava a precisar. É o clássico de não saberes que estavas a precisar de algo até ter. Não me posso queixar. E tinha um espaço salvaguardado para poder ter estas incertezas, por isso correu bem.

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Então se a parte profissional estava salvaguardada, foi como se tirasse umas férias.
Sim, sem dúvida. Também não estava em gravações. A única coisa que havia programada era uma eventual ida aos EUA para fazer promoção para a série mas não aconteceu. Até estou feliz de não ter acontecido, porque tenho mais do que suficiente aqui.

Suficiente de promoção?
Sim, e não acho que seja necessário que haja uma promoção imensa para validar o meu trabalho. Quem quiser ver irá ver e estou feliz com o resultado. De resto, o único trabalho foi adiado para julho.

A Alba parece-me ser bastante pragmática, independentemente de ter 23 anos. Ligamos agora a internet, pesquisamos o seu nome e aparece lá “grande promessa portuguesa da representação”. Não se deixa afetar por isso?
Fico honrada de me categorizarem dessa maneira mas, na verdade, qualquer tipo de categorização é temporária. É tudo uma moda do momento.  Agora é a minha vez, daqui a uns meses vai passar e está tudo bem. É relativizar a importância das coisas porque a importância está no trabalho. Estou grata que as pessoas estejam a par e que queiram ver. De resto, gosto de manter essas inseguranças para mim e não as projetar.

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Há uma coisa muito portuguesa de acharmos que somos os melhores do mundo sempre que alguém lá fora dá cartas. Parece que nunca vai ser normal ter portugueses com destaque, porque estamos no nosso cantinho, à beira mar plantados. Chateia que seja sempre assim?
Hoje há mais abertura para a internacionalização. Comigo aconteceu através da selftape, acho que pode e irá acontecer com outros. Mas este complexo de inferioridade quase intrínseco no português não é muito produtivo. Acho que vai mudar com o tempo.

Com esta série “Warrior Nun”, acha que o meio a vai tratar de outra forma? Se já tem uma série na Netflix, é para levar mais a sério.
Não concordo mas acho que sim, porque já vi acontecer com outros atores, artistas e com pessoas que não têm nada a ver com representação. É humano esse processo de pensamento. Da valorização… que não faz sentido nenhum na verdade.

Porquê?
Porque o valor está sempre em nós. Quer dizer, faz. Se para algumas pessoas só fiz uma novela ou outra, que acham que sou uma atriz boa, nada por aí além, e, de repente, estou a fazer uma série da Netflix, claro que vai abanar um pouco a perspetiva. Mas continuo a ser a mesma.

A geração de actores que cresceu na televisão, nomeadamente nas séries juvenis como os Morangos com Açúcar, deu o salto um pouco mais tarde do que a Alba. Por outro lado, começou no cinema, nas curtas-metragens e só depois novelas. Decidiu que tinha de ser assim ou foi acontecendo?
Nunca foi um objetivo meu ser atriz, de certa maneira isso diz muito. A curta-metragem onde comecei, que foi muito ao acaso, foi graças à subjetividade do realizador e do seu processo que me fez apaixonar um pouco por esta arte que é altamente subjetiva, principalmente no cinema. Depois desta experiência, pensei: quero brincar mais. E ainda via tudo a um nível bastante leviano. Tentei na televisão, fiz um casting, fiquei nos Jardins Proibidos e aprendi muito. Depois de ter feito a primeira e a segunda novela, percebi que o processo é parecido. Porque é uma fábrica muito bem pensada e produtiva, mas é uma fábrica.

Mas achava que estando “nessa fábrica” não iria evoluir mais?
Fazer muitos papéis em novela não invalida o nosso talento enquanto atores. Evoluí muito na primeira novela, solidifiquei o que aprendi na segunda e na terceira senti que sim, que não estava a ser enriquecedor. Não me identificava com o processo de trabalho. Tinha e tenho uma mentalidade muito alemã quando trabalho: chego, faço, trabalho, leio, vou-me embora. E em novelas, que é uma tradição portuguesa porque somos latinos, quentes e calorosos, precisamos desse estado mais amigável para trabalhar. Respeito isso, mas ao mesmo tempo sentia uma pressão de ter de criar relações mais pessoais, ao invés do profissional. Isso fazia-me confusão.

"Quando tinha 15 anos disseram-me que o caminho que estava a escolher seria de solidão. E foram palavras muito sábias, que na altura não entendia. E, hoje em dia, sim, concordo. Acho que sei lidar com isso cada vez melhor. Quando faço um projeto de cinema, desligo-me da minha vida pessoal. Não falo com ninguém. Só se for algo importante. É um caminho de solidão e daí haver tanta união entre atores e equipa. Estou aberta para isso."

A expressão é horrível mas: para si é mais “trabalho é trabalho, conhaque é conhaque”.
Que horror, mas sim [ri-se].

O trabalho primeiro, o sucesso há-de vir.
Sem dúvida. Em televisão, os atores vão ter de passar naturalmente por mais projeção virtual. Isso era outro fator que demorei muito tempo a ambientar-me, porque ia contra a maré ou porque não queria.

O circuito mainstream das fotografias, dos likes, dos posts, de entrevistas como esta.
Sim, tudo isso. Com o tempo fui-me apercebendo que faz parte. Mas também me apercebi que tenho o poder de escolher como é que defino o meu caminho. E quando me apercebi, projetei-o para o outro lado.

Quando esta pandemia começou, houve uma grande onda de solidariedade. Agora o mundo está o caos completo. Reparei que a Alba liga muito à meditação e à espiritualidade. Isso ajudou-a a encarar as adversidades de outra forma? Tornou-a mais adulta?
Não é por isso, mas ajuda em todas as facetas da vida, em relações, tudo. Estava com uma perspetiva positiva em relação a esta pandemia, do bom que poderia sair deste caos. Que o pó apaziguasse e conseguíssemos olhar um pouco mais para dentro de nós, por mais piroso que isso soe. Pensei mesmo que isto fosse dar algum tipo de união superior.

E no que é que a ajuda mais? A sua geração, que é a minha também, quer sempre tudo para ontem.
Sim. Claro que deixo que o meu ego interfira várias vezes. Às vezes quero mais do que deveria ter ou deixo-me levar por frequências vibratórias muito baixas, de inseguranças ou sentimento de culpa. Mas estando mais consciente do meu eu, consigo centrar-me mais facilmente quando estou em alturas de pânico.

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E não a deixa ficar deslumbrada.
Também deve ser de família. Mesmo se tivesse um pico de percentagem de devaneio a minha família nunca deixaria que isso acontecesse.

Foi preciso a família meter-lhe os pés bem assentes na terra?
Não, nunca foi preciso. Sempre deram total apoio. Já faço isso suficientemente comigo mesma.

Falo disto porque tenho a sensação de que uma pessoa nunca pode dizer que é muito boa no que faz. Mal comparado, o Cristiano Ronaldo quando diz que é o melhor, há muita gente que não gosta, que o apelida de egocêntrico ou convencido. A Alba tem confiança suficiente para dizer: se consegui isto, é porque mereço? Ou a cultura dentro dos atores ainda impede que isso aconteça?
Acho que essa cultura existe, está muito presente. Mas, ao mesmo tempo, falsa modéstia não é um bom caminho. Este projeto ajudou-me a encarar melhor a realidade, em estar orgulhosa de mim e do projeto. Sempre que vou viajar, quando as pessoas me conhecem e me perguntam o que faço, fico sempre envergonhada quando digo que sou atriz. É estranho, nunca sei de onde é que isso vem.

Mas já conseguiu perceber?
Não sei. Acho que o estereótipo do que é ser ator não combina com a minha personalidade.

É aquela parte do ator ter de ser alguém muito sofrido?
Não é isso, não sei responder, mesmo.

Mesmo depois de ter feito o “Warrior Nun”, se lhe perguntasse o que fazia, ficava com vergonha?
Talvez venha apenas de timidez.

Daqui a uns anos já não terá tanto esse medo, então.
Quem sabe, falemos daqui a uns anos.

"Sinto que o meu caminho não é o estrelato, nem é o que projeto ou que quero. Acho que projeção internacional é necessária para termos oportunidades maiores. Os projetos onde se ganha mais dinheiro e se perde concretização pessoal, não me compensa. Prefiro fazer um filme indie com muito pouco dinheiro."

Certo. Li algures que não lhe interessa a carreira de Hollywood e que está mais virada para o cinema, especialmente o europeu.
Não descarto nada, mas sim, é o que me cativa mais.

Porque não Hollywood?
Sinto que o meu caminho não é o estrelato, nem é o que projeto ou que quero. Acho que projeção internacional é necessária para termos oportunidades maiores. Os projetos onde se ganha mais dinheiro e se perde concretização pessoal, não me compensa. Prefiro fazer um filme indie com muito pouco dinheiro.

Mas pode acontecer um dia estar, por exemplo, aflita financeiramente e ter de aceitar esses projetos.
Claro. Filmes de super-heróis devem ser uma experiência fantástica e diferente de tudo o resto. Se puder escolher, melhor.

O que é que há no cinema independente que lhe interessa tanto? É o poder ser mais experimental?
Precisamente, poder ser mais subjetivo. Poder construir a personagem com o realizador, se estiver aberto para isso. É a incerteza do projeto e do caminho que estamos a levar, do desconhecido.

Se começou tudo isto como uma brincadeira, quer dizer que “ainda está a brincar”.
Sim.

Apesar de muita gente dizer que isto é para levar a sério, a sua cabeça ainda está a experimentar.
É importante desmistificar a coisa: quando, de repente, nos levamos demasiado a sério e sentimos que não há recompensa suficiente pode levar-nos para um poço negro que não é bom. E já com a pressão e projeção que sofremos naturalmente enquanto artistas, temos de ter um centro forte.

Em relação a essa pressão, agora com a notícia da morte do ator Pedro Lima, a ideia da “ditadura da felicidade” que paira no circuito dos atores está novamente a ser discutida. De que os atores têm de ter uma capa, ao mesmo tempo que sofrem ataques de pânico, ansiedade, ou mesmo depressão. Já refletiu sobre isso?
Concordo com isso. Acho que existe esse tabu mesmo entre os atores. É quase um sofrimento não falado, que todos sabemos e passamos por, mas não falamos. Eu tenho vários filtros, cada vez me sinto mais confiante com o meu eu, agora claro que cai a pressão em relação à sociedade, ao que devo ou não ser. Onde sofro mais com os filtros é no entrar e sair de personagem. Se for realmente uma personagem onde mergulhamos totalmente, sem medos e preconceitos, tens que ter muito cuidado a voltar a ti.

Há um limbo.
Sim, perigoso. Porque às vezes nos esquecemos que temos a personagem dentro de nós a corroer-nos. Quando já acabamos a rodagem e ainda estamos… parece tudo muito poético e preconceituoso mas é verdade. Muitas vezes não consigo desligar da personagem, e esta despedida manifesta-se muito tempo depois de uma maneira totalmente bizarra. Tenho um ataque qualquer num sítio que não faz sentido nenhum.

Deduzo que o ator, quando cria uma personagem, destapa lugares sobre si que desconhecia.
Sim, tem de ser feito com muito respeito.

Vamos à série, que é baseada num manga. Isto tem uma base de fãs forte, é um autêntico fenómeno dentro de alguns circuitos. Quando percebeu a dimensão, ficou com mais vontade de fazer ou com mais medo?
Sim, é um fenómeno. A primeira vez que vi a manga, assustei-me, porque é altamente misógina. Ao mesmo tempo, fiquei curiosa, para perceber como é que a Netflix, que não poderia fazer algo misógino, iria adaptar isto. E adaptaram muito bem para uma série jovem, respeitadora e feminista. Lembro-me que me ofereceram uma primeira versão limitada e que lemos tudo. É giro porque a série dá pequenos bombons para o clã de fãs.

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Os “easter eggs”.
Sim, exatamente. E mesmo quem não conhece vai querer ver.

Não é de nicho, então.
Não. No segundo dia de filmagens, ainda ninguém se conhecia, o criador da manga, o Ben Dunn, apareceu nas rodagens. É um homem altamente tímido e muito querido, e não sabia o que é que ele iria achar da série, porque não tem nada a ver com a manga. Quando nos encontramos ele chorou e disse-me que eu era exatamente o que tinha imaginado. Fez-me uma caricatura na hora e fiquei contente.

Produção norte-americana, rodagem em Espanha. Teve um pouco da cultura de que falamos à pouco: ir para o trabalho, não criar grandes relações e vir para casa?
Sim, porque havia muita coisa para lidar, não tínhamos espaço para beber um café e falar da vida pessoal. Era muita pressão para todos os departamentos. Foi o processo ideal do que considero uma rodagem. Começou altamente matemático e depois tornou-se mais pessoal e íntimo para toda a gente.

Desse processo que se foi construído, o que é que retira de melhor?
O criador da série disse-me que tinha a responsabilidade de ser a líder entre os atores. E quando tu vês um protagonista confortável e confiante no plateau, vais inspirar os outros a ser também. É uma lição que vou levar para sempre, mesmo não sendo protagonista. O sentido  de equipa tem de estar presente, os egos têm de ficar fora do estúdio. Se conseguir influenciar, de alguma forma, outras mentalidades em relação a isto para melhor, acho que é uma qualidade que projeto.

Por isso é que quer mais cinema independente, do que o cinema de Hollywood, onde os egos estão sempre em conflito nas grandes produções.
Sim. É mais isso. Chegámos lá.

Parece que sim. Para além da manga, foi buscar referências a mais algum lado?
Não. O único trabalho que tive de fazer foi desprender-me de qualquer processo que achava que tinha. Porque esta personagem era o oposto  do que todas as outras personagens que tinha feito. É uma criança adulta, e isso é uma personagem de sonho para qualquer jovem ator que pode ainda chegar à criança interior que todos nós temos. Essa foi a minha pesquisa, esquecer-me da Alba que gosta de ficar num canto a ler e ser uma miúda parva a correr para todos os lados.

Mas porque já não tem esse lado?
Tenho, está muito presente, mas na vida pessoal. No trabalho dá-me ali um pequeno entrave porque não costuma acontecer.

Então como é que deu a volta?
Ficar em casa, ficava a ouvir música que achava que ela ouviria. Ouvir Arcade Fire e ficar a dançar sem controlar os movimentos…

Libertar-se.
Sim, levei esse espírito um pouco para o plateau. Acho que também ajudou a abrir os outros atores que chegavam mais tarde.

Quando conseguiu este papel, foi a um festival na Irlanda, uma espécie de caça talentos. Pediu ajuda ao Nuno Lopes e à Joana Ribeiro para fazer a sua selftape. Porque é que lhe interessa tanto fazer esse género de casting?
Aprecio a pressão direta de um casting, porque lido bem, gosto de me sentir encurralada e ter de encontrar uma saída, sozinha. Os castings dão-te uma direção vaga e tens trinta segundos para fazer bem. Com uma selftape tens todo o tempo do mundo, podes ser criativa e realizares-te a ti mesma, algo de que também gosto muito. Posso ser mais fora da caixa ou convencional. Tentar analisar o que o realizador pode querer sem perceber a energia dele, que, por um lado, também é uma desvantagem. Gosto dos dois, têm prós e contras. No festival foi a primeira, não sabia qual era o conceito de selftape.

E agora a ideia é fazer muito mais.
Já foram muitas feitas. Com a pandemia houve uma pausa no mundo inteiro, mas a partir de abril já começou a andar. Qualquer ator que faz selftapes sabe que vai ter de passar por muitas, é o costume. É só não perder a garra e desconstruir a coisa.

"Acho que existe essa pressão constante [das figuras públicas se expressarem sobre certos temas]. Acompanhei nesta altura do Black Lives Matter, e vi bullying a acontecer a certas figuras públicas que não estavam interessadas em partilhar o seu ponto de vista. Não quer dizer que seja um ponto de vista negativo."

Houve uma paragem quase total na indústria do cinema, já se começa a falar de como é que a própria indústria se vai moldar. Como é que vão ser os guiões: com ou sem toque. Já lhe chegou um guião escrito na era Covid-19? Sem beijos e abraços, digo.
Vão haver beijos e toque, isso não vai parar. Mas sim, vou agora filmar cá uma longa-metragem francesa em finais de julho, e terei de chegar lá duas semanas antes, ficar confinada no local de filmagens. Vamos todos fazer o teste. E nas datas em que não filmamos também temos de lá ficar, sem nos cruzar com pessoas de fora.

Não parece muito preocupada.
Tem de ser. Em cinema ficamos sempre confinados de certa forma, é uma equipa que se transforma numa família durante um, dois ou três meses. Às vezes uma boa família, outras não. Isto agora é só acrescentar esse costume.

Acredita que vai voltar ao ritmo anterior?
Acho que as pessoas vão voltar com muita vontade.

Trabalho não lhe falta, então.
Isso não se sabe.

Sendo que não escolheu ser atriz, queria ser o quê, afinal?
Gostava de ter sido pintora ou pianista, porque toquei muitos anos. Não aconteceu. Talvez aconteça um dia, não sei.

Mas continua a praticar as duas coisas?
Sim.

Só para si, porque não mostra, pelo menos do que vejo nas suas redes sociais.
Para mim, sim.

Falando na representação, tudo começou aos 15 anos.
Tive a sorte de receber uma bolsa da Patrícia Vasconcelos para a ACT, que é a escola dela. Já tinha trabalhado comigo na primeira curta, foi ela que me “descobriu”. Anos mais tarde ofereceu-me essa bolsa, que aceitei. Fiquei muito grata, mas rapidamente me apercebi que não conseguia conciliar o trabalho com o estudo, não tinha cérebro para aguentar tudo. E também que estava bem com o facto de não ter um curso académico de representação. Para mim, a representação é subjetiva, muito íntima, e através dos nossos instintos. Mas não estou a dizer que as escolas de representação não são necessárias.

Claro. Pergunto isto porque haverá sempre um grupo de atores que dirá que é preciso estudar a arte. Mas os métodos vão-se alterando e moldando ao longo do tempo. Os vícios da profissão também vão alterar-se?
Sim, claro. Na verdade, gostava de ir estudar, estou com essa minhoca na cabeça há uns tempos.

Mas representação?
Não, filosofia. Só ainda não dei esse passo. Acho que nunca vou ter vida para estudar numa universidade presencialmente, teria de ser online. E só existe um curso em Portugal, na Universidade Católica. E depois pensei porque não fazer um online que seja da Alemanha ou Inglaterra? Esse é um dos objetivos, sim.

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Há o tal lado alemão da sua educação. Mas e o lado artístico vem de onde?
A minha avó do Brasil foi pianista. Desde pequena que me toca o Clair de Lune do Debussy. E quando era criança fiz-lhe a promessa de lhe tocar essa música. E toquei. Cumpri a promessa. De pintura vem da minha mãe. A minha mãe punha os Pink Floyd e passava horas a pintar em óleo, ficava só a olhar. Adorava.

Esteve na Escola Alemã.
Sim, os pais da minha mãe emigraram para a Alemanha, quando era muito nova. Mais tarde viveu muitos anos no Brasil, conheceu o meu pai, e quando se mudaram para Portugal, decidiu dar essa opção aos filhos. E, hoje em dia, estou muito grata.

O que é que retirou de mais importante?
A parte do trabalho. O de não esperar, de não deixar para mais tarde quando posso fazer agora. Não ter medo de arriscar. Mas não sei se tem tanto a ver com a cultura alemã. A escola é muito boa, não faziam só uma pergunta  que estava no livro. Obrigaram as crianças a pensar e chegar mais longe. A filosofar sobre qualquer tópico.

Obrigava-a a questionar.
Sim.

Porque é que vai querer sempre reservar esse lado mais filosófico ou artístico? Sendo que mostra o tal lado mais espiritual.
Porque esse lado espiritual pode despertar a curiosidade de alguém. Agora em relação às minhas pinturas, é timidez. É meu, não faço questão que seja de mais ninguém. As pessoas que me conhecem sabem, isso já me satisfaz.

Está muito em voga a ideia de que os atores têm de se expressar sobre diferentes temas. Agora com a questão do racismo, parece que quem for uma figura pública, se não falar, está a ser complacente. O que é que acha disto?
Acho que existe essa pressão constante. Acompanhei nesta altura do Black Lives Matter, e vi bullying a acontecer a certas figuras públicas que não estavam interessadas em partilhar o seu ponto de vista. Não quer dizer que seja um ponto de vista negativo. Claro que com uma quantidade maior de seguidores temos mais espaço e oportunidade para escolhemos o que publicar. Se o quisermos fazer.

Nunca se vai sentir obrigada, se sentir que não é uma causa sua.
Precisamente. Faz sentido apoiarmos algo pelo qual tenhamos verdadeira paixão. Não quero que o holofote venha para mim. Acho que é contra produtivo as pessoas perderem tempo a julgar outras que não estão a falar de um movimento que está a acontecer quando, na verdade, movimento é o simbolismo de união. Não é para apontar dedos.

Mas acha que chegará esse momento para si?
Eu tenho causas e sei quais são. Mas sei que ainda não é a altura certa. Quero angariar todos os factos, que seja algo verdadeiro. E não só uma fotografia com um sentimento vazio. Quando acontecer será algo maior do que só uma publicação.

Neste percurso que tem vindo a fazer, e que não pára de crescer, com maior destaque, sente de alguma forma que o faz sozinha? Até por ser descrita como “promessa”…
Quando tinha 15 anos disseram-me que o caminho que estava a escolher seria de solidão. E foram palavras muito sábias, que na altura não entendia. E, hoje em dia, sim, concordo. Acho que sei lidar com isso cada vez melhor. Quando faço um projeto de cinema, desligo-me da minha vida pessoal. Não falo com ninguém. Só se for algo importante. É um caminho de solidão e daí haver tanta união entre atores e equipa. Estou aberta para isso.

Sendo pragmática, e sabendo o que quer, acha que o um dia se pode fartar da representação?
Depende, não sei se vou representar para sempre. Estou a abrir o olho para outras áreas como a escrita ou a realização. Às vezes estou em cena mas, na verdade, quero estar atrás do monitor, e quero dirigir uma pessoa. Claro que não o faço porque seria desrespeitoso. Mas definitivamente que representação não é o que me define enquanto pessoa. Se as coisas não correrem como eu idealizei, com certeza que iria sofrer, mas não me irei abaixo.

Para si as pessoas nem vão ter de saber o que a define realmente, sendo que preza a sua privacidade. Porque é necessário sempre colocarmos as pessoas em caixas.
Vai acontecer, mas está tudo bem. Estou preparada para isso.

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