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FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

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Álvaro Covões: "Se calhar 80% das pessoas que estão no Governo acamparam num festival do qual fiz parte"

O NOS Alive começa na quinta-feira. O promotor fala dos acessos ao festival, reflete sobre o mercado dos grandes eventos e reclama por mais investimento na cultura. Entrevista com Álvaro Covões.

Está prestes a arrancar a 15.ª edição do NOS Alive. O festival regressa ao Passeio Marítimo de Algés entre quinta-feira, 6 de julho, e sábado, dia 8. Este ano, alguns dos principais cabeças de cartaz são Red Hot Chili Peppers, Sam Smith, Queens of the Stone Age, Arctic Monkeys, Lil Nas X, Lizzo e The Black Keys.

O diretor do evento, Álvaro Covões, explica ao Observador que a única mudança significativa no recinto para esta edição é a zona do palco Coreto — que este ano recebe artistas como Iolanda, Berlok, Inês Marques Lucas, Homem em Catarse, Trafulha, Peculiar, Sónia Trópicos, Rita Onofre, Juana na Rap, Helena Guedes ou y.azz. “O Coreto agora está numa posição oposta, de costas para o rio. Assim fica com uma área mais simpática, mais desafogada, com muito mais condições para ser cada vez mais uma área de lazer para quem nos visita.”

De resto, argumenta, o melhor é manter tudo como costuma estar para criar uma sensação de familiaridade. “Quando vamos a um supermercado, estamos habituados a encontrar a água ou a cerveja no mesmo corredor. O festival recebe dois tipos de festivaleiros: aqueles que já vieram e aqueles que vêm pela primeira vez. E é muito importante para aqueles que já vieram que saibam onde cada palco está, onde é que são as casas de banho… Portanto, as alterações são mínimas.”

Com capacidade para cerca de 55 mil pessoas por dia, o festival que começou em 2007 — na altura com o nome Optimus Alive — há vários anos que chegou ao potencial máximo daquele recinto. Álvaro Covões revela não ter ambições para transformar o evento ou fazê-lo evoluir noutra direção, explicando que o “grande desafio” é “manter a qualidade”. “O NOS Alive está na lista dos melhores festivais da Europa e do mundo, portanto, o que é que queremos mais? Foi um projeto muito desafiante porque foi aquele festival que teve como objetivo impor-se como um dos principais internacionais e acho que conseguimos. Aliás, a grande dificuldade é manter. É como nos restaurantes. Quando são muito bons e aclamados pela crítica, a dificuldade é manter. Não se pretende ser outra coisa. Portanto, o desafio todos os anos é fazermos o melhor cartaz.”

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Arctic Monkeys, Lizzo, Queens of the Stone Age e Sam Smith são alguns dos cabeças de cartaz da edição deste ano do festival

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Além dos principais nomes de cada dia, Álvaro Covões aponta que gostaria de não perder os concertos de artistas como Yendry, Rüfüs Du Sol, King Princess ou Angel Olsen. “Queria ver tudo, mas cada vez consigo menos.” E mostra-se algo estupefacto com as pessoas que chegam tarde ao recinto, só conseguindo assistir às atuações mais tardias. “O que me faz confusão é as pessoas comprarem bilhetes e às vezes vemo-las chegar às oito ou às nove da noite… E isto começou às cinco horas, com concertos fabulosos. Como é que alguém pode chegar depois de King Princess ou Angel Olsen? As pessoas deveriam rentabilizar o valor que pagaram.”

A pensar no desgaste habitual do terceiro dia de festival, para todos aqueles que compram o passe geral do NOS Alive e que muitas vezes chegam com “sacrifício” e “estourados” ao último dia, este ano a promotora Everything is New disponibilizou pela primeira vez passes de dois dias. “Assim, damos às pessoas a oportunidade de escolher.”

O mercado dos festivais em Portugal

Num país que tem cada vez mais festivais de música — em média, o mês de julho regista mais de um grande evento musical por dia — questionamos Álvaro Covões sobre se teria interesse em concretizar outro festival, tendo em conta que o NOS Alive chegou há vários anos ao seu potencial máximo e que a Everything is New se mantém como uma das grandes promotoras de eventos culturais em Portugal.

“Fiz parte da origem dos festivais e de facto os festivais mudaram o país. Não sei se para melhor ou pior, mas olhamos para o Governo e se calhar 80% das pessoas que lá estão acamparam num festival do qual fiz parte. Agora, para fazer outro festival teria de ser uma coisa diferente. É preciso tempo, era preciso vivermos num país… Agora que vamos comemorar os 50 anos do 25 de Abril devíamos refletir muito sobre isto: há muita gente que não tem poder de compra para comprar um bilhete para um festival. Ao fim de 50 anos, como é possível ainda haver tantos pobres?”, questiona, apontando a “falta de mercado” para tantos eventos.

Ainda assim, contrapõe, acredita haver sempre consumidores interessados. “A sociedade move-se em bloco. Quando há crise, os que têm mais poder de compra, que se calhar passavam um fim de semana em Londres ou Paris, ficam por cá. E vão jantar, beber um copo, vão a um espetáculo. Felizmente ainda há consumidores. O problema é que há pessoas que não conseguem chegar a esse patamar de poder comprar.”

“O português gosta de pôr o carro à porta e sair sem uma única fila. Quando vamos lá fora a um evento de 50 ou 60 mil pessoas, é evidente que andamos não sei quanto tempo a pé e que andamos no meio de uma multidão. Porque não temos um táxi à porta para ir para casa. Curiosamente, os que fazem barulho são os portugueses, não são os estrangeiros, porque para eles é normal."

Para Álvaro Covões, o problema estrutural da pobreza em Portugal também é alimentado pela falta de hábitos culturais. “A Comissão Europeia há muitos anos que aponta nesse sentido nos estudos que faz sobre os hábitos culturais… É uma coisa que tem sido falada, que serviu para debatermos o IVA da cultura com os partidos e o governo, mas nunca teve grande expressão na comunicação social. Foi preciso a Gulbenkian encomendar um estudo para ficar tudo de boca aberta: afinal Portugal é o país que tem os hábitos culturais mais baixos da Europa. Esse estudo saiu há pouco mais de um ano e nenhum político levantou a bandeira de ‘vamos ter que mudar isto’. E isto não é um problema do governo, é um problema do regime. Ninguém quer saber. E isto é triste até porque não há dúvida nenhuma que existe uma correlação entre hábitos culturais e criação de riqueza. Não é preciso tirar nenhum curso para entender que, se aumentarmos os hábitos culturais de uma população, ela vai criar mais riqueza, porque vai ser mais feliz, mais desenvolvida. A cultura liberta. Por isso é que os hábitos de leitura são importantes. Costuma dizer-se que um povo culto é um povo que questiona. E os portugueses pouco questionam.”

O promotor diz sentir-se “realizado” com o NOS Alive e os outros projetos da empresa, e que se fizesse outro festival seria dedicado à ópera e música clássica. “Mas se a malta nem vai ver uma companhia de dança moderna…”, lamenta, para depois acrescentar que o público internacional tem sido fulcral para colmatar a falta de poder de compra dos portugueses. “Antes, os festivais não esgotavam em Portugal. Fomos o primeiro festival a esgotar um dia com dois meses de antecedência. Isso era uma coisa que não existia. E conseguimos isso também com a ajuda dos estrangeiros. Porque somos um país pequeno: se tirarmos os mais velhos, os mais novos e aqueles que até poderiam vir mas não têm como comprar… E não têm como comprar isto e muitas outras coisas que gostariam de fazer, e deveriam poder viver com dignidade. Portugal tem mais de dois milhões de pobres. E depois vemos os políticos na televisão todos contentes.”

As críticas sobre os acessos ao recinto do NOS Alive

Ao longo dos últimos anos, o Passeio Marítimo de Algés tem sido cada vez mais usado pela Everything is New para receber outros grandes concertos, fora do âmbito do NOS Alive. Só no último mês atuaram ali The Weeknd, Maroon 5, Def Leppard e Mötley Crüe. A 18 de julho, pouco mais de uma semana após o Alive, será a vez de Harry Styles.

"Fiz parte da origem dos festivais e de facto os festivais mudaram o país. Agora, para fazer outro festival teria de ser uma coisa diferente"

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Uma das principais críticas apontadas pelo público em relação a este recinto está relacionada com os acessos. Com a linha do comboio tão perto, por uma questão de segurança é necessário encerrar o túnel da estação de Algés, o que obriga as milhares de pessoas a terem de dar a volta através do viaduto para chegarem ao outro lado da linha do comboio. Mesmo dando a volta, depois não é simples apanhar um táxi ou garantir um lugar no comboio. A zona também não é de fácil estacionamento. Álvaro Covões diz compreender as críticas, mas aponta o problema para as entidades públicas. O Passeio Marítimo de Algés fica no concelho de Oeiras, mas na fronteira com Lisboa. O espaço pertence ao Porto de Lisboa e ainda existe a jurisdição das juntas de freguesia e do governo central.

“Estou à vontade até porque tenho uma simpatia pelo Carlos Moedas, mas todos eles prometem o mesmo: vamos aproximar a cidade do rio. Mas a última passagem pedonal feita pela autarquia foi pelo [Nuno Krus] Abecasis. Se temos ali a linha do comboio, teríamos de planificar isto. Enterramos a linha do comboio? Acho que perdemos uma oportunidade de terminar o comboio em Alcântara porque enfiaram ali um hospital, numa zona de cheias, o que é fantástico. Era a única zona onde se poderia fazer um interposto de comboios, ainda por cima com a ligação a Alcântara-Terra. Como não vamos enterrar a linha, deveríamos ter um plano de pontes pedonais.”

O promotor do NOS Alive adianta que a Câmara Municipal de Oeiras, que é parceira do festival, “tem um projeto para essas pontes pedonais”. Alegadamente, não avançou ainda porque entretanto aconteceu a pandemia da Covid-19, embora a Everything is New continue a insistir na importância dessas estruturas. “Agora, ali a Docapesca vai ser desenvolvida, o projeto até foi ganho pelo arquiteto Manuel Salgado. Mas como é que as pessoas chegam lá? Porque isto não é só dos eventos, os cidadãos no dia a dia também quase não têm acesso ao rio.”

“Neste momento, [a venda da Altice Arena à Live Nation] está na Autoridade da Concorrência, a entidade que avalia as regras do mercado livre. Portanto, temos de esperar para ver o que é que eles dizem. Só perante a conclusão deles é que poderei opinar."

Ainda assim, Álvaro Covões diz que o público português está mal habituado. “O português gosta de pôr o carro à porta e sair sem uma única fila. Quando vamos lá fora a um evento de 50 ou 60 mil pessoas, é evidente que andamos não sei quanto tempo a pé e que andamos no meio de uma multidão. Porque não temos um táxi à porta para ir para casa. Curiosamente, os que fazem barulho são os portugueses, não são os estrangeiros, porque para eles é normal. Já sabem que vêm a um evento e depois terão de andar três ou quatro quilómetros a pé. E o viaduto tem apenas um quilómetro e tal, mesmo que pareça mais.”

Dos transportes ao ambiente nos grandes eventos

Este ano, a dificuldade nos acessos promete ser ainda maior. De acordo com Álvaro Covões, a CP — Comboios de Portugal emitiu um pré-aviso de greve para os dias do NOS Alive e do concerto de Harry Styles que está marcado para 18 de julho. “Estamos agora a reforçar com a Carris, a falar com as autoridades, mas este é o país que temos, os direitos são só para alguns. A CP está em greve desde janeiro, é estranho. Não conheço a greve, provavelmente têm toda a razão do mundo, mas 99% das greves são do setor público, está algo profundamente errado neste país.”

O promotor do NOS Alive fala mesmo num “problema de segurança” motivado pela dificuldade em escoar o público. “Temos de tirar as pessoas daqui, não é? O comboio é um elemento fundamental. Portanto, isso preocupa-me muito. Evidentemente que as pessoas têm direito à greve e é importante que os trabalhadores tenham os seus direitos, mas também tem que haver um ponto final, uma forma de equilíbrio.”

No NOS Alive, as pessoas de mobilidade condicionada têm acesso a zonas específicas para assistirem aos concertos em segurança e conforto. Porém, também podem não se ficar por estas áreas exclusivas. “O importante é terem como chegar e sair. De resto, têm todo o direito em estar no meio da plateia, com os amigos, como qualquer festivaleiro.” O diretor do festival aponta, contudo, que as dificuldades de mobilidade também se sentem no acesso ao recinto — já que uma pessoa que circula de cadeira de rodas necessita de ajuda para entrar ou sair de um comboio e que a maior parte das pontes pedonais não estão preparadas para o público de mobilidade condicionada.

"Antes, os festivais não esgotavam em Portugal. Fomos o primeiro festival a esgotar um dia com dois meses de antecedência. Isso era uma coisa que não existia"

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Sobre a língua gestual nos concertos, medida implementada nos espetáculos dos Coldplay em Coimbra mas que não haverá no NOS Alive, Covões assume não ter uma opinião “definitivamente formada”. “Nos Coldplay estava a olhar e a pensar, mas não sei até que ponto… Se eles não ouvem, não sei. Porque estamos a falar de surdos-mudos, que não ouvem, só sentem. Mas pode ser relevante.”

A grande medida ambiental na edição deste ano é que todos os operadores presentes no evento irão recolher o lixo orgânico para o entregar à autarquia, que irá usar esses resíduos para compostagem, para que depois possa ser transformado noutra coisa. “Estamos a estimar ultrapassar as 60 toneladas, vai ser a nossa coqueluche este ano, aproveitar este lixo orgânico.”

O negócio da Live Nation

Em abril, chegou a notícia de que a Live Nation, empresa norte-americana líder mundial na área dos espetáculos, e que já tem co-produzido eventos em Portugal, iria adquirir a promotora portuguesa Ritmos e Blues e uma participação significativa do Arena Atlântico, o consórcio que gere a Altice Arena, do qual Luís Montez faz parte, assumindo assim o controlo da maior sala de espetáculos do país.

Em entrevista ao Observador, Luís Montez garantiu ser uma “boa notícia” para todo o país e em especial para o setor cultural, frisando que as salas operadas por outras entidades — como o Coliseu dos Recreios e o Campo Pequeno, geridos por Álvaro Covões — também iriam beneficiar do facto de a Live Nation querer tornar Portugal no início de todas as tours europeias.

Questionado pelo Observador, Álvaro Covões recusou-se a comentar o assunto. “Neste momento, está na Autoridade da Concorrência, a entidade que avalia as regras do mercado livre. Portanto, temos de esperar para ver o que é que eles dizem. Só perante a conclusão deles é que poderei opinar. É como no futebol: já sabemos quem é que foi selecionado, mas não vale a pena dizer que não concordo que o Cristiano Ronaldo não tenha sido chamado se depois ganhamos 10-0. Temos que esperar para ver o que a autoridade vai dizer.”

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