A informação começou a circular ao final da tarde de quinta-feira e antecipava um verdadeiro balde de água fria para a equipa de Carlos Moedas. No dia seguinte, o semanário “Novo” ia dar à estampa a primeira (e até agora única) sondagem sobre a corrida a Lisboa: Fernando Medina quase maioritário, com 46% das intenções de voto; Carlos Moedas com 25%, bem menos do que Assunção Cristas e Teresa Leal Coelho tiveram em 2017, quase 32%.
Em poucas horas, os WhatsApp sociais-democratas entupiram-se de mensagens. Ainda antes de ser publicada, já quase meio país político sabia da sondagem de Carlos Moedas. Pouco depois, a capa do semanário (“Moedas no Bolso”) corria pelos mentideros políticos, mesmo sem ter sequer chegado às bancas. Os críticos de Rui Rio (que, nesta altura do campeonato, se confundem com os críticos de Carlos Moedas) regojizavam-se com o prenúncio de desastre. Os apoiantes de Carlos Moedas tentavam esconder a aflição com a frase batida (mas não desprovida de senso) de que “o que conta é a sondagem das urnas”.
Seja como for, nem uns, nem outros, esperavam um fosso tão grande para Medina. O partido tinha sondagens internas que apontavam para uma diferença entre Medina e Moedas de cerca de sete pontos percentuais. Nunca 10. Muito menos 20. “Foi uma tareia muito grande. Surpreendeu toda a gente e mexeu muito connosco”, assume ao Observador um dos membros da equipa que trabalha diretamente com o candidato à Câmara de Lisboa.
“Foi devastadora porque foi a primeira e porque não era essa a nossa expectativa”, concorda outra fonte envolvida na candidatura de Moedas. “Não é famosa, mas um resultado daqueles ainda sem campanha, sem equipa e sem dinheiro não é má de todo”, contrapõe um dos estrategos ouvidos pelo Observador. “Pedro Santana Lopes começou com sondagens iguais ou piores e ganhou ao João Soares”, completa.
O antigo comissário europeu vai jurando, entrevista após entrevista, que o grande objetivo é roubar a autarquia aos socialistas. No núcleo duro da campanha, no entanto, os objetivos reais são mais modestos — o mínimo olímpico é ter 33%, precisamente mais um ponto do que Cristas e Leal Coelho juntas. Acima disso é bónus. Conquistar a vitória é cenário muito difícil, mas não de todo impossível — pelo menos, a toalha ainda não foi atirada ao chão (nem podia ser).
A sondagem da Intercampus fez soar todas as campainhas: o estado de graça de Moedas, alimentado pela surpresa que a sua candidatura inicialmente causou e por ser, reconhecidamente, um dos nomes mais respeitados no partido, não está a crescer. Antes pelo contrário — é preciso gás, muito mais gás.
Operação de charme na TV; voz grossa na arena
Publicamente, Moedas desvalorizou por completo o estudo de opinião. “As sondagens dizem muito pouco daquilo que eu sinto na rua, da vontade de mudança que oiço. As pessoas estão cansadas desta governação da cidade. Quando olha para Medina, quando olha para Lisboa, não há desígnio”, comentou na ressaca da divulgação na sondagem.
Nos bastidores da campanha, a reação foi muito diferente — foi preciso arrepiar caminho e ajustar a estratégia. “Houve um certo desespero”, confessa um membro da equipa de Moedas. O primeiro e mais evidente sinal foi o ataque dirigido a Fernando Medina: à boleia das buscas realizadas na Câmara Municipal de Lisboa, Moedas convocou José Sócrates e colou o fantasma do PS ao adversário político.
E logo com duas frases politicamente assassinas: “Não são apenas os comportamentos do ex-primeiro-ministro José Sócrates que corroem o funcionamento da democracia. A suspeita em volta da atuação política na Câmara Municipal de Lisboa também corrói”, escreveu o social-democrata em comunicado.
A escolha destas 29 palavras não foi inocente. Dias antes, Medina tinha usado a mesmíssima formulação para tentar exorcizar José Sócrates. O comunicado de Moedas foi apenas o primeiro ato. Seguiu-se uma entrevista ao jornal “Público” e novo ataque ao nervo socialista. “Nunca teria a trabalhar comigo um vereador suspeito de um crime”, atirou Moedas, numa referência óbvia a Manuel Salgado.
Uma viragem de 180 graus na estratégia do homem que está, desde o dia em que apresentou a candidatura a Lisboa, a prometer que vai fazer jogo limpo e política pela positiva. Mesmo quando o PS o convocou para a comissão de inquérito ao Novo Banco, com o único propósito de o tentar “fragilizar” politicamente.
“Eu disse sempre que tínhamos de pensar numa Lisboa diferente e que esta campanha ia ser positiva. Eu sei que isso choca as pessoas, porque a política é feita de tudo o que é negativo”, queixava-se o social-democrata a 31 de março. Menos de um mês e uma sondagem depois, Moedas atirou-se à jugular de Medina sem grandes hesitações.
“Não é o estilo dele. Foi pressionado a usar a ‘cartada Sócrates’ pela equipa de comunicação e decidiu fazê-lo”, confidencia ao Observador um dos elementos da entourage de Moedas. “Não é nada dele usar esse tipo de argumentário. Mas depois daquela sondagem foi obrigado a endurecer o discurso”, concorda outra fonte próxima do candidato social-democrata à autarquia lisboeta.
Os que vão conhecendo mais intimamente Carlos Moedas alertam para o que aí vem. “Nunca o conhecerem na pele de candidato. As pessoas têm a ideia de que ele é sempre afável — e é. Por ele, não impunha este estilo. Mas o PS está a usar uma agressividade inaceitável e ele não se vai ficar. Vai começar a levantar a voz mais vezes”, garante outro indefetível.
Depois de momentos públicos menos conseguidos — o anúncio de que seria candidato feito pela voz de Rui Rio e sem uma única palavra do próprio; a recusa da Iniciativa Liberal; a referência negativa à idade de Monica Belluci; as várias notícias sobre os arranjinhos, as negociações e as tensões na coligação do PSD/CDS a Lisboa… –, a campanha de Moedas sentiu-se obrigada a refrescar a candidatura.
“Foi preciso reabilitar a imagem dele”, assume ao Observador fonte da campanha. Depois de uma passagem pelo programa de Ricardo Araújo Pereira (SIC), de uma conversa com Cristina Ferreira (TVI), seguiu-se, após a publicação da referida sondagem, uma viagem até ao “5 Para a Meia-Noite” (RTP), que ficou marcada por mais uma referência — provocada pelos entrevistadores, é certo — a José Sócrates. “Não tenho casa em Paris. O m2 é caríssimo”, sugeriu o social-democrata, engenheiro civil de formação e casado com uma francesa. Moedas começa a ir a jogo.
Máquina já fumega
De resto, a máquina do candidato já está no terreno (quase) a todo vapor. Uma máquina heteregónea, com figuras vindas do passismo, outras diretamente do aparelho social-democrata de Lisboa, gente do universo de Moedas e muitos independentes.
Carlos Oliveira, presidente da consultora Leadership, e que, tal como Moedas, ajudou a desenhar ao lado de Eduardo Catroga parte do programa de Pedro Passos Coelho, tem agora nas mãos o programa do candidato social-democrata a Lisboa. Tal como Paulo Magro da Luz, da Quadrantis Capital. Os dois são amigos de Moedas há vários anos.
De forma informal, Pedro Esteves, um dos principais assessores do eurodeputado Paulo Rangel, ajudou a arrancar com a campanha, mas o homem da candidatura para a imprensa é agora António Valle, antigo assessor de Pedro Passos Coelho.
A agência de publicidade “Mosca”, que entrou na primeira divisão da política portuguesa à boleia da Iniciativa Liberal, é a grande responsável pela comunicação de Moedas — para evitar conflitos de interesse, a empresa de Manuel Soares de Oliveira, que é também responsável pela comunicação do semanário “Novo”, abdicou de colaborar com a IL em Lisboa.
O epidemiologista Ricardo Mexia foi chamado para ser o diretor da campanha, mas é Ângelo Pereira, líder do PSD/Lisboa, quem tem a batuta. Filipe Anacoreta Correia, do CDS, tem sido a grande influência dos democratas-cristãos na campanha — ele que, sem grande surpresa, deverá ser o número dois de Moedas na corrida à autarquia.
Paulo Ribeiro, que chegou a ser líder da concelhia do PSD/Lisboa, é o homem escolhido pela direção de Rui Rio como interlocutor — tudo o que são questões de financiamento, por exemplo, são tratadas entre ele e Hugo Carneiro, secretário-geral adjunto e mandatário para as finanças nas autárquicas de 2021. É também ele quem faz a ponte com Nuno Morais Sarmento, vice-presidente do PSD e um dos grandes responsáveis por Carlos Moedas ter dito ‘sim’ ao desafio.
Para manter os equilíbrios internos do aparelho, Luís Newton, atual presidente da concelhia de Lisboa, presidente da Junta de Freguesia da Estrela e inimigo fidagal de Paulo Ribeiro, está com todo o processo de negociações para as juntas de freguesia. Como profundo conhecedor dos corredores de poder da capital, Newton está a conduzir e a planear todas as incursões de Moedas no terreno.
António Prôa, João Pedro Costa e Carlos Reis, os três ligados ao universo social-democrata na Câmara de Lisboa, estão a ajudar no programa, tal como Tomás Silveira, da consultora McKinsey & Company, formado na INSEAD e tido como um jovem quadro muito promissor.
Mais discreto, Hugo Carvalho, deputado e uma das apostas de Rio para a renovação do partido, está a ajudar na comunicação digital. Já João Montenegro, secretário-geral-adjunto do PSD e outrora um dos homens fortes do passismo, faz a ponte com os restantes partidos da coligação.
Sábios independentes vão juntar-se ao barco
Nas próximas semanas, Carlos Moedas deverá apresentar um conselho de independentes que se vai juntar à campanha do social-democrata. Alguns deles já estão a trabalhar ativamente no programa do candidato, como é o caso de Laurinda Alves, jornalista, escritora e professora universitária, que está a dar contributos na área social, ou do virologista Pedro Simas, que foi convidado para para desenhar um futuro plano de contingência epidémica para Lisboa.
É expectável que se venham a juntar mais nomes a esta lista, a ser revelada em breve. E é igualmente provável que alguns deles venham a ser convidados para integrarem o elenco de candidatos a vereadores. Moedas tentará fechar em breve a equipa de independentes que o acompanhará na campanha.
O social-democrata sabe que o PS vai ripostar. “A máquina de Fernando Medina vai agarrar-se com unhas e dentes à Câmara. Vão bombardear a nossa campanha com casos e casinhos e arranjar temas para nos fragilizar”, antecipa um elemento da comitiva de Moedas. A candidatura do antigo comissário está pronta para cerrar fileiras.
Contar com o desgaste de Medina… e com a ajuda do PS
O programa do candidato está a ser ultimado ao detalhe. O objetivo é ter um conjunto de propostas facilmente identificáveis, construir uma alternativa evidente, sinalizar bem as fragilidades de Fernando Medina e transformar tudo numa estratégia de combate ao socialista.
Na cabeça dos mais próximos de Moedas, apesar das sondagens e de uma certa apatia sentida nas ruas, Medina continua a ser perfeitamente batível. O mais importante, para a equipa do social-democrata, é esperar que o incumbente cometa erros — e capitalizar a partir daí. O cansaço acumulado com a gestão socialista e os efeitos da crise pandémica na economia farão o resto, deseja-se na coligação.
Isso e outro fator menos claro: entre os homens de Moedas, há quem acredite que Fernando Medina vai ser vítima do próprio PS, onde há muito se alimenta a guerra pouco discreta pela sucessão de António Costa. Um mau resultado de Medina seria o seguro de vida para outras figuras que se perfilam para suceder ao líder socialista; nessa equação, Moedas podia ser o prémio de lotaria dos adversários internos de Medina.
Não que Moedas não se possa queixar do mesmo — e queixa-se. Para a equipa do antigo secretário de Estado, fora e dentro do partido, na política e na comunicação social, há figuras da “direita caracacá” a torcer para que falhe. Em parte, desconfia-se porquê: um mau resultado de Moedas será um mau resultado de Rui Rio; e o futuro do PS não é o único que está em jogo nestas autárquicas.
E depois de Lisboa?
O certo é que a vitória contra Fernando Medina está longe de ser um dado adquirido. Bem pelo contrário. No inner circle do social-democrata há quem já aponte uma saída para Moedas em caso de derrota: liderar uma estrutura europeia para a inovação, uma ideia que lançou quando era ainda comissário, que apresentou pessoalmente a Emmanuel Macron e que foi abençoada pelo Presidente francês.
Em todo o caso, essa é apenas uma solução em cima da mesa. A rede de contactos construída pelo social-democrata na Europa não se desfaz de um dia para o outro e não faltarão caminhos alternativos em caso de hecatombe eleitoral. Tudo muito prematuro, portanto.
Para Moedas, este foi um teste que comprou para medir o que vale politicamente. Não há outra opção que não ficar perto de conseguir vencer as eleições. Vencê-las, então, seria ouro sobre azul. De todo o modo, só um resultado robusto permitirá alimentar expectativas de um dia disputar a liderança do PSD — ambição que nunca negou.
Em que momento é que se vai chegar à frente é toda uma outra questão. No cenário mais simples, Moedas tem um resultado mais do que honroso, ganha fôlego nestas autárquicas e confirma o seu estatuto como trunfo incontornável no PSD. Rio, por contágio positivo, consegue sobreviver para contar a história e ganha o direito a disputar novas eleições legislativas, igualmente difíceis de ganhar pelo PSD. O pós-Rio só começaria a ser verdadeiramente a ser jogado em 2023.
No cenário mais complexo, Rio falha em toda a linha nas autárquicas e cai às mãos do partido — ou bate com a porta e entrega o PSD a quem quiser aparecer. Em teoria, se um eventual desempenho negativo de Moedas não fosse determinante no score eleitoral dessas autárquicas, abrir-se-ia um espaço político para Moedas já em janeiro de 2022, altura em que se realizam eleições internas no PSD.
Como contava aqui o Observador, há quem, dentro do núcleo duro de Rui Rio, considere como possível esse cenário e olhe para Moedas como campeão do rioísmo — por oposição a Paulo Rangel, que desiludiu parte do aparelho social-democrata ao pôr-se fora do combate autárquico. Moedas não quer sequer pensar nessas contas. A primeira missão é outra: enfrentar as próximas autárquicas e sair vivo politicamente. Depois, logo se vê.