Depois de conhecer o Orçamento do Estado para 2025, Armindo Monteiro, o “patrão dos patrões”, defende que foi dado um “sinal positivo” às empresas com a descida de um ponto percentual do IRC, mas que é só o “ponto de partida”. Em entrevista ao Observador, o presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) critica o que diz ser a “interpretação” de alguns partidos políticos para quem “o projeto de sociedade para Portugal deve penalizar as empresas”. Esse sentimento, diz, “não vemos expresso na sociedade”. “Esta interpretação que os partidos fazem, de que é popular ser contra a redução da tributação exagerada das empresas, confesso que me surpreende”, afirma.
Sobre o IRS Jovem, concorda que “não é uma bala de prata para resolver o problema” da emigração, mas é “importante” para tentar reter os mais jovens. Discorda, porém, que sejam excluídos os jovens de rendimentos mais altos — são esses, segundo argumenta, que mais são “tentados” a sair do país. E reconhece que “pode haver um risco” de a medida fazer com que as empresas contratem jovens com um salário base mais baixo porque sabem que o valor líquido que chega ao trabalhador será maior. “É preciso vigiarmos para que não aconteça.”
Armindo Monteiro pede ainda convergências entre partidos e lamenta que o país esteja “a pagar um preço demasiado caro para assistirmos a estas coreografias políticas”. Sobre o novo acordo de concertação, diz que contém medidas que podem vir a ser “impraticáveis”, como o incentivo fiscal para as empresas que sobem salários ou o prémio de produtividade e desempenho, agora isento de IRS.
Orçamento para as empresas assenta na descida do IRC e é fiel ao acordo de rendimentos
A proposta de Orçamento do Estado para 2025 assenta em duas grandes medidas. Uma é o IRC e a descida de um ponto percentual na taxa. As empresas são uma das grandes privilegiadas neste Orçamento?
Esse ponto é muito importante porque está, sobretudo, baseado numa ideia de que a redução dos impostos sobre as empresas não é popular em Portugal. A partir do momento em que há partidos que baseiam a sua não aceitação da redução da tributação, que é reconhecido que é a mais elevada da OCDE, e ainda assim não aceitam reduzir a carga fiscal sobre as empresas, é quase um bocadinho como dizer que a tributação sobre as empresas é para remissão dos pecados das empresas, ou seja, merecem ter uma tributação elevada.
Mas essa carga fiscal é só por via do IRC que se baixa?
Não, não é só por via do IRC, mas é um sinal muito importante. Precisamos de ter a noção de que, neste momento, há investimentos que estão a ser feitos um pouco por todo o mundo e um pouco relocalizados. Alguns que estavam na Rússia ou na Ucrânia, alguns que estavam na China, com estas tensões geoestratégicas, naturalmente houve um despertar no sentido de que não podemos pôr a fábrica num outro extremo do mundo. Esses investimentos, muitos deles, estão a ser relocalizados em países bem próximos de nós.
Uma taxa de 20% traz investimento estrangeiro para Portugal?
Não traz. É precisamente esse o ponto, é que precisávamos de um sinal de que realmente somos competitivos do ponto de vista tributário. Ora, qual é o empresário que, podendo escolher um conjunto de países mais próximos até do pulmão económico, que é a Alemanha ou a Irlanda, vai escolher um país periférico como Portugal? Sobretudo porque essas multinacionais normalmente não se preocupam, não têm o foco no mercado doméstico, produzem para uma escala global.
Mas então o que o levou a assinar um acordo de rendimentos assente na descida de um ponto percentual da taxa de IRC?
É um sinal. É importante termos bem esta noção. Vivemos hoje um momento excecional. Este momento excecional exigiu da CIP uma reflexão interna muito forte e devo dizer que, depois de toda essa discussão, a decisão foi tomada por unanimidade. A direção são 45 membros, o conselho geral são 71. E, ainda assim, esta decisão foi tomada por unanimidade, no sentido de darmos um sinal de compromisso para o início de uma solução. Ou seja, entendemos que isto é um ponto de partida, não é um ponto de chegada.
Mas foi-lhe prometido que iria descer mais ao longo da legislatura? Ou seja, foi-lhe garantido por Luís Montenegro que não ia ficar pela descida para 20%?
Aquilo que está no plano do Governo era descer até 2027. O que foi pedido aos parceiros sociais foi uma formulação deste ponto no acordo de valorização salarial e crescimento económico e os membros da concertação social, que subscreveram o documento, entenderam que deviam aceitar uma formulação suficientemente ampla para conseguir obter em sede parlamentar um compromisso que fosse viável. Ou seja, se o Governo prometesse determinada redução que depois não pudesse cumprir em sede parlamentar, naturalmente o acordo morria logo ali. E por isso aquilo que aceitámos foi uma definição bastante ampla para conseguirmos acomodar, todos, um objetivo de início da redução, mas que não comprometesse essa negociação.
Não sente que os parceiros sociais podem ter sido “usados” para o Governo tentar convencer o PS a aprovar o orçamento?
Não, até pelo contrário, porque se se tivesse mantido a formulação inicial — que estabelecia que em 2025 ia reduzir 2 pontos percentuais —, aí sim, aí o Governo iria levar para a mesa de negociação com o parceiro político um acordo em que dizia: já tenho este acordo com parceiros sociais, tenho aqui agora uma latitude negocial mais reduzida. Pelo contrário, o Governo pediu que os parceiros concedessem essa latitude precisamente para encontrar em sede parlamentar uma solução. E os parceiros sociais entenderam isso e concederam-na.
No caso da CIP, demoraram algumas horas a anunciar que iriam subscrever o acordo. Por que é que foi até à última, até à noite da véspera da assinatura?
Foi exatamente porque havia dois pontos que achávamos que não faziam sentido. Este acordo não é um acordo apenas de valorização salarial. Se fosse apenas um acordo de valorização salarial, as medidas estão lá para o salário mínimo, para o salário médio, para o conjunto de salários em Portugal, isso estaria resolvido. Mas aquele acordo chama-se valorização salarial e crescimento da economia. Ora, na parte do pilar de crescimento da economia, não temos medidas suficientemente fortes para permitir fazer essa transformação que é urgente.
Mas mesmo assim assinou.
Por isso propusemos, então, dois pontos que foram incluídos à última da hora. Um ponto é o ponto número 17, que estabelece como objetivo atingirmos 75% do referencial médio de produtividade na Europa.
E há medidas para atingir esse objetivo?
Não e é por isso que acrescentámos o ponto 18. Não havendo tempo de se definirem, ali, então está no ponto 18 definido que no prazo de 45 dias é criado um grupo de trabalho — eu sei que a palavra está gasta, mas esta medida é muito concreta — que irá apresentar um conjunto de propostas. Estas propostas não têm apenas a ver com pacotes financeiros, isto está tudo muito gasto. São medidas concretas que permitam, efetivamente, darmos este salto quântico na parte económica. Neste momento há investimentos que não estão a acontecer em Portugal, e é preciso dizê-lo publicamente, porque não há capacidade de decisão em tempo útil. Há projetos que fogem de Portugal quando os investidores se apercebem que não vão ter uma resposta inferior a um ano. Tempo é dinheiro, para os empresários mais ainda. Um projeto pode ser viável hoje…
Ouça aqui a entrevista na integra em podcast.
Armindo Monteiro: “Preço é muito caro pelas coreografias políticas”
Todos os governos têm falado na simplificação e na desburocratização e continuamos a pôr sempre essas medidas em cima da mesa.
Já reparou que nós temos uma agência, a Agência Portuguesa do Ambiente, por onde passam muitos dos pareceres de localizações e de licenciamento industrial. Está sem liderança, está sem presidente há quantos meses.
Já foi anunciado um novo. Mas tem de haver regras, os investimentos têm de ter regras.
Defendemos a simplificação, não estamos a defender o menor escrutínio. Nada disso. Nunca ninguém ouvirá a CIP pedir um menor escrutínio das regras e dos projetos.
“Há uma tentação dos portugueses darem uma maioria aos partidos porque percebe-se que, sem ela, não há decisões”
Voltando ao acordo de rendimentos, assinou-o, então, por causa da promessa de criação de um grupo de trabalho?
Não, pelo sinal que já é dado. Assinámos por três razões. A primeira é que reconhecemos neste acordo, e agora materializado no Orçamento que foi apresentado, o início de um caminho. Há dez anos que não se falava em redução da carga tributária sobre as empresas, e é preciso dizê-lo, é um início. Se pela primeira vez está na agenda a redução efetiva da tributação sobre as empresas, naturalmente, é um sinal que nós queremos reconhecer. O segundo ponto é que percebemos que a capacidade — capacidade entendendo como disponibilidade negocial do Governo — é reduzida por não haver uma maioria parlamentar e, por isso, não podem prometer o que não podem depois construir. E vimos do lado da oposição que não tem havido este esforço de convergência para suster uma maioria que permita, efetivamente, ir mais longe. E, por isso, e também por esta promessa de se levar para a frente um conjunto concreto pós-orçamental de medidas na área económica, por estas razões achamos que estavam reunidas as condições para sermos, mais uma vez, um foco de responsabilidade no país.
E não foi por temer ir a eleições?
Achamos que estamos reféns de uma lógica político-partidária, em que aquilo que se procura é acomodar os interesses político-partidários quando o que é preciso é acomodar os interesses do país, não é a mesma coisa. Gostávamos de ver na atitude dos responsáveis políticos este sentimento de interesse no país. E, às vezes, parece que estamos apenas a perceber quem é que tem vantagem, um bocadinho como se fosse uma corrida de Fórmula 1, quem é que consegue ficar na pole position para umas supostas eleições legislativas que aí venham e como é que eu fico melhor posicionado na grelha de partida. Ora, isto é utilizar a economia e os portugueses como instrumento de disputa eleitoral e de interesse político-partidário. Isto pode pagar-se caro. Comprometemo-nos a aumentar salários em essencialmente 20% nos próximos quatro anos. Estamos neste momento com tensões geopolíticas em todo o mundo. Estamos com países que eram pulmões económicos, como a Alemanha, a mostrar sinais de fadiga. Temos países com crises de liderança, como é o caso dos Estados Unidos, ou pode vir a estar, ou a França. Estamos com desafios tão grandes e aqui estamos aparentemente entretidos em disputas…
Mas essa fragmentação parlamentar foi resultado dos votos dos portugueses.
O ponto é os partidos interpretarem que o projeto de sociedade para Portugal deve penalizar as empresas. Este sentimento é que é um sentimento que não vemos expresso na sociedade. Eu não vejo na sociedade que os portugueses sejam contra a redução da tributação. Não vejo na sociedade que os portugueses sejam contra o crescimento da economia. E portanto, esta interpretação que os partidos fazem, que é popular e dá votos ser contra as empresas….
Teve conversas com Pedro Nuno Santos durante este seu mandato na CIP. Viu relutância do líder do PS em descer a carga fiscal para as empresas, nomeadamente pela via da taxa do IRC? Foi-lhe sempre mostrada essa relutância?
Eu tenho visto as declarações públicas, e prefiro referir-me às declarações públicas e não às conversas privadas que tenho com o secretário-geral do Partido Socialista, mas tem-me surpreendido as declarações públicas de que o Partido Socialista nunca poderia aceitar mais do que uma redução de um ponto [percentual] em toda a legislatura. Isto tem-me surpreendido, assim como me tem surpreendido a ideia de que nunca o Partido Socialista poderia aceitar uma tributação sobre as empresas a 17%. Isto faz realmente parecer que tem que haver uma penalização sobre as empresas. Esta interpretação que os partidos fazem, de que é popular ser contra a redução da tributação exagerada das empresas, isto confesso que me surpreende. Qual é o projeto de país, o projeto de sociedade, que tem como mote que haja uma tributação asfixiante sobre as empresas? As empresas não precisam de ter margem, não precisam de aumentar salários, não precisam de transformação digital, ambiental, internacionalização, sofisticação do seu modelo de negócio? Precisam. Isso é feito à custa de quê? É de cada vez mais retirar para o Estado aquilo que deveria ficar nas empresas para que tivessem capacidade de crescimento. Eu numa palavra diria que quase parece que as empresas devem ter uma tributação elevada porque isto é quase um bocadinho como se fosse a remissão dos pecados das empresas, ou seja, as empresas merecem pagar pelos erros e pelos pecados que têm. Isto é uma visão errada.
É isso que sente quando fala com Pedro Nuno Santos?
Isto sinto quando vejo algumas declarações dos partidos à esquerda, não estou a referir apenas do Partido Socialista.
Mas o Partido Socialista é que interessa agora para esta equação orçamental.
Aqui ao lado, em Espanha, mesmo partidos que ainda são mais à esquerda do Partido Socialista, convergem num ponto, podem ter todas as diferenças ideológicas, mas há uma vontade de preservar o tecido empresarial, porque é base de criação de riqueza. E este é o sentimento, que é com frustração que o confesso, que não vejo no debate partidário em Portugal e noutros países, onde também há forças de esquerda, forças de centro e forças de direita, mas convergem num objetivo.
Já disse que agora na concertação há um quarto elemento, que é o Parlamento ou o facto de o Governo não ter maioria absoluta. Não sente que isso, de certa maneira, pode esvaziar o papel da concertação e dos parceiros sociais?
Eu creio que não esvazia, pelo contrário, até o reforça. É uma regra democrática, e aqui aceitarmos que um Governo minoritário é uma expressão do voto dos portugueses. Acho que isso devemos aceitar com naturalidade, e devemos aceitar até, habituarmo-nos a isso, porque a maioria dos governos por esta Europa fora é feita de governos minoritários. O que vejo nos outros países é que, apesar de serem governos minoritários, conseguem encontrar bases de entendimento. Nós aqui é que somos binários, é tudo ou nada, e esta atitude do tudo ou nada é que tem sido o nosso impeditivo para fazermos uniões e fazermos pactos verdadeiramente estratégicos para o desenvolvimento do país. É sempre uma tentação dos portugueses darem uma maioria aos partidos, porque percebe-se que, se não houver uma maioria absoluta num determinado partido, de facto não há decisões.
Queria ver Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos a fazer esse pacto para o país?
Eu creio que Portugal exige esse pacto para o país. Não podemos ter esta ideia de que nós nos alimentamos de política, e a política hoje está demasiado presente, e sobretudo a pequena política, política partidária. Se for uma política de projeto de sociedade, política no sentido elevado do termo, eu tenho respeito por isso. Agora, se for aquela política mais de partido, mais de ganhozinhos, de pequenas vantagens eleitorais, sinceramente, acho que o país está a pagar um preço demasiado caro para assistirmos a estas coreografias políticas, não há espaço para isso. Não vejo um projeto de sociedade assim tão diferente. O que vejo é táticas para fixar determinados eleitores, determinadas bases eleitorais, e tudo o que seja tática vai pagar-se muito caro, porque estamos a entrar numa linha, não do que o país precisa, mas do que os partidos precisam para as suas bases eleitorais.
Num artigo de opinião no Público escreveu que “querem a todo o transe fazer-nos acreditar que é possível dar tudo a todos”. A crítica é para quem?
A base da demagogia e do populismo é, precisamente, essa ideia de responder com soluções simples a problemas complexos, em soluções imediatas a problemas que demoram tempo. A base principal é esta: não é possível criar o que não se distribui, e um país que acredita que é possível distribuir o que não se cria é o tal país que não quer descer o imposto sobre as empresas. Parece-me que tem havido no debate em Portugal este taticismo para se querer dar tudo a todos porque se compra, com isso, vontade eleitoral. Ora, as empresas não votam e, como as empresas não votam, podem ficar preteridas nesta disputa eleitoral.
Mas está também a incluir aí o Governo do Luís Montenegro?
Eu creio que o Governo, sendo um Governo minoritário, não sai impune desta disputa. Também tem cedido um pouco a esta necessidade de conquistar votos, mas, ainda assim, nesta questão da redução da carga sobre as empresas é o único que, efetivamente, juntamente com a Iniciativa Liberal, tem puxado para esta necessidade.
Nesse artigo diz que “está em curso uma política orçamental expansionista para salários e pensões, benesses sociais e dotações públicas que contrasta com o mundo em convulsão.” O que é que acha mal que se tenha feito? O aumento das pensões, os aumentos dos professores, das forças de segurança?
Somos um país pobre, é preciso partirmos desta base, porque termos um banho de realismo só nos faz bem. Nós somos um país pobre — no contexto europeu, naturalmente. Devemos ficar prostrados com isso? Não. Todos os nossos relatórios dizem que Portugal vai crescer X valores e depois acrescenta-se esta frase, que é terrível, “abaixo do seu potencial de crescimento”. Isto é terrível, porque se não estivesse lá, tínhamos era que aceitar: estamos a crescer o que é possível. Agora, quando se diz “abaixo do potencial de crescimento” quer dizer que podemos crescer mais, podemos ser mais ricos do que somos. Por isso, precisamos de promover todos esses aumentos salariais que acabou de referir porque, efetivamente, é importante que haja qualidade de vida em Portugal.
Mas como se diz, a riqueza não nasce nas árvores, não cai do céu, é preciso criar essa riqueza. E aquilo que a confederação tem dito é: vamos lá então apostar na subida de salários, no aumento dos fatores de produção mais qualificados. Mas só dizemos uma coisa, que é um banho de realismo: para que isso aconteça, tem que a economia crescer. E, por isso, tal como estamos disponíveis para um pacto de aumento de salários, também pedimos que esteja o país disponível para um pacto de crescimento económico. Mas nesta segunda parte — que é mais difícil, porque é muito mais difícil criar do que distribuir — vemo-nos muitas vezes sozinhos no deserto. Ou seja, ainda que haja compreensão no discurso, depois essas medidas não aparecem no dia-a-dia. Percebemos, e isto é uma justificação que naturalmente o Governo pode sempre utilizar, que não tem maioria.
Mas no artigo está a criticar especificamente a despesa pública, nomeadamente em pensões e salários…
Este orçamento, o tal orçamento equilibrado, prevê mais 10 mil milhões de aumento despesa pública. No outro ano foi mais 12 mil milhões. Podemos continuar a aumentar a despesa sem, de facto, pedir contas ao Estado, pedir-lhe justificação? Continuamos a ser 10 milhões de portugueses, estamos melhor servidos hoje do que estávamos há um ano, há dois, há três, há quatro, há cinco? Não estamos, é a nossa conclusão. Então estamos a pedir mais eficiência no dinheiro dos contribuintes.
É verdade que muita despesa acaba por chegar às empresas por via do consumo, privado e público.
Nós aqui precisamos de ter uma ideia de que nem todo o dinheiro se transforma, muito dinheiro se perde. E é importante começarmos a fazer como democracias mais elevadas, mais desenvolvidas, que é pedir contas do dinheiro que é entregue ao Estado. Não podemos entrar aqui em abstrações intelectuais, que é um dinheiro um bocadinho etéreo, um esoterismo. Este dinheiro é retirado ou às famílias ou às empresas. E é esse dinheiro que nós entregamos ao Estado para, naturalmente, o Estado nos fornecer bens e serviços comuns. Achamos hoje que temos bens e serviços de qualidade, achamos hoje que, de facto, na área da saúde, da educação, defesa e justiça estamos bem servidos? Naturalmente, todos nós nos sentimos muito confortáveis a pagar para essa cidadania, essa capacidade de vivermos em comum. Agora, se isso não está a acontecer e, sistematicamente, as despesas públicas aumentam, pergunta-se: Não é altura de os cidadãos começarem a pedir realmente satisfação do dinheiro que nós entregamos ao Estado? Eu creio que sim.
O Governo deveria prescindir do equilíbrio das contas públicas e admitir algum défice para melhorar a vida das empresas e das famílias?
O equilíbrio das contas públicas é de louvar. Não podemos cair naquela ideia, que já tivemos e já pagámos caro, que a dívida gere-se e não se paga. Não, a dívida paga-se e, agora, felizmente, estamos com taxas de juros relativamente baixas, significa que não são um consumidor muito significativo das nossas receitas. Mas já tivemos um tempo em que o custo do serviço de dívida era muito significativo e não nos podemos esquecer disso, não podemos ter memória curta. Por isso, a resposta não pode ser outra, é necessário que as contas estejam certas, isso é fundamental. O que é necessário discutirmos de uma forma aberta é se estamos, efetivamente, a fazer a despesa pública onde deve ser feita e, sobretudo, não confundir o que é despesa com investimento. Achamos que deveria haver espaço para que muito daquilo que é aplicação de recursos fosse para investimento e aquilo que vemos é que não é para investimento, é, sobretudo, para despesa e aqui é uma divergência.
Medidas no Orçamento sem efeitos práticos
Outra medida que está no Orçamento do Estado é o incentivo em sede de IRC criado no acordo de valorização salarial e que, em 2023, só chegou a pouco mais de 500 empresas. Corre-se o risco de se legislar só para algumas empresas?
Corre-se esse risco. Medidas que podiam ter um efeito muito positivo acabam, por essas amarras, por não ter esse efeito positivo. Tocou bem nesse aspeto, que é muito relevante. Apenas 500 empresas tiveram esse benefício. Este ano está incluído também uma majoração mas foram colocadas tantas amarras, tantas limitações que eu temo que ainda continue a ser impraticável.
Portanto, esta medida não serve para nada, é isso?
É importante termos esta ideia que em Portugal temos conseguido acomodar aumentos salariais, mas a economia não tem crescido ao nível dos aumentos salariais. Se não conseguirmos inverter isso, se a economia não permitir fazer isso, vai ser um problema. Normalmente pensa-se nas grandes empresas. Eu queria dar um exemplo de uma empresa que é igual a 93% das empresas em Portugal. Mais de 400 mil empresas faturam até 150 mil euros, muito pouco, e tipicamente têm até três trabalhadores, normalmente um empresário e mais dois trabalhadores. O que é que acontece se nós aumentarmos o salário de dois e a economia não crescer? Vamos reduzir o salário do terceiro. É uma questão de matemática. Ou bem que a economia cresce e permite acomodar o aumento dos três salários, ou não cresce e é feita à custa da margem, ou seja, do tal terceiro salário. Normalmente quando pensamos, entramos numa abstração intelectual e pensamos sempre nas 1.300 grandes empresas que temos em Portugal.
Essas empresas são fundamentais, devíamos ter mais. Mas o facto de termos um imposto progressivo do IRC — não conheço nenhum país que tem imposto progressivo sobre as empresas — estamos naturalmente a dizer que não vale a pena crescer. Pelo contrário, se chegar a um determinado limite é bom que transformem em duas empresas. Isto é completamente contrário àquilo que mais precisamos, que é empresas fortes, globais. Já viu que em 50 anos de democracia não temos uma única empresa global no mundo? Não temos nenhuma empresa. E por isso a sua questão é muito pertinente, porque no fundo estamos a criar medidas que depois na prática não se aplicam.
O 15.º mês é outro exemplo?
É outro exemplo, exatamente. Esta medida que ficou estabelecida para que as empresas pudessem fazer chegar um prémio — e não se confunda isto com aumento salarial, é um prémio. O que é que este prémio, que é voluntário para recompensar bons desempenhos, obriga para que possa ser praticado? Subir todos os trabalhadores na empresa ao nível de 4,7%. Pergunto: numa empresa não haverá sempre diferenciação, não haverá sempre alguns trabalhadores que merecem mais e outros que merecem menos? Não deveríamos estar a falar de um aumento médio? Mas ao estabelecer que todos têm que ser aumentados, mesmo aqueles que até se calhar têm pouca assiduidade, se calhar têm pouco compromisso com a empresa, se calhar estão pouco focados na sua atividade, mesmo esses têm que ser aumentados para que se possa entregar um prémio aos que efetivamente o merecem… Não faz sentido nenhum.
Portanto, não vai acontecer esse prémio salarial?
Seguramente vai acontecer a uns quantos, mas podia ter um efeito muito maior, porque pela primeira vez, e eu queria registar isso como positivo, em Portugal, é possível atribuir um prémio sem que o Estado diga: Eu quero a minha parte.
Mas não acha que vai beneficiar as empresas que atualmente já têm capacidade para pagar prémios de produtividade?
Acaba por ser difícil, porque tem de se cumprir um aumento para todos ao nível de 4,7%. O problema aqui não é uma questão de capacidade, é uma questão de gestão de recursos. Se eu precisar, na minha empresa, de fazer uma gestão de recursos, eu tenho que conseguir distinguir bons desempenhos de desempenhos piores. Se estabeleço que a regra é que tenho que aumentar todos por igual, isso não vai permitir um desempenho e uma gestão de recursos humanos.
Mas 4,7% é um aumento mínimo, não é?
Foi ontem anunciado que o aumento para a punção pública é 2%. Estamos no mesmo país, portanto aos funcionários do Estado é-lhes dito que vão aumentar 2% e aos funcionários que não são do Estado é dito que têm que aumentar 4,7% para poderem receber um prémio. Há aqui qualquer coisa… Nós aceitávamos e achávamos que fazia sentido, precisamente para não confundir uma medida de produtividade com uma medida de aumento de salários, que ao trabalhador a quem é pago um prémio tivesse que necessariamente ser pago um aumento de salário. Para não se confundir uma coisa com a outra, estamos de acordo, primeiro um aumento de salário e depois um prémio. Agora, para eu dar um prémio a uns quantos, tenho que aumentar todos?
IRS jovem “não é uma bala de prata para resolver o problema” da emigração
Além do IRC, outra das medidas deste Orçamento é o IRS Jovem. Acredita que essas taxas de imposto mais benéficas para os jovens terão o tal efeito pretendido de reter os jovens no país? Ou é eleitoralista?
Acredito que é uma medida que, sendo boa, não é uma bala de prata para resolver o problema. Um jovem não fica em Portugal apenas pela questão de ter uma redução tributária — mas é importante, porque a redução fiscal faz com que aproxime o valor que a empresa paga daquilo que ele recebe, há claramente um ganho. Por uma razão simples, e dou um exemplo: houve uma empresa que se deslocalizou recentemente de Portugal para um outro país, onde basicamente manteve o mesmo nível salarial, mas todos passaram a receber em média mais 30%. É significativo. Porque, embora as taxas sejam as mesmas, nesse país utilizam as mesmas taxas para tributar níveis de rendimento muito mais elevados. Não é de somenos importância querermos, em relação aos mais jovens, estabelecer um regime que, de alguma maneira, lhes diga que vão pagar menos imposto e, por essa via, vão ter mais rendimento. Essa é uma medida que nós apreciamos e achamos que está no sentido certo.
Nós tínhamos proposto uma medida um pouco diferente, que era isentar os primeiros 100 mil euros de rendimento ganhos por um jovem com uma limitação por ano, mas colocávamos a limitação no montante, não nos escalões, porque ao pormos nos escalões estamos precisamente a não chegar àqueles que até podem ter uma propensão maior para saírem do país, que são os que ganham mais, mas que também são mais disputados lá fora. Respondendo à sua pergunta: não basta isto. Muitos jovens emigram não apenas pelo salário, mas pelo projeto de vida. Claro que o salário é importante para o tal projeto de vida, mas é projeto de vida: onde é que vão ter melhores condições de vida? Onde é que vão ter melhor serviço de saúde? Onde é que vão ter melhor serviço de educação para os filhos? Para desenvolver os seus projetos de vida, onde é que vão ser mais estimulados nas suas empresas? E aqui, enquanto empresário, enquanto líder de uma confederação, é preciso dar a mão à palmatória. Ainda não conseguimos, em Portugal, desenvolver projetos empresariais que sejam suficientemente estimulantes que desafiem os profissionais que ainda cá estão. Porque nós ainda não conseguimos construir esse modelo de sofisticação de projetos empresariais que permita que, às vezes, as pessoas se sintam estimuladas para desenvolver cá esse projeto.
Mas com este IRS Jovem não se pode correr o risco de as empresas contratarem trabalhadores jovens com um salário base mais baixo do que aquele que oferecem atualmente, porque sabem que o salário líquido vai ser maior?
É preciso vigiarmos isso para que não aconteça. É importante que se tenha esta ideia que do lado dos empresários não é só anjos, mas também não é só demónios.
Mas pode haver esse risco?
Pode haver esse risco, porque aí teríamos que chegar àquela ideia que então este país não é para velhos, ou seja, iríamos fazer uma política de recrutamento até aos 35 anos e quando chegasse aos 35 anos iríamos mudar.
E acha que isso não vai acontecer?
A própria medida introduz limites a isso, porque começa com isenção a 100% e vai reduzindo.
E acha que esta formatação do IRS Jovem como ficou é preferível à proposta inicialmente feita por este Governo?
Creio que sim, creio que esta formatação com os inputs do Partido Socialista é melhor do que aquela que estava inicialmente prevista.
É melhor porquê?
Primeiro porque não tem um custo orçamental tão violento e precisamos avaliar. Todos nós estamos convencidos que ela pode ter um efeito positivo e estamos esperançados que assim seja, mas ela tem que ser avaliada, tem que se perceber se esta despesa fiscal efetivamente tem contrapartida na medida positiva. Um segundo aspeto é que todos os jovens podem beneficiar dela. E a anterior estava um bocadinho mais exclusiva num determinado segmento [jovens licenciados], mas ainda assim esta medida exclui os jovens de mais alto rendimento. Há alguma razão para excluir os jovens de mais alto rendimento? Não são precisamente esses que vão ser mais tentados em projetos lá fora? Eu diria que sim. Então esses desprotegemos, só queremos proteger os outros de mais baixo rendimento? Creio que é uma discriminação que estamos a fazer em relação aos jovens profissionais, discriminando precisamente aqueles que têm mais capacidade ou que têm, porventura, mais requisitos válidos junto do mercado.
Mas também não se está a dar o sinal que as empresas devem contratar pessoas até aos 35 anos?
Não, se fosse constante a redução, imagino que isso poderia ser lido assim, mas não é. No primeiro ano de atividade tem uma isenção total e vai diminuindo até chegar aos 35 anos. Ou seja, na fase final já tem uma tributação quase idêntica a quem tiver 36 ou 37. Ou seja, há um estímulo para os primeiros anos de entrada no mercado de trabalho, mas depois esse estímulo vai naturalmente ficando mais diluído. Por isso é que eu acho que a nossa proposta era mais razoável porque tinha 100 mil euros. Ou seja, quem atingisse os 100 mil euros, podia até atingir em cinco anos, mas esse contador ficava preenchido e não havia mais esse benefício. Assim desta maneira, é um pouco diferente, mas acredito que conseguimos evitar esse receio precisamente porque ela é gradual, vai perdendo intensidade no desconto do imposto.
“Estamos a entrar em sucessivos períodos eleitorais, tudo o que sejam transformações necessárias são adiadas para segundo plano”
Mas pode haver desigualdades grandes dentro das empresas, entre pessoas que tenham 36 anos e outras ou que estejam a entrar no mercado de trabalho ou estejam a chegar aos 30 anos? Como é que as empresas podem lidar com isso?
Isso sim, mas também é importante que consigamos dar este sinal, ou seja, é um sinal forte que a sociedade está a dizer: os mais jovens têm que efetivamente, um bocadinho como já há muitos anos Almada Negreiros dizia: “Vós, ó geração, desenvolvei em pátria portuguesa o ideal das vossas juventudes”. E nós muitas vezes estamos a desenvolver o ideal das juventudes fora e não podemos ser um país com o envelhecimento como está a acontecer, com a pior relação entre as novas e as gerações mais séniores. Isto vai ter consequência na questão do sistema de pensões: tem consequência na questão das contribuições para a Segurança Social, na sustentabilidade da Segurança Social. Reter os mais jovens é, de facto, uma missão que o país inteiro deve considerar como importante. As empresas terão que conseguir arranjar uma forma de conjugar estes dois ativos: os ativos com mais experiência, que são também muito importantes, com um ativo que não tem essa experiência, mas que pode ter mais energia para fazer atingir determinados objetivos.
Creio que nos desabituámos de pensar que os mais séniores continuam a ter um lugar muito importante nas empresas e, sobretudo, no momento em que a nossa longevidade está a aumentar — e ainda bem, porque isso é uma conquista civilizacional — mas está a aumentar e não estamos a conseguir que vivam melhor, pelo contrário, vivem mais tempo, mas pior. Estamos a criar, de alguma maneira, uma nova geração de pobres que são aqueles que, se nada for feito — e nada ser feito é, por exemplo, reter jovens, — vamos ter uma taxa de substituição inferior a 40%, como diz o Ageing Report (da Comissão Europeia). É possível viver com 40% do último salário durante vários anos? Também é isto que nós precisamos de encarar, mais uma vez, não é uma medida eleitoralista, ninguém fala disto, porque todos ficam muito satisfeitos com o Estado atual, não dá votos. Hoje temos, sensivelmente, mais de um milhão de imigrantes que entraram no sistema e, por isso, estão a contribuir e houve aqui um acréscimo das receitas da Segurança Social. Em contrapartida disso, quais são as obrigações que a Segurança Social está a criar de pagar reformas a esses que começaram agora a contribuir? Ninguém fala nisso, porque se nós fizéssemos um confronto entre as entradas e depois as obrigações para o futuro que nós estamos a contrair, seguramente que a nossa Segurança Social não está mais forte.
E vê neste Governo a disponibilidade para não só discutir, mas passar para a ação e não colocar as conclusões do Livro Verde sobre a sustentabilidade da Segurança Social na gaveta?
Precisamente, as conclusões do Livro Verde da Segurança Social são muito claras em relação àquilo que é necessário ser feito. A questão é que nós, como estamos a entrar em sucessivos períodos eleitorais, tudo o que sejam transformações necessárias que o país tem que fazer, todas as transformações que de alguma maneira colidam com o objetivo de dar boas notícias e só boas notícias aos eleitores são adiadas para o segundo plano. E é preciso um Governo que tenha a coragem de dizer aos portugueses, olhos nos olhos, aquilo que não está bem, que contribua para a literacia, que em muitos casos é utilizada para amarrar o eleitor fazendo-o ter medo de transformações. É preciso um Governo corajoso, que dê esperança aos portugueses, que diga: há aqui um problema, vamos resolvê-lo.
Se assim não for, se perante o problema não for apresentada uma solução, estamos a fazer aquilo que muitos partidos fazem, sobretudo em economias mais pobres, mais frágeis, que é alimentar a subsídio-dependência, alimentar esta ideia do Estado Social que a todos vai resolver tudo. Eu gostava que nós em Portugal criássemos sobretudo uma sociedade empreendedora, em que tivéssemos portugueses que naturalmente contassem com a rede de proteção do Estado, sendo necessária, mas que o Estado os incentivasse a fazer por si, a terem essa atitude de encarar a iniciativa como uma iniciativa que depende de cada um e que naturalmente o Estado estará para ser essa rede de proteção. Mas aquilo que tenho visto é um Estado que de alguma maneira amarra este cidadão e, amarrando-o, acha que dessa forma conquista mais facilmente o seu voto ou promete-lhe soluções.
Fez bem o Governo em descongelar a taxa de carbono e por essa via aumentar os combustíveis?
Fez. Nós precisamos de fazer várias transformações. Essas transformações são transformações muitas vezes que são uma exigência para as empresas. É mais fácil não fazermos nada, mas nós vemos, e não somos inconscientes, que precisamos de uma transformação ambiental, não por sermos moderninhos, mas porque de facto temos que ter uma consciência que temos este planeta e temos que o preservar. Agora, aquilo que eu gostaria era que isto fosse a um nível global, porque nós aqui em baixo temos fronteiras, mas lá em cima, na atmosfera, não temos essas fronteiras dos países, e de que nos adianta? Muitas vezes nós temos aqui campanhas e exigências muito fortes que restringem muito a nossa capacidade industrial — e aqui não estou a falar só de Portugal, estou a falar da Europa — mas depois chegam às fronteiras da Europa e deixamos entrar mercadorias que têm regras completamente diferentes, que vêm competir com a nossa própria produção e aí não se aplica nenhuma taxa de carbono à entrada em Portugal ou da Europa. E por isso gostaria muito que este esforço fosse partilhado a nível global, porque se forem apenas alguns países a fazê-lo, a única coisa que estão a fazer é contribuir para a própria dificuldade da sua capacidade de produção e não para resolver problema nenhum.