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Miguel A.Lopes/LUSA

Miguel A.Lopes/LUSA

Antes de Ricardo Salgado, três outros banqueiros arguidos

Para lá de Ricardo Salgado: Oliveira e Costa à frente do BPN, Jardim Gonçalves do BCP e João Rendeiro do BPP. Uma teia de processos-crime que continuam sem fim à vista nos tribunais.

O BPN DE OLIVEIRA COSTA

Foi um “self made man”. Começou a trabalhar aos 15 anos como empregado num escritório, em Aveiro, mas José Oliveira Costa sempre ambicionou mais. Continuou a estudar à noite e acabou mesmo por se licenciar em Economia. Foi secretário de estado das Finanças em dois governos de Cavaco Silva (entre 1985 a 1991) e introduziu uma reforma fiscal que deu origem ao IRS e ao IRC. E foi em 1997, quando o empresário Américo Amorim deixou o BPN, que Oliveira Costa lhe sucedeu.

Quem com ele lidou de perto diz que era o primeiro a entrar e o último a sair das instalações do banco. E que até o valor pago às empregadas de limpeza queria controlar. Um ano mais tarde Oliveira Costa criava a Sociedade Lusa de Negócios (SLN), uma holding destinada a agregar os investimentos não financeiros do grupo. O império cresceu durante uma década. Em fevereiro de 2008, Oliveira e Costa invocou motivos de saúde para abandonar o cargo. Daqui à nacionalização do banco e à sua prisão, passaram nove meses.

Em 2008, Miguel Cadilhe denunciou irregularidades na gestão do BPN

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O BPN já estava debaixo de olho das autoridades e tinha sido alvo de uma investigação no âmbito da “Operação Furacão”. O também ex-ministro das Finanças, Miguel Cadilhe, chegou à gestão da SLN em junho e, quatro meses depois, dava conta de vários crimes financeiros que teriam ocorrido na gestão do banco. O BPN recorreu a um crédito de 200 milhões de euros junto da Caixa Geral de Depósitos. Um mês depois, o Governo optava pela sua nacionalização. Tinha sido descoberto um buraco financeiro de 700 milhões de euros. Em agosto de 2010, o governo decidiu vender o banco. O angolano BIC comprou-o. O império SLN caiu como um baralho de cartas e arrastou consigo acionistas, empresas e clientes. Um buraco de cerca de 8 mil milhões de euros que tem entupido os tribunais de processos.

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O processo mais complexo senta no banco dos réus Oliveira Costa e 15 outros arguidos, num julgamento que começou em 2011. Só o inspetor tributário que explicou o processo em tribunal demorou 50 sessões de julgamento a fazê-lo. A acusação diz que Oliveira Costa se rodeou de um grupo de amigos para fazer da SLN um império. Para tal, comprou um banco em Cabo Verde no qual era depositado dinheiro dos clientes (mais de 400) sem que eles tivessem conhecimento.

O Banco Insular foi registado em 2000 e só em 2006 passou a ter funcionários ao balcão. Segundo a acusação, os depósittos que os clientes faziam no BPN, sob promessa de boa rentabilidade, eram depois transferidos para o BPN Cayman e para o IFI gerando, através de uma aplicação informatica, depósitos no Banco Insular. Foram ainda concedidos 537,6 milhões de euros de créditos, muitos sem garantias válidas, sob a forma de conta-corrente caucionada para contas correspondentes a offshores da SLN e à conta A1 (associada a Oliveira Costa) – créditos estes que terão servido para comprar ações do universo SLN.

O complexo processo não é o único em que Oliveira Costa é arguido. Depois de ter dito, na contestação entregue em tribunal, que sofria de cancro na próstata e de ter recusando ser o autor dos crimes abuso de confiança, burla qualificada, falsificação de documentos, branqueamento de capitais, fraude e aquisição ilícita de capitais, Oliveira Costa é ainda arguido em dois outros processos-crime – um em fase de instrução e outro que começará a ser julgado em janeiro de 2015. Entretanto pediu ao tribunal Constitucional que fosse apenas julgado uma vez, socorrendo-se da Constituição para justificar que ninguém pode ser julgado pelo mesmo crime mais que uma vez. Ainda não obteve resposta.

O BCP DE JARDIM GONÇALVES

Engenheiro civil licenciado no Porto, filho de um comerciante e de uma professora, Jorge Jardim Gonçalves nasceu no Funchal, Madeira. Por altura do 25 de abril exilou-se em Madrid, onde trabalhou no Banco Popular Espanhol. O fundador do BCP, cuja biografia foi publicada um mês depois de ter sido condenado, em junho, sentou-se no banco dos réus pelo crime de manipulação de mercado, falsificação da contabilidade e burla qualificada. O tribunal condenou-o a dois anos de cadeia, suspensos se ele pagasse 600 mil euros. Jardim Gonçalves recorreu da decisão.

“Há um caminho judicial que tenho percorrido em várias frentes. O ambiente criado em 2007 ainda não foi esclarecido”.
Jardim Gonçalves na apresentação da sua biografia “O poder do silêncio”, de Luís Osório.

Ao lado de Jardim Gonçalves e perante o coletivo de juizes, sentaram-se quatro outros administradores do banco: Filipe Pinhal, António Rodrigues e Christopher de Beck. Só este último foi absolvido. O tribunal só não deu como provado um dos crimes que constava na acusação: falsificação de documentos. De acordo com a acusação, os arguidos terão provocado um prejuízo de 600 milhões de euros ao BCP através de um esquema de manipulação de ações e recebido indevidamente 24 milhões de euros em prémios de desempenho. O escândalo rebentou em 2007, ainda antes do BPN e veio mostrar uma faceta na banca portuguesa até então desconhecida.

O processo teve origem numa queixa de um dos accionistas do banco, Joe Berardo, apresentada em Dezembro de 2007. Os suspeitos terão usados várias offshores nas ilhas Caimão para comprar e vender acções do BCP, condicionando a cotação dos títulos.

Paralelamente a este processo, o banqueiro foi ainda alvo de um processo movido pelo Banco de Portugal. Um processo que deu tantas voltas como deu que falar até março de 2013, quando o tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa deu razão a Jardim Gonçalves: os factos tinham prescrito em março de 2013. As nove contra-ordenações imputadas ao banqueiro ficaram sem efeito. Assim, o bancário viu anulada a multa de um milhão de euros e a inibição do exercício de funções bancárias durante nove anos.

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Processo a contornar limites do tempo. E entre argumentos dos vários atores judiciais e dos próprios arguidos, o Banco de Portugal viu-se obrigado a publicar uma cronologia a dar conta dos factos:

Março de 2005 – Jardim Gonçalves abandona a presidência do Conselho de Administração do BCP para ocupar funções de presidente do Conselho Geral e de Supervisão do BCP. Os restantes administradores só saem três anos depois
26 de dezembro de 2007 – Detetados pelo Banco de Portugal factos suspeitos ocorridos nos últimos anos levados a cabo “ao mais alto nível” da Administração do BCP
Dezembro de 2008 – Banco de Portugal acusa os administradores. Eles são também ouvidos no processo. Seguiu-se a realização das diligências requeridas pelos arguidos e a análise e discussão do grande volume de informação reunido no processo.
27 abril 2010 – Condenação dos diversos arguidos ao pagamento de coimas de valor entre 230 mil e um milhão de euros e, ainda, à sanção acessória de inibição para o exercício de cargos ou funções em instituições de crédito e sociedades financeiras por períodos entre três e nove anos, conforme os casos. Arguidos recorrem.
11 abril 2011– Começa o julgamento no Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa. Até julho, são realizadas 35 sessões. Os arguidos falam e são ouvidas cerca de 20 testemunhas.
1 setembro 2011 – O tribunal cancela o agendamento das testemunhas para ouvir o autor das duas denúncias apresentadas ao Banco de Portugal em 2007, sob risco da nulidade da prova. A testemunha é ouvida duas semanas depois.
7 outubro 2011 -O juiz decide considerar nulas as denúncias por “conterem informações”violadoras do segredo bancário. O Ministério Público e o Banco de Portugal recorreram.
3 julho 2012 – A Relação dá razão aos dois recorrentes, alegando que mesmo que as declarações tivessem ao abrigo do segredo bancário, não poderiam nunca impedir o Banco de Portugal de supervisionar. “A supervisão nunca é ilícita”. A Relação ordenou que o julgamento prosseguisse. Os arguidos, entre eles Jardim Gonçalves, recorreram.
27 novembro de 2012 – Relação volta a pronunciar-se e não dá razão aos arguidos. Eles recorrem para o Tribunal Constitucional. Uma decisão sumária proferida quatro meses depois rejeita os recursos. Mas os arguidos, ainda assim, insistem que seja proferido um acórdão, arrastando o processo até maio. O processo volta para o juiz que tinha declarado a nulidade do testemunho.
Outubro de 2013 – O juiz emite um despacho dando conta que fora transmitido de comarca e não podia seguir a audiência. O que obrigou a nova intervenção do Tribunal da Relação.
30 dezembro de 2013 – A Relação ordena que o julgamento fosse retomado pelo mesmo juiz que começou a julgar o processo.
26 fevereiro 2014 – O juiz considera as nove contra-ordenações por prestação de informação falsa e falsificação de contas prescritas, ilibando Jardim Gonçalves e a sua equipa de pagar um total de um milhão de euros e de nove anos de inibição de exercício de cargos semelhantes (em Portugal). O argumento:

“Tem de ser considerado extinto, desde março de 2013, o procedimento contraordenacional relativo a Jorge Jardim Gonçalves”

O juiz argumentou que “ao arguido Jorge Jardim Gonçalves, as contra-ordenações que lhe eram imputadas pelo Banco de Portugal respeitavam a um período que terminava em Março de 2005, altura em que deixou de ser Presidente do Conselho de Administração do Banco”. “Tem de ser considerado extinto, desde março de 2013, o procedimento contraordenacional relativo a Jorge Jardim Gonçalves”.

O Banco de Portugal não ficou sem resposta. E acusou o juiz de ter prorrogado o processo no tempo. “A cronologia objetiva dos factos demonstra como a prescrição foi influenciada de forma determinante pela decisão do juiz da primeira instância (…), uma interrupção do julgamento por dois anos e meio. Estes longos 30 meses de interrupção colocaram em grave risco o desfecho do processo e inutilizaram, desde já, uma parte significativa do trabalho de investigação e de prova que esteve na base da decisão do Banco de Portugal em abril de 2010, bem como agravaram o risco de prescrição relativamente aos demais factos e arguidos”, disse. O julgamento prossegue em relação às contraordenações praticadas pelos outros arguidos e que ainda não prescreveram. O engenheiro Jardim Gonçalves salvou-se.

Paralelamente à odisseia em torno da prescrição de contra-ordenações, o banqueiro foi também alvo de um processo interposto pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários. Neste, todos os arguidos foram condenados em 2010 pela divulgação de informação não verdadeira ao mercado, através do Sistema de Difusão de Informação (disponibilizado pela CMVM). Os arguidos ainda recorreram para o Tribunal da Relação, mas esta manteve a pena, reduzindo as coimas para 500 mil euros.

“Todos defendiam os seus próprios interesses e amizades”

Na sua biografia, Jardim Gonçalves não poupa críticas a outros bancários. E diz que foi vítima da concorrência. E não se inibe de apontar nomes. “Arrisco dizer que não tenho inimigos, só adversários sem escrúpulos. O que Sócrates tinha contra mim? Nada. Mas fez muito contra mim. E Constâncio? Nada tem. E contra mim o que fez? Tudo. Como Carlos Tavares, Miguel Sousa Tavares e Marcelo Rebelo de Sousa que, semanas a fio, me atacaram com uma agressividade suspeita. O que tinham contra mim? Rigorosamente, nada. Quanto ao Ricardo Salgado tratou-se tão somente de aproveitar o momento para que o BES ultrapassasse o BCP e se tornasse um banco predominante. Todos defendiam os seus próprios interesses e amizades”

O BPP DE JOÃO RENDEIRO

Assim que acabou o curso de Economia, João Rendeiro vinculou-se à Administração Pública. É mesmo de “vínculo” que fala no livro que publicou em novembro de 2008, “João Rendeiro – Testemunho de um Banqueiro”, onde confessa que apesar de banqueiro, encontrava-se em licença sem vencimento por “prazo indeterminado”. Um ano depois, era constituído arguido por causa do banco que fundou, o BPP.

João Rendeiro depois de uma das sessões de julgamento

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No mesmo livro, o banqueiro acusado de burla qualificada e agora a ser julgado, afirmou que assim que o seu projeto do Banco Privado chegasse ao fim, se dedicaria a um outro “de pequena dimensão centrado na gestão de activos”.

"No que diz respeito ao Banco Privado, a tónica é sobreviver a esta catástrofe da crise financeira, com o mínimo de dados possível. A crise não dura eternamente. Veremos quem cai, quem fica de pé e quem se transforma".
João Rendeiro, no livro "João Rendeiro - Testemunho de um Banqueiro”, de Myriam Gaspar

João Rendeiro, Fezas Vital e Paulo Guichard, ex-administradores do Banco Privado Português (BPP) foram acusados em 2013 de de burla qualificada. O processo está agora a ser julgado. Em causa, uma operação de aumento de capital de uma sociedade de veículo criada pelo BPP, a Privado Financeiras, para adquirir as ações do BCP de Jardim Gonçalves. A investigação deste processo começou em 2010 e demorou três anos a ser finalizada. O MP concluiu que Rendeiro ocultara a grave situação económica do banco para continuar a receber o salário e não perder o cargo. Ao todo, terão lesado uma centena de clientes em mais de 40 milhões de euros. O julgamento está a decorrer.

Julgamentos, Tribunal, banca, banco central
O fundador do BPP , João Rendeiro, e os ex-administradores do banco foram condenados pela insolvência do banco. O processo surgiu na sequência de um parecer da comissão liquidatária que considerou a insolvência culposa.

Corre ainda em Santarém o processo do Banco de Portugal. Em causa, o recurso apresentado por dez dos acusados pelo supervisor do sector financeiro Em Outubro de 2013, o regulador liderado por Carlos Costa aplicou coimas num valor global de cerca de 11 milhões de euros a 11 arguidos, entre os quais o BPP, Rendeiro e a Privado Holding, por práticas no banco que poderiam quebrar o regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras. Rendeiro contestou, alegando prescrição.

Numa das sessões ocorridas em junho, um instrutor do processo interposto pelo Banco de Portugal descreveu o banqueiro como “omnipresente” e “omnipotente“. Ele sabia tudo o que se passava no banco. E passou a descrever como todo o processo começou: uma carta enviada pelo BPP ao Banco de Portugal, em novembro de 2008, que referia pela primeira vez a existência de garantias de capital. Outra dando conta de conjunto de offshores.

No “retrato” genérico que fez do BPP, Ricardo Sousa, jurista, disse ainda que o administrador Paulo Guichard era “outra pessoa muito forte” e “temida”. Num segundo plano, Salvador Fezas Vital era a “ponte” com a parte operacional. O arguido Fernando Lima seria um operacional enquanto Vítor Castanheira Vítor Castanheira chega mais tarde “mas rapidamente toma conhecimento das irregularidades”. A falta de liquidez no Banco em finais dede 2008, no auge da crise financeira, levou a que o Banco de Portugal interviesse no BPP. Durante os cerca de 17 meses em que durou a intervenção do supervisor, a maior preocupação das autoridades (Governo, CMVM e Banco de Portugal) eram os clientes. Foi então criado um fundo, ao qual quase todos os clientes aderiram, para pagar aos lesados.

João Rendeiro escreve habitualmente no seu blogue pessoal e numa publicação de 29 de junho até comentou a saída de Ricardo Salgado do Grupo Espírito Santo:

“Apesar de, pessoalmente, estar muito magoado com a forma como certos elementos do GES agiram comigo e com o BPP – em contornos de envolvência política que um dia será importante conhecer – devo dizer que desejaria que os danos no GES e no BES fossem contidos o mais possível. Não tenho a menor dúvida que uma eventual implosão do GES traria – como em parte já trouxe – um enorme prejuízo para Portugal nomeadamente nas relações com o Brasil.”

O blogue de João Rendeiro

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