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Em Espanha todos o conhecem como "O Chef do Mar" e a sua obsessão assim o justifica.
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Em Espanha todos o conhecem como "O Chef do Mar" e a sua obsessão assim o justifica.

Álvaro Fernández Prieto

Em Espanha todos o conhecem como "O Chef do Mar" e a sua obsessão assim o justifica.

Álvaro Fernández Prieto

Angel León. Este chef espanhol descobriu o "arroz do mar" que pode mudar o mundo

Depois três anos de secretismo, Angel León e sua equipa fizeram uma descoberta revolucionária: numa erva marinha esconde-se um novo superalimento. Ao Observador o chef explicou tudo sobre a novidade.

É uma história de vida como a de muitos outros chefs de cozinha. Angel León era uma criança agitada, com dificuldades de concentração, pouco sucesso na escola e uma aptidão natural para se meter em sarilhos. Nascido e criado na Andaluzia, na cidade costeira de Cádiz, Angel provavelmente nunca teria imaginado que viria a ser um dos cozinheiros mais relevantes da atualidade graças ao seu restaurante inovador Aponiente, muito menos que seria o responsável por uma descoberta que pode vir a mudar o mundo, o “arroz do mar”. Não tinha dúvidas, porém, que o que o destino lhe reservasse teria de ter sempre o mar como ponto central.

“Desde muito pequeno que o mar se tornou a minha obsessão”, explica ao Observador via telefone. Passaram poucos dias desde que a norte-americana Time publicou uma extensa reportagem sobre a sua descoberta, o novo super alimento que nasce de umas simples algas. Nota-se pela sua voz que ainda está entusiasmado com tudo isso. “Talvez fosse um sítio onde a fantasia era absolutamente possível. Na terra reina a realidade, tudo é certo e a fantasia nem sempre é aceite. Enquanto miúdo tinha o mar como uma referência absoluta por ser uma folha em branco à disposição da imaginação”, conta o chef.

É precisamente a fantasia e o desconhecido que desde cedo começaram a pautar o trabalho deste cozinheiro, um dos poucos génios criativos da gastronomia mundial que não saiu dos corredores do mítico elBulli, de Ferran Adriá. Como um velho lobo do mar, Angel foi fazendo sempre o seu caminho rumo ao desconhecido: formou as bases na escola de hotelaria em Sevilha, onde passou três anos, e seguiu para França, onde trabalhou, por exemplo, no famoso Le Chapon Fin, em Bordéus, corria o ano de 1996.  Daí seguiram-se passagens por Sevilha, de novo, Toledo e até Buenos Aires. Em 2007, finalmente, abriu portas do seu Aponiente — e a aventura ganhou outra dimensão.

Angel León (o único que está em pé) trabalha há vários anos com uma equipa de investigadores em permanência.

Álvaro Fernández Prieto

O cocktail que brilha no escuro e o “frankenfish”

“Sempre acreditei que o mar estava muito subvalorizado, que só comemos as coisas mais óbvias, o peixe. Basta ver: a água ocupa 3/4 da terra mas mesmo assim vivemos num planeta que se chama… terra. [risos] É um pouco surreal. Porque não chamar-lhe antes o planeta água?”, diz Angel ao Observador. Esta faceta inconformista é característica do trabalho deste chef desde o início, sentindo sempre a necessidade de questionar tudo. Hoje é muito comum ouvir cozinheiros de todo o mundo a falarem da valorização de espécies menos populares, por exemplo, mas em 2007, quando Angel assumiu isso como mantra, a aposta em espécies como a moreia, krill (minúsculos crustáceos presentes no zooplâncton) ou a cavala em contexto de fine dining não correu muito bem.

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Os primeiros três anos do Aponiente foram difíceis, com poucos clientes e com Angel a temer pelo seu projeto. Estaria demasiado na vanguarda perante aquilo que o público procurava? Provavelmente. A carreira de grandes cozinheiros inovadores tem sempre este contratempo (veja-se o caso do italiano Massimo Bottura, por exemplo, que esteve quase a ver falir a sua Osteria Francescana antes de ser classificado por duas vezes como o melhor restaurante do mundo). Felizmente a maré foi mudando e aos poucos Angel foi ganhando popularidade — e com isso mais arrojo para mergulhar a fundo no “seu” mar. Foi uma questão de tempo até o Aponiente tornar-se no primeiro restaurante na Andaluzia com três estrelas Michelin (a primeira em 2010, a segunda em 2014 e a terceira em 2017).

[A “luz do mar” que o Angel León conseguiu trazer à superfície e servir aos seus clientes]

“Quando digo que o mar me salvou é no sentido que me permitiu perceber que a cozinha não tem de ser só um trabalho onde simplesmente alimentas alguém. Entendo que o mar me tenha dado uma visão da cozinha, da alimentação, da relação com os clientes onde se tenta transmitir coisas quase transcendentes. Tentar dar mais do que simples alimentos, fazer-lhes abrir a boca, claro, mas também a mente”, explica. Tudo isto materializa-se no trabalho de pesquisa e investigação que foram fazendo parte dos menus que apresentava. Em 2008, por exemplo, uniu dois lombos de peixes diferentes com colagénio e serviu aos seus clientes. Descobriu que olhos de peixe, quando cozinhados a 55º num termocirculador, vêm a sua gelatina ceder e transformam-se num ótimo espessante natural para molhos e caldos. Que robalo pode ser transformado numa espécie de mortadela, que mexilhões podem dar origem a uma morcela do mar, que a cabeça de um atum pode ser transformada num decadente ossobuco e que pedaços bioluminescentes de uma espécie de caranguejo pode dar origem a um cocktail que brilha no escuro.

Tudo isto são exemplo daquilo que é a cozinha de Angel León e do impacto que a ciência e a inovação têm no seu trabalho. O próprio fala recorrentemente no sonho de “um jardim aquático”, uma “uma espécie de horta ou campo de cultivo que consiga gerar frutas, tubérculos, verduras” e agora, claro, os seus bagos marinhos.

O chef espanhol com um punhado de 'zostera marina' na mão. É desta planta aquática que é extraído o "arroz do mar". Álvaro Fernández Prieto

Olhar para a natureza, com fome

Lado a lado com o seu restaurante, Angel foi mantendo sempre uma equipa de Investigação e Desenvolvimento composta por especialistas de várias áreas, da biologia à cozinha, “que acreditam que ainda há quase tudo por descobrir, no que ao mar diz respeito”. Foi graças ao trabalho deste I+D, como se costuma dizer, que conseguiu domar o fitoplâncton e torná-lo comestível e acessível ao sem fim de cozinheiros que hoje usam este ingrediente nos seus pratos, por exemplo. León sintetiza o objetivo deste departamento na simples procura de novas coisas para comer —  “o que nós temos vindo a fazer há muito tempo é descobrir novos alimentos”, explica. Foi há cerca de três anos, porém, que “apareceram coisas que jamais pensámos encontrar”.

O nome “Zostera Marina” pode não dizer grande coisa à maioria das pessoas mas se tudo correr bem, nos próximos tempos pode vir a ser algo muito mais mencionado mundialmente. É desta espécie de “relva marinha”, como Angel a descreve, que se extrai uns organismos muito semelhantes ao arroz que todos conhecemos. Uma espécie de bago que ninguém nunca tinha visto, os “grãos do mar”.

“Descobrimos esta planta no Atlântico, numa das expedições subaquáticas que costumamos fazer, e trouxémo-la para um estuário, um marisma [espécie de pântano salgado]”, conta o chef.  Basicamente trata-se de umas folhas verdes compridas que proliferam em zonas costeiras onde a salinidade e a temperatura da água permitem a sua existência. É dentro destes organismos que mora a descoberta que o chef e a sua equipa classificam como um novo “super-alimento”, isto porque nos últimos três anos de estudo conseguiram perceber que estes bagos têm uma grande riqueza nutricional, fibra e Omega-3 em abundância e até são totalmente livres de glúten. Mas há mais: esta zostera marina, enquanto planta aquática, tem uma capacidade impressionante não só de criar biomas riquíssimos mas também absorve CO2 em quantidades consideráveis. No artigo da Time sobre esta descoberta lê-se que um “prado” deste tipo de erva marinha consegue absorver até 35 vezes mais dióxido de carbono da atmosfera do que uma área de floresta tropical de tamanho semelhante.

São estes bagos que se retiram da erva aquática 'zostera marina'. Depois de secos transforma-se numa espécie de arroz que também pode virar farinha. D.R.

Mais que tudo isso, o facto de ser possível encontrar esta espécie em todo o mundo traz os expectáveis benefícios ambientais como o facto de poder tornar-se numa fonte de alimento sustentável, resistente e universal. O mais difícil? Conseguir plantá-la e não apenas explorar as que já existem. Foi isso mesmo que Angel e a sua equipa conseguiram também fazer. “Não nos podemos esquecer de que estamos a falar de um tipo de grão primitivo, que nunca tinha sido ‘tocado’ pelo ser humano, estava em bruto”, refere. Isto significa que outro dos trabalhos realizados quase em secretismo envolveu “um longo processo de estudo, de seleção de sementes, de perceber quais os melhores sítios para ela se reproduzir”.  É quase como a exploração espacial –“Foi trabalhar sempre no desconhecido”, conta.

Pão do mar? Massa do mar? As possibilidades são infinitas

No meio de isto tudo havia uma pergunta inevitável: “Como é que em todo o mundo há centenas, se não milhares, de biólogos e cientistas a estudar o mar e foi um cozinheiro, de certa forma, a dar com isto?” Angel ri-se: “Acho que conseguimos olhar para a natureza com muita fome [risos]. Isso foi essencial…”, remata.

“Para mim isto é sobretudo o vislumbrar de um caminho. De um caminho rumo a uma nova forma de ler o mar, de entender que há alimentos fascinantes por descobrir”, conta o chef. O sucesso que ele e a sua equipa tiveram na plantação desta zostera marina é uma vitória brutal em termos científicos mas o seu aspeto alimentar não fica atrás. “Conseguimos extrair 4500kg por hectare marinho”, conta, e o facto de o cultivo acontecer em água salgada (as primeiras “hortas” foram montadas em antigas salinas, em Cádiz) e não em água doce, ao contrário do arroz normal, por exemplo, não é indiferente. Pode parecer um pormenor mas esta característica significa que em 97% dos corpos de água do planeta passa a ser possível cultivar esta espécie marítima, não tocando nos 3% de água doce que já começa a escassear. Resumindo: é possível plantar muito e em muitos sítios, não se gasta água potável para o fazer, gera-se biodiversidade, capta-se CO2 e cria-se um alimento saudável. Pode ser uma possível solução para acabar com a fome no mundo? Talvez, mas calma.

Cada hectare marítimo desta planta consegue produzir cerca de 4,5 toneladas destes bagos do mar.

Álvaro Fernández Prieto

Angel explica que apesar de já terem conseguido domar o cultivo desta zostera e de até já terem recolhido duas colheitas deste arroz do mar, esta é uma planta “que se pode lançar em várias partes do mundo, dependendo da temperatura da água, por exemplo” mas “ainda há muito por aprender, muita coisa ainda por evoluir e, sobretudo, por investigar.” Por enquanto o chef está focado nos “600 quilómetros de marismas abandonados” na Andaluzia que podem vir a ser transformados nestes “canteiros”. Nunca tira, porém, os olhos do futuro. O impacto da Covid-19, por exemplo, “foi muito negativo” mas não o impediu de continuar a trabalhar. “Felizmente as plantas estão bem, continuam a crescer e já temos as novas colheitas debaixo de olho. Cada vez atraímos mais biólogos, cientistas e isso era o que pretendíamos”, revela. Enquanto o futuro não vem Angel vai também fazendo aquilo que sabe melhor, cozinhar. Ao Observador explica que sendo este bago marinho muito semelhante ao arroz, pode ser transformado em tudo aquilo que já se faz com esse alimento: “Podemos utilizá-lo só como arroz, podemos transformar em farinha, fazer massa, apostar na panificação… Possibilidades não faltam!” 

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